Conto

Conto

O jantar acabara de ser servido, e todo aquele requinte implicava em grande perda de tempo, que em nada lhe incomodava; permanecia alheio, como se estivesse fora da realidade. Um nunca mais acabar de casos triviais contados com a importância de coisas transcendentais, como se pudessem resolver todos os problemas do mundo. Não parava de pensar nos acontecimentos da manhã, em que pela primeira vez andara pelas redondezas, displicentemente, sem nenhum objetivo, não podendo supor, que seria personagem de fatos que mudariam sua vida, quem sabe, para sempre. As conversas se sucediam e, de maneira simples como era seu hábito, resolveu contar algumas passagens de sua vida, como na época em que serviu ao Exército, sem ter nenhum pendor para a carreira das armas. Surpreendeu-lhe a rapidez com que passaram aquelas duas horas, distraindo-se com os acontecimentos vividos e as tolices que ouvia e falava incessantemente. Vivia dizendo que não se casaria antes dos trinta anos, pois, esperava situar-se bem na vida e ao mesmo tempo, adquirir experiências que lhe fossem de grande valor no futuro; embora, seja forçoso reconhecer, tivesse temperamento romântico, dado a escrever cartas de amor e versos sutis. - Caminhava pelas ruelas de pedras mal acertadas, de aspecto bonito e antigo. Sentia-se bem e muito animado, embora não houvesse repousado o suficiente após a viagem. Era a primeira vez que visitava aquele lugar, cedendo, após longos anos, ao convite dos tios que não tinham perdido totalmente a esperança, de vê-lo casado com uma das primas, provavelmente, a mais feia de todas. Resolvera ir até à praia e caminhou a passos lentos e decididos. Viu-a ao sair da água; enxugava-se com gestos comuns e de alguma sensualidade, provavelmente, por causa do contraste entre o louro de seus cabelos e a pele amorenada. Olhou vagamente o mar e com a mão direita em concha sobre os olhos, assim se detendo um longo tempo, como se quisesse encontrar algum tesouro porventura deixado nas águas. Viu-a como se fosse uma velha conhecida, uma lembrança difusa em sua memória, alguma coisa abstrata e distante. Quase não se falaram; sentia aquele caminho tão seu conhecido, como se o tivesse percorrido inúmeras vezes, como se nele estivessem gravados os passos da mulher amada. Era um belo dia de sol em que a pele sente a carícia quente do ócio, e no qual a alegria era um fato consumado. Ficaram de encontrar-se à noite na praia; poderiam conhecer-se melhor e falar uma quantidade enorme de mentiras, que as pessoas normalmente falam quando se conhecem. A bem da verdade, não o fazem por serem mentirosas, mas por ignorarem a própria personalidade e muitas vezes os próprios desígnios. - Após o jantar, saiu sem se despedir dos tios, temendo perguntas sobre seu destino. Caminharam de mãos dadas pela praia e não tiveram necessidade de muitas explicações, para sentirem um interesse recíproco e encantador. Num gesto de ternura comovida afagou-lhe os cabelos e lhe falou de sua visita à cidade, sua surpresa e seus propósitos e seus projetos de vida. Ela ouvia tudo atentamente, demonstrando interesse e tranqüilidade. Não era a primeira vez que sentia aquele tipo de sensação diante de uma mulher, mas sentia que naquele momento as coisas se passavam de modo diferente. Tinha muita angústia de conhecê-la e saber muitas coisas de sua vida, mas procurou timidamente disfarçar. Teve necessidade de tocar novamente seus cabelos e o fez secamente, sem qualquer palavra que pudesse explicar o gesto de desafogo. Percebeu então que eles estavam úmidos do mar!