A LENDA DE KÓRA & ALSVID - parte 9: Na terra dos lobos gigantes
Na primeira semana após o início da batizada “guerra de Ofidis”, Victor durante a noite se dirigiu ao vilarejo onde morava Valquíria. Foi acompanhado de sua polícia de elite, e eles carregavam algumas tochas.
— Onde é a casa da velha? — indagou Victor ao capitão.
— É logo em frente senhor.
O grupo chegou até a humilde cabana. Victor bateu na porta e Valquíria abriu uma fresta por onde espiou.
— Senhor Victor... — disse a velhinha perspicaz. — Sinto muito, mas acho que bateu na porta errada. Não posso ajudá-lo em nada.
Valquíria já ia fechando a porta, mas Victor segurou a porta e a empurrou com força, fazendo a a velha cair no chão.
— Realmente acho que a senhora não poderá me ajudar — disse Victor com muito cinismo. — Mas estou certo de que bati na porta certa.
— Ah, seu canalha! — gritou Valquíria. — Eu vou te ensinar a não ir entrando desse jeito na casa dos outros!
Valquíria partiu para cima de Victor com uma faca que se encontrava sobre a mesa, mas foi infrutífera em sua “boa intenção”. Dois soldados seguraram a velha e a imobilizaram, amarrando-na e jogando-na num canto da sala.
— Não se preocupe, querida sacerdotiza — disse Victor. — Vim apenas para pegar alguma coisa que tenha pertencido ao seu filho.
— Coisa? Quê coisa? — inquiriu Valquiria.
— Qualquer coisa — disse Victor, enquanto revirava um baú perto da lareira. — Alsvid com certeza saiu com muita “pressa”, e provavelmente deve ter deixado algo para tráz. Afinal, mesmo com a minha decisão de expulsar os ofidianos, fiquei sabendo que seu filho ainda morou por um bom tempo aqui com a senhora...
Victor parou a sua procura. Havia encontrado uma capa vermelha que continha a insignia de Ofidis, e que óbviamente pertencia a Alsvid.
— Encontrei! — comemorou Victor. — Bem, agora já tenho que ir minha senhora, tenho muitos compromissos. Espero que não se queime.
— Me queimar? — indagou Valquíria, tentando se desamarrar das cordas que a prendiam firmemente.
— É sim.
Victor tomou a tocha de um dos seus soldados, e a arremessou no baú, que se incêndiou. Os outros que carregavam suas tochas também se desfizeram das suas, e logo aquela casa encontrava-se por inteiro em chamas.
O rei e seus capangas abandonaram o local rapidamente. Lá dentro Valquíria tentava desesperadamente se desamarrar, mas a idade já avançada lhe impediu. A casa se incêndiou por completo e ruiu com a velha sacerdotiza. Aquele era o fim de Valquíria.
Naquela mesma noite, Victor partiu sozinho numa longa viagem. A cavalo ele cruzou Elgartem e foi até o extremo norte do país, onde havia uma cadeia de montanhas coroadas por uma considerável quantidade de neve.
Lá, à beira de um lago congelado, um homem ao lado de um dragão o esperava. Victor desceu do cavalo e caminhou lentamente até o sujeito – o homem tinha uma aparência grotesca, com muitas feridas nas mãos e no rosto; vestia um casaco de pele, e botas bastante surradas.
— Hum, então recebeu minha carta... que bom que chegou na hora, Goubar — disse Victor.
— Cheguei há mais de duas horas, senhor — disse o homem.
Goubar tinha sido um dos servos mais fiéis de Victor enquanto ele vivia em Asgarnofe. Agora o pobre serviçal voltaria a ser útil.
— Este dragão realmente sabe o caminho? — indagou Victor, apontando para a criatura.
— Sim — respondeu Goubar. — Esta espécie vive próximo a Musfélrrem — sua voz era aguda, e ele parecia sibilar como uma cobra em alguns momentos.
— Ótimo — disse Victor. — O cavalo está logo ali, próximo a margem. Vá para Elgartem e fique no alojamento dos guardas. Ah, não se esqueça de apresentar o bilhete que lhe enviei junto com a carta. Lhe devolvo o dragão assim que eu voltar.
— Tudo bem senhor.
Goubar encontrou o cavalo e partiu rumo ao coração de Elgartem. Seu senhor subiu cuidadosamente no dragão e ordenou que ele fosse a Musfélrrem.
Aquele dragão era uma espécie diferente. Sua pele era mais fina, e coberta por escamas amarelas. Possuía na cabeça vários chifres, e uma calda com uma ponta chata, no fomato de uma pá. O animal apesar de esquisito e temperamental, era muito veloz. Bem mais veloz que a maioria dos dragões que Victor já montara.
A viagem foi longa, perdurou por dois intermináveis dias. Victor fez apenas uma parada em uma região próxima a Skog, onde montou um pequeno acampamento. Quando já estava bem cansado, ele teve um sobressalto.
O dragão acabara de entrar em uma região vázia e inóspita, com vales nus, onde o sol se encontrava escondido atrás de nuvens densas e avermelhadas. Era Musfélrrem, a terra onde viviam os lobos gigantes.
Victor pousou com seu dragão aos pés de uma colina, e saiu à procura de algum róz. Aquele lugar era repleto de morros, e colinas; planícies e depressões; um lugar com terreno extremamente irregular, onde existiam buracos e despenhadeiros prontos para engolir qualquer intruso.
Uma das coisas que mais chamou a atenção de Victor, foi o silêncio absoluto, que se tornava mais incômodo a cada instante que se passava. No céu entre as nuvens, relâmpagos passeavam numa dança sem muito nexo para quem via de início, mas que passava a fazer todo o sentido após algum tempo: os céus estavam avisando os lobos da chegada de um estranho.
Talvez devido à sua frieza, ele não sentiu medo; apenas um fascínio que o dominou, e que lhe pedia para continuar. Assim Victor fez.
Passando por um desfiladeiro, ele ouviu pela primeira vez um barulho, e sentiu o chão sob os seus pés vibrar. Instantes depois se deparou com uma criatura gigantesca, que caminhava lentamente na sua direção. Era um róz que o encarava, mostrando os dentes, como se estivesse se preparando para dar um bote.
No momento em que Victor tinha certeza que o lobo o atacaria, ele retirou do bolso um pequeno vidrinho contendo uma mariposa. Assim que viu o inseto, o róz recuou.
Nas asas de uma mariposa havia um pó capaz de imobilizar um róz por alguns minutos, e disso poucos sabiam. Talvez esse fosse o único modo de amedrontar aqueles monstros.
— Apenas venho visitar sua terra, e você já vem me atacar! — disse Victor com um sorrisinho sarcástico.
— Vá embora estrangeiro! — disse o róz. Sua voz era grossa, imperiosa, bastante grave.
— Só quero encontrar Éron — disse Victor, ameaçando abrir o vidro.
— O que quer com ele?
— Só lhe darei um trabalho muito importante... Sera que podia me guiar até ele?
— Não nos misturamos com Éron — disse o róz. — Se quiser, vá sozinho até ele. Fica logo em frente, numa depressão.
— Hum, então obrigado.
O lobo se afastou para que o homem passasse, e logo em seguida uivou para os outros, avisando que era perigoso se aproximar do humano, pois ele trazia consigo um vidro com “veneno”.
Depois de um quilômetro de caminhada, Victor desceu numa grande depressão, onde deitado em um buraco estava um lobo de aparência demoniaca. Assim que o homem se aproximou, o róz se levantou.
— Olá Victor, há quanto tempo... — disse o lobo.
— Papai. Realmente faz muito tempo.
Éron era surpreendentemente o pai de Victor, mas nem sempre fora assim. Há anos atrás Éron foi humano, mas acabou sendo amaldiçoado por uma feiticeira agnóstica que vivia em Ofidis. Entre os mais pobres de Asgarnofe, constantemente eram proferidos os versos desse causo:
Outrora havia um conde abastado
Que vivia em Asgarnofe
E que achava ser um rei.
Ele era arrogante e impiedoso
E os seus serviçais deviam realizar todos os seus luxos.
Por mais de uma vez foi a Elgartem e a Ofidis
Mas não foram simples viagens;
Éron de Asgarnofe abusou de pobres jovens
E ao ser descoberto foi preso e humilhado
agredido e torturado.
Como amigo de Ottavius
Hector de Ofidis convocou uma feiticeira que lá morava
E ela enfeitiçou o conde mimado.
Éron virou um róz, e ao inferno foi exilado
Onde até hoje vive, triste e isolado.
— O que quer Victor? — indagou Éron. — Dizem que você é rei de Elgartem agora, e que uma guerra terrível aconteçe lá fora.
— Ah, sim papai. Eu me vinguei daqueles malditos que fizeram o senhor sofrer! Ottavius está morto, Elgartem é minha, e em breve Ofidis será incinerada do mapa.
— Está falando sério? — disse Éron, mostrando-se contente com as notícias trazidas pelo filho. — Como conseguiu tal feito?
Durante duas horas Victor explicou ao seu pai tudo que ocorrera nos últimos tempos. Ao final da explicação, Éron rosnava e chiava, alegre com os feitos do filho.
— Mas preciso de sua ajuda agora pai — disse Victor, agora parecendo tão frágil diante do lobo. — Esse Alsvid está com Kóra, e se ele fugir com ela? Alsvid parece ser muito esperto, e com certeza será um grande obstáculo para capturarmos ela.
— Isso é provável — comentou Éron. — Mas, onde entra a minha ajuda nessa história?
— Quero que mate Alsvid.
— Matá-lo? — disse Éron surpreso. — Está falando em eu sair daqui e ir à procura desse serviçal? Como pensa que eu vou encontrá-lo? Garanto que não será tarefa fácil!
— Bem, talvez sua tarefa não seja tão difícil — disse Victor retirando da mala que carregava nas costas, a capa que pertencia a Alsvid. — Consegue farejar, não é?
— Muito esperto filho! — disse Éron, em seguida cheirando a capa. — Já sinto o cheiro dele há milhas daqui... Ele deixou um grande rastro.
— Mas lembre-se papai: mate apenas Alsvid. A rainha tem que ser mantida em segurança!
O róz cheirou a capa mais uma vez, e se preparou para partir.
— Terei cautela, mas você sabe Victor... é difícil um róz ser sutil.
Naquele exato momento Éron partiu para Ofidis em busca de sua presa, e Victor retornou para casa.
*Breve nota à respeito dos róz: eram criaturas que possuíam as mesmas habilidades dos lobos, só que ampliadas mil vezes. Eram muito resistentes, e se alimentavam pouquíssimas vezes durante suas longas vidas.