A LENDA DE KÓRA & ALSVID - parte 8: O sequestro
Se Ofidis tinha o mais bem preparado exército, Asgarnofe e Elgartem juntas ganhavam em número de soldados. Além disso, Asgarnofe contava com uma ajuda muito importante: as fadas.
Elas serviam a Asgarnofe, e em campo de batalha utilizavam principalmente suas habilidades de cura em soldados que fossem feridos. Em questão de minutos um soldado ferido de Asgarnofe já estava novamente combatendo; esse foi uma das vantegens em relação de Ofidis, cujo soldados foram ficando consados gradualmente.
Os ofidianos eram velozes, ágeis e muito habilidosos com suas armas. Sua resistência era fantástica, e sua fibra invejável; entretanto nada disso foi o suficiente para conter as tropas de Asgarnofe e Elgartem. Depois de semanas de combate, Ofidis teve que recuar, e a nação começou a ser invadida impiedosamente.
Há muito tempo, Ofidis, Elgartem e Asgarnofe, concordaram com a utilização de seres “sobrenaturais” em caso de uma guerra. Dragões e fadas passaram a ser utilizados. Mas o que Ofidis não imaginava, era que um dia as fadas seriam uma das causas de sua ruína.
Kóra e Alsvid ao saberem da queda das tropas ofidianas, não quiseram inicialmente fugir.
— Senhor — disse Alsvid —, acho que deveriamos ficar. Eles querem Kóra viva, e se eles chegarem até nós, ela pode contar o que de fato aconteceu!
— Isso mesmo padrinho! Alsvid está correto.
— Bem... tenho minhas dúvidas...
Antes que o rei terminasse de falar, o chão tremeu.
Alsvid correu até a janela mais próxima, e avistou um enorme lobo de pelagem negra que destruía a cidade ao redor do castelo.
— Um róz! — gritou Alsvid.
— O que? Um lobo gigante aqui em Ofidis? — indagou Hector com os olhos arregalados.
— Exatamente senhor! — disse Alsvid. As paredes tremeram e em alguns pontos surgiram rachaduras.
Na cidade, as pessoas estavam em pânico. Aquele lobo demoníaco pisava nas casas que desabavam, esmagava e estraçalhava moradores. Poças de sangue se acumulavam nas ruas, e os moradores que conseguiam escapar fugiam apavorados em direção às montanhas.
Todo o contigente que havia recuado e que estava na região, se posicionou para proteger o castelo. Aquele róz com certeza não trabalhava para Asgarnofe nem Elgartem; ele farejava como se estivesse à procura de algo ou alguém, e isso se confirmou quando o lobo começou a correr em direção ao castelo.
— Eu acho que sei quem o róz procura — disse o rei com a voz trêmula. — Venham, temos que sair daqui!
— Foi Victor... — murmurou Kóra.
— Existe uma saída secreta próxima daqui — disse o rei, dando uma última olhada através da janela. — Me acompanhem!
Quando o lobo chegou ao castelo, os soldados tentaram impedi-lo, mas foi inútil. O rós matou grande parte dos soldados e avançou contra o castelo.
Kóra, Alsvid e o rei rapidamente foram escoltados por alguns guardas até o cômodo onde encontrava-se a passagem secreta. Era um sala de estar pequena e aconchegante, com uma poltrona no meio da sala, e uma lareira no lado oposto a porta.
— É ali na lareira — disse o rei se dirigindo até ela.
Hector moveu uma pequena estátua que estava sobre a lareira, e uma passagem estreira se abriu. Nesse momento Kóra olhou para Alsvid, e ele estava com uma expressão de pavor.
Na janela um enorme olho com a íris amarela os encarava. Ao vê-lo, Kóra soltou um berro.
O róz golpeou o castelo com a sua pata, e arrancou a parede da sala. Os guardas tentaram atacá-lo, mas o róz os derrubou com seu enorme fucinho.
— Vocês dois, entrem! — ordenou o rei. O lobo atingiu Hector que foi jogado contra a parede. Seu crânio se abriu.
— Padrinho! — gritou Kóra, que tentou ajudá-lo, mas foi puxada por Alsvid.
— Ele está morto Kóra! Temos que fugir!
Ele puxou Kóra pra dentro da passagem, e a criatura começou a destruir toda aquela parte do castelo, tentando passar pela estreita passagem que os dois tinham acabado de entrar.
Aos prantos Kóra desceu inúmeros lances de escada nos calcanhares de Alsvid. O lugar era bem iluminado, pois tinha várias aberturas por onde a luz solar entrava e enquanto eles desciam, sentiam as escadas tremerem e ouviam o eco dos uivos do lobo.
— Aquele maldito! — berrou Kóra, se referindo a Victor. — Será que esse inferno nunca vai acabar!
— Calma Kóra, vamos sair dessa. Eu tenho certeza disso.
Eles avistaram há poucos metros abaixo, uma porta de madeira. Quando pisavam nos últimos degraus, ouviram um estrondo.
O róz derrubou uma parede e chegou às escadas, que não aguentaram seu peso e ruiram. Alsvid e Kóra correram e conseguiram sair a tempo quando tudo desabou diante deles, e o lobo caiu, sendo soterrado pelos escombros.
Ao correr Kóra acabou tropeçando e torceu o tornozelo.
— Ai que droga! — gritou ela, levando as mãos ao tornozelo. — Tá doendo!
Alsvid tirou o sapato que ela usava e examinou calmamente a moça.
— Não se preocupe Kóra, foi só uma torção. Agora também não precisamos correr mesmo...
Um ruido anunciou que o lobo ainda encontrava-se vivo, bastante disosto pelo que se via; aos poucos ele começou a se desvencilhar das pedras e dos pedaços de madeira que o cobriam.
— Vamos! — disse Alsvid pegando Kóra no colo e correndo em direção a porta.
Ele nem cogitou em abri-la. Deu um pontapé na porta e a arrombou. Alsvid e Kóra saíram num ambiente externo: uma floresta de vegetação densa, que mal permitia que os raios solares adentrassem; era uma floresta escura, fria, e muito húmida.
Havia - saindo por aquela porta - uma espécie de alameda aberta em meio a vegetação, e por ali Alsvid correu tentando se afastar o mais rápido possível do castelo.
O róz conseguiu se reerguer, destruiu a saída e adentrou também a floresta, correndo feroz em direção a eles. O lobo rosnava e suas passadas equivaliam a muitas de um homem; logo, ele já alcançava Alsvid e Kóra. Ambos entraram em desespero e podiam até sentir o bafo podre do animal...
A criatura chiou e repentinamente houve silêncio.
Alsvid parou. Kóra olhou por cima do ombro dele, e viu que o lobo tinha simplesmente desaparecido como num passe de mágica. Por vários minutos eles ainda continuaram pela alameda, mas nem um sinal do róz era visível.
— O róz evaporou — disse Kóra. — Me coloque no chão por um momento Alsvid.
— Mas ele pode estar ainda por perto!
— Coloque!
A contra gosto Alsvid soltou Kóra, que ficou sentada no chão, massageando seu tornozelo.
— Quê lugar é esse Alsvid? — perguntou Kóra.
— A floresta noturna. Nunca entrei aqui, mas conheço outros que já estiveram nesta floresta. Chamam-na assim porque a luz do sol praticamente não penetra a densa vegetação, e sempre fica assim, na penumbra.
— Está doendo — reclamou ela, apontando para seu machucado.
Alsvid olhou à sua volta, à procura de algo que pudesse ajudá-lo. Em Ofidis os militares eram rigrosamente ensinados a realizar inúmeras atividades, e possuíam um amplo conhecimento em relação às ervas medicinais. Naquela floresta devia existir alguma planta que pudesse aliviar a dor de Kóra.
— Achei! — exclamou o rapaz.
— O que? — indagou Kóra espantada.
— Um lírio turquesa. É um ótimo analgésico. Basta eu amassá-lo e aplicá-lo na região que dói, que seu tornozelo vai parar de doer logo, logo. Garanto!
Ele se afastou e foi na direção que tinha avistado o lírio. Instantes depois Alsvid deu um grito. Kóra se alarmou:
— Alsvid, você está bem?
Não houve resposta.
Assustada, Kóra levantou-se com dificildade, e passou a gritar o nome do amigo. Um vulto passou ao lado dela.
Kóra imaginou ser o róz. Entrou em desespero.
— Alsvid! Alsvid! — gritava ela, enquanto mancava na direção em que ele tinha ido.
Um silêncio mortal tomara conta daquele lugar. Ela conseguia escutar o seu coração bater acelerado como se fosse um tambor. Ouvia a sua respiração ofegante. Aquela floresta parecia se fechar para o resto do mundo. A cada instante estava mais sombria e Kóra parecia ser a única alma viva num raio de quilômetros. Quer dizer... havia algo mais, ali, entre aquela vegetação soturna. Kóra podia sentir que vários olhos a observavam, que a cobiçavam e pareciam esperar o momento certo de atacar.
“Com certeza não é um róz” — pensou ela. “Se fosse um lobo gigante, já teria me atacado...”
Kóra se sentia acuada, e o medo se tornava cada vez maior. Foi então que ela se lembrou da pequena bolsa que carregava sob a roupa, presa à sua cintura. Ali encontravam-se as Halfas que Valquíria lhe dera; bastava ela pegar uma, desejar o lugar em queria estar, e num piscar de olhos estaria bem longe daquela floresta terrível.
Ela queria sair dali, mas hesitou. Não podia deixar Alsvid. Ele ajudara ela até agora, e não seria justo simplesmente fugir sem saber seu paradeiro.
De repente um frio lhe percorreu a espinha, e a moça sentiu uma respiração pesada em sua nuca. Kóra se virou, mas antes que pudesse ver quem ou o quê era, ela sentiu o corpo ficar mole e desmaiou.
Lentamente Kóra foi despertando. Sua visão encontrava-se inicialmente turva, e uma luz azul a ofuscava. Aos poucos a nitidez foi sendo retomada, e ela se viu deitada no chão frio de uma caverna. Uma mulher muito linda a observava de perto.
— Que bom que acordou rainha — disse a mulher.
Kóra se sentou e tentou entender quem era aquela mulher.
— Quem é você? — perguntou Kóra.
— Me chamo Annabelle — disse a mulher, se aproximando ainda mais de Kóra. — Sou a líder das feiticeiras de Skog...
— Skog?! — Kóra se espantou. — Você é uma feiticeira?
— Sim, mas não me tema rainha. Não vou matá-la, pois preciso muito de você, viva.
— Então era você na floresta?
— Sim — confirmou Annabelle. — Eu, e algumas delas.
Annabelle apontou para um grande vão que havia na rocha, e dezenas de outras feiticeiras sairam dali e rodearam Kóra.
— O que querem de mim? — inquiriu Kóra, se sentindo ameaçada. — Onde está Alsvid?
— Alsvid? — disse a feiticeira com um leve sorriso. — Está falando daquele no teto?
Kóra olhou pra cima, e se deparou com Alsvid pendurado de ponta cabeça no teto, preso a uma corrente. Ele estava inconsciente, mas aparentava estar bem, pois nenhum ferimento era visível.
— Solte ele! — disse Kóra.
— Quer mesmo? Ele parece tão tranquilo dormindo no teto, como se fosse um morcego... — Annabelle riu e várias outras feiticeiras esboçaram ao menos um sorriso.
— Solte ele, sua...
— Ei, calma rainha — disse a feiticeira. — Alsvid! — ela gritou, e as paredes ecoaram o berro estridente.
O rapaz acordou de repente, assustado e confuso.
— Onde estou? — indagou ele. — Me tirem daqui!
Annabelle estalou os dedos e a corrente simplesmente ganhou vida, soltando Alsvid que caiu no chão, mas teve sua queda amortecida por um morrinho de areia bem fina que ali apareceu, de repente.
Kóra se levantou mancando, e abraçou Alsvid.
— Que lugar é esse? — indagou ele.
— É Skog!
— Skog? O que fazemos aqui?
Annabelle se antecipou na resposta:
— Eu trouxe você pois já sei de sua fama como escudeiro de Kóra, mas meu assunto aqui é com a rainha, então procure não atrapalhar.
— Mas que diabos você quer comigo, sua bruxa? — esbravejou Kóra.
— Mantenha a calma Kóra, apenas quero que me ajude em relação a essa guerra.
— E qual o seu interesse nessa guerra?
— Bem, o seu marido fez um trato comigo e não está cumprindo... Eu estou brava, muito brava.