A LENDA DE KÓRA & ALSVID - parte 5: A fuga

Kóra chorava em sua cama, quando um grupo de dezenas de borboletas azuis adentrou o seu quarto pela janela entreaberta. Elas carregavam um bilhete e um saquinho que soltaram sobre a cama da moça. Assim que ela pegou o bilhete e o saquinho de pano, as borboletas foram embora.

No bilhete estava escrito:

“Ainda permaneço aqui Kóra. Sei que necessita de ajuda, então enviei junto deste bilhete uma Halfa. Venha à minha casa o mais rápido possível!

- Alsvid.”

O choro dela cessou, e seu coração foi tomado por um golpe de esperança que surgira de forma inusitada. Kóra então abriu o saquinho e retirou uma bolinha translúcida que era tão leve quanto uma pluma; tratava-se de uma Halfa, objetos tão raros que eram tidos como verdadeiras jóias, e eram capazes de transportar o corpo e a alma de um indivíduo a qualquer lugar que se desejasse.

Kóra nunca usara uma Halfa, mas frequentemente as via nas mãos de Valquíria, quando essa era ainda sacerdotiza no castelo. Tanta raridade dessas “jóias”, devia-se ao fato de serem produzidas pelas misteriosas fadas de Asgarnofe, usando apenas água da chuva. Apesar de nunca tê-las usado, sabia o modo como utilizá-las.

Ela segurou bem firme a bolinha, fechou os olhos e imaginou o lugar onde desejava estar.

“Halfa, peço que me leve pelos caminhos que o meu coração deseja.” — disse Kóra quase que num sussuro.

Ela sentiu um vento quente soprar na sua nuca e um arrepio lhe desceu a espinha. Kóra abriu os olhos e se viu envolta na escuridão absoluta; mesmo assustada, manteve seu pensamento fixo no lugar onde queria estar. Então uma luz forte surgiu e ofuscou sua visão; em seguida um forte estampido e Kóra perdeu o chão. Ela caiu sobre uma mesa de madeira velha, onde duas pessoas conversavam.

Alsvid e sua mãe encontravam-se sentados junto a mesa, e o rapaz mostrava-se impaciente. Há poucos instantes enviara um recado e uma chave de fuga para a rainha, através das borboletas de estimação de sua mãe; aguardava ansioso o retorno das borboletas para saber se o recado chegara, quando ouviu um estampido e Kóra desabou sobre a mesa.

— Kóra! — exclamou Alsvid, ajudando a moça a se recompor. — Ainda bem que chegou!

— Ai, me desculpem — disse Kóra meio zonza, descendo da mesa e tentando se equilibar em pé. — Não imaginava que eu chegaria dessa forma...

Valquíria riu, mas logo ficou séria.

— Kóra, é bom saber que está bem, mas penso que deve partir — disse a velhinha franzina, que tinha em suas rugas o peso de vários anos de serviço a Elgartem.

— Partir? Como assim?

— É Kóra — disse Alsvid. — Algumas serviçais do castelo tem alertado minha mãe sobre tudo que ocorre lá. As atitudes de Victor não são corretas. Ele impôs toque de recolher à população! Assim que expulsaram as nossas tropas, pedi permissão para ficar como espião e apoio a você Kóra.

— Como pretende enfrentá-lo? — indagou Kóra, não entendendo como um único homem poderia enfrentar as forças especiais de Victor.

— Não é momento enfrentamento Kóra... — disse Alsvid. — Você deve se exilar por algum tempo em Ofidis. O rei Hector sempre teve muito carinho por você, e tenho a autorização dos meus superiores de evadir com você se for preciso.

Kóra olhou para os dois:

— Não posso deixar meu reino!

— Se continuar, não será de muita utilidade! — exclamou Alsvid. — Fique em Ofidis, e então tudo ficará melhor; pelas leis de Elgartem, se você abandonar o trono, o Conselho Escarlate assumirá! E Victor não terá mais poder!

Ela ficou com o olhar baixo, pensativa, e então concordou.

— Mas como vamos até Ofidis? Acho que a cavalo não seria...

— Vamos de uma forma bem mais rápida — disse Alsvid, sorrindo com o canto da boca. — De dragão!

— O quê?

— Isso mesmo!

— Mas não é perigoso? — indagou Kóra receosa.

— Não! Ele é treinado. Mas precisamos nos apressar

Antes de partirem, Valquíria lhes entregou uma caixinha de madeira.

— Tomem isto. São Halfas, podem ser necessárias.

— Obrigada! — agradeceu Kóra.

— Não precisa agradecer, apenas devolva a paz ao nosso reino!

Eles montaram num cavalo e foram em direção ao oeste, pois Alsvid tinha deixado seu dragão escondido nos campos de girassóis próximos à costa. Antes que chegassem à metade do caminho, flechas começaram a zunir e a passar muito perto de atingi-los. Ao olharem para trás, viram que uma dúzia de soldados da polícia especial os perseguiam, e três deles eram os arqueiros que atiravam as flechas.

— Droga! — exclamou Alsvid. — Como foi que eles nos acharam?

— Ai! — Kóra lembrou o motivo. — Eu esqueci o bilhete em cima da minha cama! Me perdoe...

— Temos que nos apressar!

Alsvid puxou as rédeas do cavalo, que passou a cavalgar com uma rapidez descomunal. Em pouco tempo eles chegaram nos campos de girassóis à beira da costa, e Alsvid ordenou numa língua esquisita, que o cavalo os abandonasse e corresse em direção às montanhas.

— E onde está o dragão? — indagou Kóra, tentando avistar o animal.

— Espere aqui! — Alsvid correu até a beira do campo que terminava num abismo, e olhou para o mar que batia nas rochas lá embaixo.

Kóra olhou para trás, e percebeu que os soldados que haviam sido deixados para trás estavam se aproximando. Entrou em desespero.

— Alsvid! — berrou ela. — Eles estão vindo!

O rapaz nada respondeu, apenas tirou do bolso uma espécie de apito e o soprou. Nenhum som saiu.

Alsvid então retornou para trás e agarrou Kóra pelo braço.

— Escute Kóra, quero que quando eu ordenar corra comigo e se jogue do penhasco, certo?

—Me jogar do penhasco? — inquiriu pasma. — Você enlouqueceu? Se quer que a gente morra, porque não ficamos aqui?

Eles olharam, e os cavaleiros estavam chegando. Alsvid segurou firme a mão de Kóra e olhou fundo nos seus olhos.

— Escute Kóra, confie em mim — suplicou ele, mostrando o apito que tinha uma insígnia representando um dragão. Nesse momento ela entendeu.

Alsvid assoprou o apito mais uma vez, e então começaram a correr. Os cavaleiros diminuiram a velocidade, descrentes do que viam: a rainha iria cometer suicídio!

Os dois se atiraram da beira do penhasco, e antes que chegassem ao mar, um dragão surgiu e os aparou. Era uma criatura gigantesca, de aparência feroz, que eles montaram como se fosse um grande cavalo.

— Isto é incrível! — vibrou Kóra.

— Não falei que devia confiar em mim!

Ao chegarem à beira do penhasco, os cavaleiros se surpreenderam ao verem Kóra montada naquele enorme animal. Apreciaram boquiabertos a cena, até o dragão tornar-se apenas um pontinho nos céus, e desaparecer no horizonte.

A viagem começou ali. A rainha deixara seu reino, mas o futuro não seria tão calmo como imaginavam...

Jean Carlos Bris
Enviado por Jean Carlos Bris em 12/07/2009
Reeditado em 21/03/2010
Código do texto: T1696353
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