A LENDA DE KÓRA & ALSVID - parte 4: A morte do rei

A princesa não se sentia mais entusiasmada com o casamento, mas agora não poderia voltar atrás, sem causar um grande desconforto diplomático entre Elgartem e Asgarnofe.

O casamento ocorreu numa noite nublada e fria. A pedido de Victor e contra a vontade de Kóra, apenas membros da alta corte dos dois países poderiam ser convidados.

Após o casamento eles se instalaram no maior quarto do castelo, que outrora pertencera ao rei e a rainha. Ali tiveram momentos íntimos frios e apáticos, e Kóra sentiu-se péssima com a mudança sutil que se operava no nobre conde.

Victor passou a exigir que alguns costumes de Asgarnofe fossem seguidos, e que a comida que ele se alimentasse, fosse como a de sua terra natal. Ottavius mostrou-se passivo, e extremamente paciente com o genro, realizando todos os seu pedidos.

Por vezes falava mal dos países amigos.

— Ottavius — disse certa vez durante o jantar —, não acha que já está na hora de acabar com essa bobagem de treinamento das tropas de Ofidis?

— Não, porquê?

— Não acho que seja sensato ficarmos em dívida com aquele povo. São nojentos e muito arrogantes...

Kóra interrompeu Victor.

— Veja como fala Victor! — exclamou ela. — Tenho um amigo que serve àquele povo!

— Me adimiro princesa, você ser amiga de algúem que não pertença a corte Ofidiana...

Nesse dias os dois tiveram sua primeira discussão, e ele tratou Kóra com muita grosseria. A princesa chorou e foi tentar buscar ajuda com seu pai, cujo qual, Kóra não aguentava mais ver tão inerte.

— Papai, faça algo! — berrou ela ao entrar no quarto do rei, que encontrava-se deitado.

— Acalme-se Kóra! Peço que entenda o seu marido. Ele está apenas se adaptando a vida aqui, e é normal que haja dessa forma...

— Normal? — disse Kóra indignada. — Ele me tratou de forma extremamente grosseira!

— Escute Kóra — disse o rei, fechando seu semblante. — Eu posso não aguentar por muito mais tempo, e se você não estiver casada, não poderá assumir o trono. Terá que passá-lo ao Conselho Escarlate.

Kóra olhou desconfiada para o rei.

— Aguentar? Você está bem pai?

A resposta veio antes mesmo que Ottavius pudesse proferir alguma palavra. O rei começou a tossir incessantemente, e um pouco de sangue foi espirrado nos lençóis de sua cama. Kóra se assustou.

— O quê está acontecendo papai? — inqueriu Kóra assustada.

— Bem... começou a algum tempo, e vem se intensificando nos últimos dias...

Nos dias que se seguiram, a situação de Ottavius apenas piorou, e o rei estava cada vez mais abatido. Definhou rapidamente até que nos primeiros dias do outono, o rei não resistiu e morreu.

O corpo de Ottavius foi cremado e suas cinzas jogadas nas correntezas do rio Tríade. Representantes de vários reinos vieram a Elgartem para se despedirem do rei, considerado um dos mais importantes da história.

Kóra não acreditava no que ocorrera, e por dias chorou, trancada em seu quarto (incrívelmente Victor não a incomodou durante esses dias, e até a consolou). Sete dias após a morte do rei, o Conselho Escarlate coroou oficialmente Kóra e Victor, como mandava a tradição de Elgartem. A princesa se tornara rainha, e o conde rei. A relação entre ambos continuava seca, e poucas palavras eram trocadas, quase como se fossem dois estranhos dividindo o mesmo quarto.

Nota sobre o Conselho Escarlate: composto por 17 homens que proviam das famílias consideradas “puras”( as primeiras a habitar Elgartem), a eles cabia o poder de aceitar ou não, a posse de um novo rei. No caso de rejeição, o conselho assumia por tempo indeterminado o comando do reino; fato que jamais ocorrera. Assim que tomada a decisão do conselho, os mesmos somente poderiam voltar atrás, no caso da morte ou da evasão do rei ou rainha, e apenas se eles ainda não possuissem um herdeiro.

Ao assumir o trono como novo rei, Victor criou as forças especiais de Elgartem; uma polícia de elite composta por soldados vindos de Asgarnofe. Ele também ordenou que as tropas de Ofidis se retirassem imediatamente; a medida pegou a todos de surpresa, inclusive a princesa, que descordou veementemente. Contra a sua vontade, foi agarrada pelos soldados de Asgarnofe e levada ao seu quarto. Victor logo em seguida chegou ao quarto.

— Princesa... — começou ele — digo, rainha. Peço que não se intrometa nos assuntos que não lhe interessam.

— Que não me interessam? — indagou Kóra. — Eu sou a rainha! Esse é o meu reino!

O homem tinha um ar assustador agora. Seus olhos pareciam rubros, e sua expressão era agressiva.

— Não rainha, esse reino agora está sobre o meu controle. Deve entender que algumas mudanças são necessárias.

— Você enganou a mim, enganou a todos! — gritou Kóra.

— Hum... Enganei sim — riu Victor. — Sabe Kóra, quando me casei com você eu estava a beira da falência, e o meu desprestígio com alguns membros da corte de Asgarnofe era muito grande. Agora que sou rei de Elgartem, vou pegar de volta o respeito que já tive! E sabe como farei isso?

Kóra não respondeu.

— Bem — continuou Victor —, vou propor uma incorporação de Elgartem a Asgarnofe, e assim terei de volta o poder que já possuí em tempos mais prósperos.

— Eu não vou deixar que faça isso! — berrou Kóra.

— Ah, vai sim — disse Victor, retirando de um de seus bolsos um frasquinho de cristal que continha um líquido vermelho. — Saiba Kóra, que se tentar me impedir, poderá ter o mesmo fim do seu pai.

— O quê é esse líquido? — indagou Kóra.

— É o veneno mais poderoso do mundo — disse erguendo o frasco na altura dos olhos. — Mata lentamente e de forma bastante discreta... cortesia das feiticeiras de Skog.

O coração de Kóra pesou.

— Você... — disse choramingando. — Você matou o meu pai!

A rainha avançou para cima de Victor, na intenção de agredi-lo, mas ele a conteve, segurando firme os seus braços.

— Enquanto se mostrar rebelde, vai ficar trancada aqui, ouviu bem? — disse Victor enérgico.

Ele atirou Kóra na cama e deixou o quarto, que foi trancado e passou a ser vigiado pela polícia de elite. Ela tentou gritar por socorro através da janela, mas foi inútil; o quarto que pertencera ao rei ficava com suas janelas voltadas para o oeste, o lado oposto ao vilarejo mais próximo. Ali ela permaneceu por dias, recebendo água e comida apenas uma vez por dia, até que algo inusitado ocorreu...

Jean Carlos Bris
Enviado por Jean Carlos Bris em 11/07/2009
Reeditado em 25/07/2009
Código do texto: T1694545
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