2012 Apocalipse

Os degraus pareciam afastados e altos demais para ela. Os saltos altos e finos eram silenciosos no piso, mas os passos trôpegos e cambaleantes chamavam atenção. O salão estava repleto e mesmo assim ela brilhava entre os convidados com seu vestido longo prateado.

Em uma das mãos um cigarro de cor negra, sabor cravo, exalava sua fumaça condimentada deixando-a entorpecida. Na outra mão, uma taça já vazia, que ela segurava com a boca virada para baixo. Os olhos verdes e grandes maquiados com destreza destacavam-se na pele morena.

Ela avistou um garçom passando com uma bandeja repleta de taças, avançou em direção a ele, arrastando os pés no chão e esbarrando em alguns dos convidados. Ela trocou as taças enquanto piscava sedutora para o garçom.

O champanhe gelado desceu com suavidade por sua boca, o álcool em seu sangue fazia seu cérebro fervilhar. Não importava a música, não importavam as pessoas, ela estava ali para esquecer, só precisava se certificar que não encontraria por ali certo homem que a estava perturbando.

Duas mãos fortes seguraram sua cintura convidando-a para uma dança romântica, ela não queria saber quem ela, mas se deixou conduzir enquanto tragava o cigarro absorvendo o prazer do contato. A música era lenta, ela não sentia seus pés no solo, talvez estivesse sendo elevada do solo, nunca poderia dizer.

Era um homem forte, o terno de corte perfeito era negro, a gravata vermelha e uma camisa impecavelmente branca. A pele escura brilhava na luz fraca do salão, emitindo por si uma luminosidade própria. Ele a conduzia em direção a parede do salão sem deixar que ela notasse, com os passos suaves da dança.

- Vem benzinho, vou de dar o que você quer – ele sussurrou com a voz grossa.

- Ah é, e por acaso você sabe o que quero? - disse ela, a voz fina e atrapalhada pela bebida.

- Vocês sempre querem a mesma coisa, doçura - ele falou ao seu ouvido.

- Hmm, você pode se enganar - ela disse, rindo.

A cabeça dela girava, estava tonta, sentia seu corpo leve, seu estômago um pouco embrulhado. Sabia que precisava de outra bebida, olhou para seu copo vazio e deixou-o cair no chão. O vidro estilhaçou-se no chão, ela pisou nos cacos descuidada enquanto se deixava encostar-se à parede gelada.

- Não, eu não me engano tão facilmente - ele declarou.

Ele deslizou as mãos pelo vestido, segurou os quadris dela firmemente e a ergueu cerca de trinta centímetros do solo. O pescoço dela pendeu e tombou em direção ao ombro dele, enquanto ele passeava os lábios no rosto dela. A sensação de náusea lhe atacando o estômago enquanto sentia o cheiro do cigarro que ainda queimava em sua mão.

Um senhor aproximou-se do casal, com passos rápidos e silenciosos. Com dois pequenos movimentos ele tirou a garota dos braços do outro homem e fez o homem cambalear cerca de cinco passos para trás.

- Ei mané! A gata é minha! - disse o homem voltando enraivecido.

- Desculpe camarada, mas ela é minha filha, e é melhor você se afastar! - disse o senhor.

- Opa, opa, to saindo - disse o primeiro enquanto dava meia volta e se misturava com a multidão.

- Fala sério, você gosta de acabar com minha diversão! Não é, Cícero? - esbravejou a garota enquanto saia dos braços do senhor.

-Tenha algum decoro, Samantha! Você poderia provocar uma catástrofe no estado que está! E faça o favor de largar essa porcaria de cigarro!

- Cala a boca, a vida é minha! Já me livrei da sua autoridade a mais de - Mas parece não ter aprendido nada em todos esses duzentos anos! Age como uma adolescente que mal começou o treinamento!

- Ha ha ha! Você não sabe se divertir, esse é seu problema Cícero!

- A vida não é só diversão, criaturinha infernal!

- É por isso que você tenta em vão se matar de tempos em tempos! Se soubesse aproveitar o mundo, veria como isso é bom! Cara, eu adoro esse cigarro, deveria experimentar isso!

- E você deveria estar sóbria! Sabe muito bem que estamos em alerta máximo!

- Contra quem? Vocês são tão escandalosos! Acreditam mesmo que alguém vai vir do espaço confrontar nosso domínio na Terra, depois de cinco mil anos?

- Como eu queria que sua mãe não tivesse morrido e você não fizesse parte disso tudo!

- Que piada! Foram vocês que a mataram!

- Ela não tinha mais salvação!

- Ela não fez nada de errado!

- Ela se envolveu com o mistério!

- O mistério que se dane! Vocês milenares e seus problemas com essa droga de mistério! Querem acreditar que tudo surgiu misteriosamente e não se dão ao trabalho de investigar nada! Ou será que estão escondendo algo muito sério?

- É mistério, porque é para ser desconhecido! Você acha que estamos satisfeitos com isso? É assim e pronto! Aceite!

- Aceitar? Eu acho que vocês têm é medo do que podem descobrir se fuçarem a fundo.

- Medo? Você não sabe o que é medo! Esse mundo está perecendo, os valores estão perdidos, vocês jovens não sabem o que é ter medo! Esses humanos acabando com tudo que tão duramente protegemos, e você apóia isso!

- Me explique então! O que há de errado? O que vai acontecer? Porque eu preciso ter medo?

- Você não estudou as profecias?

- Ah, eu estudei sim! Um monte de lixo aquilo! Vocês ainda fazem os pobres humanos acreditarem em profetas, que nada mais são que outros homens nos quais vocês implantam idéias!

- Idéias essas que nós acreditamos! E você deveria acreditar! De onde vem tanta descrença?

- E porque eu deveria crer? Cegos! É isso que vocês são! Estão a milênios cegos, acreditam ter um ser grandioso em algum lugar desse universo infinito que virá caçá-los e submete-los à julgamento! E fazem os humanos acreditarem nisso!

- Por que você é assim? Todos acreditam, qual o motivo que faz você ser igual a toda essa geração de descrentes?

- Nós sabemos curtir nossa vida, queridinho!

- Sexo, álcool, drogas? É isso que você quer para você?

- Não, isso é só parte da diversão! Nós aproveitamos os momentos, porque não tem depois. Óbvio que não tenho o problema deles, mas gosto da filosofia! Aproveite cada minuto como se fosse o último, e não se preocupe com o que pode acontecer depois, pois nada vai acontecer depois!

- Nada? Você acredita mesmo nisso?

- E faz diferença? Acha que vou viver me preocupando com isso? Se existir um depois, eu me preocupo com ele quando chegar a hora!

- Desisto de você! Mas lembre-se, estamos em 2012 d.c., foi profetizado. Precisamos nos apresentar quando chegar o momento!

- Bla bla blá! Tá, vai, sai daqui! Deixe-me aproveitar meus últimos momentos se acredita tanto que é o juízo final, apocalipse, fim do mundo, revelação do mistério, ou seja lá como queira chamar! Quando chegar a hora eu estarei pronta!

Cícero balançou a cabeça e saiu do salão, novamente desapontado por não conseguir colocar juízo algum na cabeça da filha. Viver milenarmente não trazia benefício algum para criar um filho. Samantha berrou atrás de um garçom procurando outra taça de champagne, a música transbordando em seu ouvido, os saltos altos chacoalhando seu corpo no chão, enquanto a mão de algum rapaz apalpava suas coxas.

Emília Kesheh
Enviado por Emília Kesheh em 30/06/2009
Reeditado em 11/07/2009
Código do texto: T1676042
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