Tinta & Pena VI - Pena & Luz

Vinci chorava sem fazer barulho.

- Estou com pena... olha o que você fez com ela. - Disse. A voz entregava suas lágrimas.

- Não fiz nada. Só agi da única maneira que a situação, em que ela colocou a si mesma e a nós, exigia.

- Veja o que ela fez comigo garoto... ela não merece sua piedade. - Disse Elih levantando-se com a ajuda de Vinci. O ombro esquerdo sangrava bastante.

- Não aguento mais um segundo neste lugar - sussurrou ele (Vinci).

Elih estendeu o braço em torno do pescoço dele, gemendo um pouco. Ciquem seguiu na frente empunhando a velha cimitarra que provavelmente fora fabricada por homens do Povo Livre num tempo esquecido. O cheiro era forte. Havia sons de coisas se mexendo e se arrastando pelo chão sujo. Na frente deles abriasse uma passagem irregular, cavada evidentemente pela natureza. A escuridão era parcial. De repente Ciquem parou como se tivesse tido um lampejo de lembrança. Abaixou-se, pôs a arma no chão, soltou os cordões que fechavam a bolsa, e rapidamente tirou de dentro uma luz prateada-azulada-estelar. A, luz apesar de sutil, clareava suficientemente bem.

- Hum... pelo menos uma chama fria - Disse enquanto fechava a bolsa e tornava a pegar a espada.

Elih olhou admirido para a pena brilhante na mão do olíre.

- Que tipo de mágica é essa? - Perguntou ele fascinado.

Ciquem pareceu meio confuso com a pergunta, mas lembrou-se que o homem, como ele dissera, vinha do Oeste distante. E talvez não conhecesse as, tão comuns no Leste, tochas frias.

- A mesma que faz o Sol nascer nos dias e as Luas nas noites. - Disse ele - É uma pena de Sinalã. - Cotinuou levantando-se pendurando a mochila nas costas e estendendo a pena para iluminar a passagem. - Ela sempre brilha nas noites de Silan. Embora não saibamos o porquê. Assim como não sabemos por que faz frio no Inverno.

- Nesse mundo tem de tudo e ainda sobra. - Disse Elih boquiaberto.

- E como sobra, só não sobra tempo. - Disse Vinci impaciente para si mesmo.

Ciquem foi andando na frente, parando para ouvir atentamente a cada passo dado. Enquanto Vinci e Elih seguiam-no atrás vagarosamente. Vinci estava morrendo de medo do, provável, cadáver lá atrás, mais até do que quando o cadaver falava e o agredia. Entraram no túnel que conduzia, na melhor das hipóteses, a saída. As paredes eram lodosas e enfeitadas com bichinhos, tais como centopéias, aranhas, e escorpiões. De um buraco no túnel, há nove metros de distância da "cozinha" das mothinas, saiu um bando de morcegos. Morcegos grandes assustados com a luz. O coração de cada um dos três deu um súbito sinal de vida. Mas os morcegos seguiram adiante, na direção na qual eles se dirigiam. Aumentando assim, as chances de ser aquela a direção certa, a da saída.

E era mesmo.

Logo começaram a ver a, famosa, luz-no-fim-do-túnel.

- Graças a Deus! - suspirou Vinci.

- Graças! - Concordou Elih.

- Mas ainda estamos aqui dentro se não perceberam. - Disse Ciquem, mais sério do que pretendia. Vinci achou que aquilo era para ser engraçado, mas não foi.

Não.

Nem um pouco.

Estava tudo muito silencioso.

O túnel que eles atravessaram levava a um cômodo pequeno, vazio. A luz que eles viram do túnel e iluminava o local vinha da Lua de Silan. Na fase crescente, banhava os olhos azuis-pelágicos de Ciquem, os castanhos-claros de Vinci e os negros-céu-notuno de Elih.

A luz entrava pelo que Martha Mioletha chamara de "janela das luas". Que eram três "janelas" no teto. Uma tinha o formato de lua cheia, a do lado tinha formato de meia lua e a outra, tinha formato da lua nova. As três janelas eram grandes (quase dois metros de diâmetro), e tinham cerca de um metro separando-as. Mas era só. Apesar da beleza (Ta certo depois do que tinham visto lá atrás, a percepção de beleza deles estava bastante aguçada) das "Janelas Lunares", aquelas eram as únicas entrada/saída visíveis ali. Vinci achou que era uma boa hora de seu pensamento (sobre o resgate heróico de Delaina) torna-se realidade. Mas logo depois ficou se perguntando se a Groenpiterix conseguiria passar por aquelas passagens (a da lua cheia em especial), concluiu que estava mais para não do que para sim. A não ser que ela tivesse o dom dos ratos que ele perseguia na cozinha de casa, que se embrenhavam em passagens que ele se surpreenderia se um gafanhoto passasse.

- Fim da linha, estamos presos, vamos morrer aqui! - Gritou Vinci entrando em pânico mais uma vez naquele mesmo dia (e, cá entre nós, que dia é esse que não acaba?)

Sentou-se no chão chorando. Chorando pra valer. Não o choro contido que os homens geralmente atotam quando crescem. Chorou como um bebê indefeso. Faminto, solitário, assustado, ansioso, ferido e perdido.

Elih permaneceu em pé por dez segundos e sentou-se.

- Tenho uma corda na minha bolsa. Só precisamos de algo que sirva como gancho. - Disse Ciquem indiferente ao choro de Vinci. - Quando estivermos lá fora você poderá chorar quanto quiser Laipotem. Agora não é hora. - Continuou sem ao menos olhar para para ele. Procurava em volta por qualquer coisa que servisse de gancho, mas naquele cômodo não tinha nada a não ser outro corredor escuro.

- Há outro túnel aqui. - Disse Ciquem surpreso, enquanto iluminava, com a pena de sinalã, a passagem que era mais baixa que a outra, tinha a altura das mothinas. - Acho melhor tentarmos sair por aqui mesmo. - Continuou ele voltando para os filetes de luz de silan que entravam pelas luas no teto. - Se Maria ainda planejar algo, teremos o elemento surpresa... Mas não há nada aqui que possa nos servir de gancho. Um de nós precisa voltar e pegar o machado que ficou lá atrás. E precisa ser rápido. Vinci?

- Prefiro morrer a voltar. Você só pode tá louco se acha que eu vou voltar pr'aquilo. - Falou Vinci enxugando as lágrimas e olhando desoladamente para o céu, pelas luas no teto.

- Calma Laipotem, não há nada o que temer lá... aqui não sabemos o que pode sair daquela passagem baixa. - Disse Ciquem aproximando de Vinci. - Mas se você prefere assim.... fique. Pegue a espada e fique alerta... volto em um minuto.

Simples assim, o olíre entregou a cimitarra para Vinci, ainda sentado no chão de pedra frio e úmido, e saiu correndo de volta aquela bendita sala onde eles tinham tido aquele agradável diálogo com as anfitriãs da gruta.

Uma delas estava lá atrás, provavelmente morta. A outra estava escondida preparando um último ataque de vingança, ou chorando em algum lugar longe dali com medo e ódio. Vinci preferia acreditar na segunda opção, mas seu coração insistia que a primeira era verdadeira. Ficou perto de Elih, sem tirar os olhos da escuridão onde o buraco se escondia. O coração pulsava, trabalhava como louco. O minuto do olíre, para ele, já passara há um século. Ambos, permaneciam calados. Vinci fitava os túneis alternadamente. Elih olhava para o céu e para seu ferimento no ombro, o sangue escorria pelo chão, sua camisa já estava encharcada. Falava baixo para sí mesmo, como se orasse.

- Quantos anos você tem, meu jovem? - disse ele alguns segundos depois.

- Dezoito, dezenove em Ornata (o mês correspondente a Fevereiro no nosso calendário) do ano vem.

- Há meus dezoito anos! Como queria te-los novamente. Correndo pelos campos das Colinas de Pedra, me embrenhando nos boques a procura de aventuras, procurando flores para minha queria Juliah... Mas vejam só onde vim parar... Mas estou me adiantando alguns anos... os tempos bons não duraram até meus dezoito não, estou confundindo tudo... antes disso... minha infância tinha passado como um Amanhecer-Íris trazendo um dia de morte.

Vinci começou a ouvir passos e se animou. Logo Ciquem a pareceu trazendo o machado que estava nas costas de Martha.

- Ela se mexeu? - Perguntou Vinci assim que ele chegou.

- Não, ela não acordou.

Vinci ficou pensando se aquela resposta estava ou não embalada num envelope escrito: "Sentido Figurado", mas achou melhor não perguntar.

- De-me aqui... e segure isso - Pediu Ciquem a cimitarra, dando a pena para Vinci segurar. Passou a riscar o cabo do machado, afim de deixa-lo com atrito suficiente para prender a corda. Fez isso na parte de baixo do cabo e então pegou rapidamente a ponta da corda na mochila e passou a amarra-la bem, no cabo do machado enferrujado. Vinci contemplava a pena, como se olhasse um item do inventário de um mágico. Ficou abismado com a delicada beleza da pluma. Ficou se perguntando como era possível aquilo acontecer. Aquela luz imutável que emanava desde o caule até as pontas. Por fim lembrou-se do que Ciquem tinha dito ("Ela sempre brilha nas noites de Silan. Embora não saibamos o porquê")

- Pronto agora é só torcer para que enganche - Disse Ciquem olhando para cima, para a janela da lua cheia (que ficava a um pouco mais de três metros do chão). - Aqui, segure firme, e fique atrás de mim - Continuou entregando a extremidade da corda a Vinci.

- Afastem-se, lá vai!

Foi. Mas voltou quando foi puxado. E caiu, fincando a lâmina no chão. Mais uma vez Ciquem segurou o machado pelo cabo e o lançou com mais força ainda. O som que veio lá de fora deixou-os a impressão que tinha caído numa poça d'água. O que foi confirmado quando o machado voltou sujo de lama.

- Mudemos de posição - Disse Ciquem virando-se na direção oposta.

- Prenda danado, prenda. - Ordenou Vinci ao machado.

Que obedeceu de bom grado. Depois do atrito rígido, e de umas puxadinhas, prendeu. Ciquem certificou-se disso dando duas puxadas curtas.

- Você vai primeiro Laipotem. - Disse Ciquem, olhando para Elih que estava de pé um pouco atrás deles.

Vinci temia (e muito) o que podia encontrar lá. Mas achou que já tinha feito por tempo suficiente o papel de bebê chorão. E decidiu aceitar sem nenhum protesto.

Agarrou a corda e subiu com uma certa facilidade. Afinal estava acostumado a subir em pés de coco (e de outras frutas), com ou sem cordas.

Pôs o braço a frente na borda e contemplou a paisagem lá fora. O que viu foi uma colina nua de pedra, banhada de Silan. Viu a lâmina do machado presa numa fenda nas rochas. Fez força nos braços apoiados no cotovelo e sentou na borda da janela da lua cheia. Em sua volta havia pequenos arbustos e ervas daninhas. Do outro lado (onde foi jogado o machado na primeira vez) alguns arbustos e charcos. Mais adiante descia uma ladeira que levava a floresta (de árvores altas e flores grandes) onde eles tinham sido atingidos pelo pó da escuridão. O céu limpo e o vento refrescante nunca tinham sido tão bem apreciados por Vinci. Respirou fundo e deixou o vento noturno acaricia-lo. Ouviu o eco da voz de Ciquem falando alguma coisa sobre sua mochila e só então lembrou-se dos outros em baixo. Logo olhou no, então, buraco lunar, afim de entender o que o olíre falava. E de fato entendeu, sem nem precisar perguntar. A resposta voou de encontro ao seu rosto no momento em que ele olhou. Doeu, mas nem tanto.

- Eu avisei - Gritou o olíre de lá de baixo.

E agora Vinci ouvia perfeitamente. Colocou a mochila de lado e acocorou-se a fim de puxar a corda com Elih, já, amarrado na cintura por Ciquem.

No começo foi fácil, pois Ciquem deu uma ajudinha, mas quando Elih ficou pendurado nas mãos dele, ele teve de falar tudo quanto era "palavras de força" (aqueles urros ininteligíveis pronunciados por quem suporta um peso além do que pode suportar) para trazer o homem ferido no ombro para fora. No fim Elih ajudou com o braço que tinha o ombro bom (o esquerdo - o pobre do Elih era canhoto) e saiu soltando um urro também, e no fim um suspiro de alívio. Vinci desamarrou o nó e lançou de volta a corda para Ciquem. Mas o olíre não subiu.

- CIQUEM!! - Gritou Vinci no buraco. A resposta de alguma forma o fez acreditar que todos os medos e terrores que ele tinha na infância, não eram de todos infundados ou inexistentes. A voz que respondeu ao chamado deixou isso bem claro.

- UAIGUI GOSTOOOOoooosooOOOO......ROoOoOoOoRrrrr

Davyson F Santos
Enviado por Davyson F Santos em 17/06/2009
Reeditado em 29/06/2011
Código do texto: T1654271
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