APENAS UMA CARTA

AMIGOS DEPOIS DE UM LONGO TEMPO, CONSEGUI TERMINAR A SEGUNDA PARTE DA RESPOSTA DO CONTO: NAQUELE BANCO...

ESPERO QUE GOSTEM...

ANTES DE LER ESTA PARTE LEIAM A HISTÓRIA DE NAQUELE BANCO...

Caro senhor Juarez

Hoje de manhã ao folhear o jornal de minha cidade, encontrei transcrita sua história sobre a pessoa que o senhor encontrou. Comecei a ler e uma ansiedade foi tomando conta do meu coração e eu não conseguia parar de ler. Cada vez eu queria ler mais e mais.

Senhor Juarez, quando comecei a leitura, algo foi me chamando à atenção e fui percebendo que não era só mais uma história, mas era uma experiência que o senhor viveu.

Posso dizer que eu também conheci o mesmo jovem que o senhor descrevia, e tive certeza quando li o nome dos seus irmãos e o seu próprio nome.

Esse rapaz pelo que me lembro, desde pequeno era muito curioso, e isso incentivou sua inteligência, queria saber todas as coisas. Ele ficava horas e horas na biblioteca da pequena cidade que ele morava. Ele conhecido por todos os funcionários e todos tinham por ele grande carinho.

Lembro-me até que uma zeladora da antiga biblioteca, às vezes dizia: “menino estes seus olhos marcantes um dia vão ser descritas nas páginas de um livro”.

Ele ria e dizia que não, mas agradecia o carinho daquela senhora. Os dois se tornaram grandes amigos e ele passou a freqüentar a casa dela. Ela sempre bondosa com ele, apresentou-lhe seu marido, um homem que tinha servido ao exército na segunda guerra mundial, e que agora estava entrevado numa cadeira de rodas. Ele era um homem severo e nem parecia que um dia carregou uma alta patente no exército brasileiro.

Os dois se tornaram grandes amigos e muitas vezes a gente podia ver os dois na pracinha da frente da igreja. O nome daquela mulher era Abigail e o marido dela era Nicanor, tinham um filho, mas esse morava em outra cidade.

Um dia me lembro de ver o rapaz, que o senhor descreve como o rapaz dos olhos negros marcantes, correndo para chamar o médico da cidadezinha, pois seu melhor amigo estava morrendo e ele não queria que isso acontecesse.

Não teve jeito o senhor Nicanor morreu numa manhã do inverso de julho. O rapaz chorava como se uma parte sua estivesse sendo enterrada junto naquele túmulo.

O senhor poderia me perguntar, mas o rapaz não tinha família (?), eu respondo que sim. Mas pelo que conta a história e eu me lembro também fui testemunha quando o pai dele foi embora logo após a crise dos anos 80. Lembro como se fosse hoje e não me sai da memória, ver aqueles lindos olhos cheios de lágrima sentindo a falta do seu pai.

Ainda vejo aquele rapaz, quando ainda menino indo para a escola com seu material na mochila, e, passando todos os dias pela calçada do senhor Nicanor. Ah! Talvez tenha me esquecido de comentar, mas a dona Abigail, com a morte do marido se mudou para a outra cidade com seu filho e com sua esposa que já esperava a primeira netinha.

Era triste demais ver os lindos olhos deles toda vez vermelhos por causa daquela solidão.

Senhor Juarez, depois eu falo para o senhor que eu sou, mas antes vou contar um pouco mais da experiência que tive ao lado deste jovem.

Consultando agora as páginas da minha memória e enxugando as lágrimas que insistem em rolar pelo meu rosto. Eu sinto saudades dele. Ele era alegre, esperto e fazia todo mundo ao seu lado sentir uma grande paz, até tinha gente que arriscava uma previsão dizendo que ele um dia seria monge. Ele ria, mas acenava a cabeça dizendo que não. Pois, tinha o sonho de ir para a faculdade, estudar bastante e encontrar uma moça especial e poder se casar com ela.

Eu me lembro dele na faculdade, me lembro dele chegando cansado do trabalho, com fome, mas não tinha tempo, pois o ônibus circular não esperava e ele ai comendo pelo caminho. Quantas vezes eu sentia o cheiro bom do bolo de fubá que mãe dele fazia, com tanto carinho capricho, mas ele não tinha tempo nem para comer.

Estava me esquecendo de falar de quando ele ainda era criança e que seu irmão mais velho tinha morrido. Esse era seu grande apoio, seu amigo e aquele que sempre o mimou e fazia todos os seus gostos.

Ainda sinto sua mãozinha fria ao cumprimentar todas as pessoas. Ele chorou, mas acho que nem sabia direito o peso daquelas lágrimas. O senhor citou “O Pequeno Príncipe, permita-me fazer o mesmo: “como é incrível o mundo das lágrimas.”

É senhor Juarez o tempo não pode mesmo parar, pois senão corremos o risco dele não parar num momento de alegria ou de prazer. O senhor não acha?

Lembrou-me que ele foi crescendo e a gente já estava falando dele na faculdade. Era esse o assunto que eu falando, né?

Quando falo daquela correria que ele vivia, ainda não sei como me lembro dele fazendo curso de línguas, mas não seu ele terminou, mas pelo que li na sua história terminou sim.

Ele era um bom rapaz, conseguia tudo com facilidade e eu nunca soube que ele tivesse explorado alguém para conseguir seus objetivos.

No tempo da faculdade ele foi escolhido entre todos os alunos daquele ano para trabalhar de auxiliar numa empresa multinacional.

Ele foi e encontrou muitas portas abertas e ele foi aproveitando todas elas, me lembro que eu o ouvia reclamar com sua mãe que as coisas não estavam muito fáceis, mas que ele não iria desistir e não desistiu mesmo.

Senhor Juarez, antes de continuar descrevendo os passos deste rapaz, preciso contar para o senhor sobre a netinha da dona Abigail. Um dia eu estava levando meu filho caçula para o pediatra. Ah! Esqueci-me de dizer para o senhor eu sou casada, meu marido chama Antonio Carlos, tenho três filhos, uma menina de 16 anos, chamada Ana Fernanda e dois meninos, um de 10 anos chamado Vítor Alexandre e u caçula de 1 ano e 3 meses de nome Francisco.

Então encontrei a dona Abigail e ela tinha ainda aquele brilho bonito nos olhos e agora parecia ainda mais intenso. Ela me mostrou toda feliz a netinha de 1 ano e que tinha Síndrome de Down. Dona Abigail a segurava aquela criança com tanto carinho e disse que era o presente que Deus lhe deu pra suportar a ausência do senhor Nicanor. Era realmente lindo poder ver a alegria daquela avó e os olhinhos verdes da menininha chamada Larissa.

Voltando ao nosso amigo comum, sabe Sr. Juarez, eu cheguei a conhecer a moça dos sonhos dele; cheguei a presenciar vários beijos e abraços, era um amor bonito o deles, pois pareciam tão felizes, mas pelo que o senhor descreve não teve um final feliz, e ele sofreu muito.

Tanto sofreu que, hoje é triste imaginar um rapaz como ele ter surtos de loucura. Mas, nem tudo é mesmo como nós sonhamos.

Sr. Juarez fiquei triste ao saber que ele hoje vive num abrigo e que nem sabem quem ele é ou o que já fez na vida. Juro para o senhor que se eu pudesse encontrar esse jovem mais uma vez não deixaria que ele fosse embora.

Sr. Juarez este rapaz faz muito falta na nossa vida, pois todos sempre gostaram muito dele. Ele tinha algo especial, tinha sempre uma palavra amiga, um sorriso franco e ternura no modo de agir com as pessoas.

Lembro-me de uma vez que uma preocupação tomou conta de mim. Eu estava namorando e era extremamente apaixonada pelo rapaz. Este rapaz sempre foi muito bom pra com todos. Segundo meus irmãos, ele era um bom jogar de bola e sempre fazia o time do nosso bairro estar entre os finalistas nos torneiros.

Eu era doida por ele, e por capricho do destino ele começou se envolver com drogas, abandonando trabalho, escola, o time e por conseqüência foi me abandonando também.

Fiquei muito triste com essa situação e esse moço de olhos marcantes como o senhor descreveu, estava sentado no muro da sua casa, cantando uma música que a letra dizia mais ou menos isso: “Vai-se um amor e acha-se outro por uma melhor estrada...”

Sr. Juarez este rapaz sempre se mostrou confiante, deve ser por isso que ele conseguia até sentir o beijo da chuva.

Lembro-me daqueles olhos pretos parados no entardecer contemplando o sol se escondendo no meio das nuvens e das montanhas, pude perceber que ele não perdeu a ternura ao olhar para o sol no fim da tarde.

Ele era mesmo intrigante. Tinha um humor contagiante, ria de coisas bobas, fazia piadinhas sobre todos os assuntos. Não tinha medo de fazer amigos e se dava bem com qualquer pessoa.

Sabe, sinto falta de olhar para os olhos dele. Às vezes aqui em casa eu pego umas fotografias do passado e vejo-o sempre sentado ao lado da sua mãe.

Dias passados eu estava com algumas fotos nas mãos e umas lágrimas me traíram. Meu filho do meio veio o começou a me perguntar por que aquelas fotos me faziam chorar?

Eu respondi que eram lembranças do passado que não voltam mais.

Ele me olhou e disse: mamãe quem é este menino que esta perto do tio Júlio e do tio Otávio?

Eu disse que era alguém especial, e, que um dia com certeza ele iria conhecer. Ele sorriu e saiu para brincar, não me contive e chorei de novo.

A última foto que eu vi foi ele ao lado da sua mãe. Ele admirava muito aquela mulher, tanto que eu podia escutar no fim das noites quando ele chegava da faculdade os dois conversavam até tarde. Além de mãe e filho os eram amigos, aquilo era lindo.

Sr. Juarez vem-me a memória agora um aniversário da sua mãe. Ele era criativo, criou um monte de cartões, fez montagens de fotos antigas e chamou um fotógrafo da cidade. Eles fizeram uma surpresa para sua mãe. Ela ria tanto naquele dia. Naquela noite as estrelas do céu fizeram questão de brilhar mais intensamente, a luz estava clarinha. Foi uma noite mágica.

Mas, como a vida não é só de festa, na semana seguinte este jovem reuniu todos na hora do almoço e disse: “daqui uns 25 dias estarei indo para uma cidade grande, preciso continuar meus estudos e a firma que trabalho me promoveu de cargo e não tem mais como ficar por aqui.

Nossa, a tristeza tomou conta de todos daquele dia em diante, foi o terceiro golpe na vida daquela família: primeiro foi o abandono do pai, depois a morte do irmão e agora a mudança dele.

Não saem da minha memória as lágrimas de sua mãe, mas lembro também das suas últimas recomendações:

- Filho, confie sempre no amor de Deus e no amor de sua mãe, nunca pise em ninguém e seja bom com todas as pessoas.

Ele a abraçou e disse:

- Mãe, não se preocupe a senhora me ensinou a ser um homem de bem, honesto e leal e eu não vou mudar.

Os dois se olharam, ele se despediu de todos que ali estavam; a cada um ele tinha uma palavra de diferente. O trem apitou, anunciando a sua partida, e eu vi dos olhos pretos e marcantes dele lágrimas inconsoláveis. Ele se sentou perto da janela, fez um aceno com a mão. E o trem partiu... Acredito que ali também se partiram corações e vidas.

Ele olhou mais uma vez pra sua mãe e disse: se cuida minha rainha. Senhor Juarez, quando o senhor falava, dele se despedindo da pessoa que mais amava, ouvindo uma música, acredito que fosse de sua mãe, pois os dois eram grandes amigos, tenho certeza de que era realmente ele se despedindo dela, pois naquele momento tocava uma música no som ambiente da estação. Se não me falha a memória era uma música de Chico Buarque, que dizia: “... quem inventou a saudade deveria arrumar um jeito de desinventar...”

Senhor Juarez foram as últimas palavras que eu ouvi sair de sua boca. Até hoje ouço o som dela dentro das páginas da minha memória.

É, eu sei que o senhor esta curioso para saber o que aconteceu depois da sua partida, mas do rapaz o senhor já sabe.

Eu vou falar que depois da partida dele os olhos de sua mãe nunca mais brilharam até se fecharem para sempre. Senhor Juarez, quando o senhor falou dos olhos verdes de sua mãe, eu fiquei lembrando que não tinham mais brilho e o verde deles foram ficando “opacos” pela tristeza e pela dor.

Quando me lembro da frase que diz: “ os olhos são os espelhos da vida”, fico triste, pois quando eles não refletem alegria é porque realmente algo esta errado, ou por dor ou por medo.

Ela, senhor Juarez, sofreu desde a partida daquele trem. Eu acredito que o trem não levou somente seu filho, mas também levou a sua alegria e sua vida. No dia do velório dela, estava chovendo tanto, parecia que até o céu também estava chorando.

Na hora que baixaram o caixão no túmulo, as águas cobriram e lavaram as manchas daquela que foi um exemplo de mãe, de mulher e de rainha de um lar.

Senhor Juarez, desculpa contar tudo isso e ter tomando tanto tempo do senhor, mas ainda preciso contar mais algumas coisas.

Este rapaz que o senhor descreve com certeza sofrerá muito quando souber da morte triste de sua mãe, isto é, se ele ainda não morreu também.

Senhor Juarez os irmãos dele estão todos bem, cada um trabalhando e fazendo sua vida acontecer, todos estão casados, têm seus filhos e alguns já têm até netinhos.

Eu sei que o senhor deve estar se perguntando quem eu sou, pois bem eu sou a Fernandinha, a irmã mais nova deste jovem desconhecido.

Senhor Juarez, um último pedido, se um dia o senhor tornar a encontrar este rapaz pode dizer para ele que nós estamos ansiosos esperando a volta dele para perto de nós.

O meu endereço o senhor tem subscrito no envelope. Por favor, senhor Juarez não deixe de me avisar.

Sem mais Fernandinha.