UM SONHO EM FLOR (Era uma linda manhã de primavera...)
Um campo coberto de flores, vermelhas, brancas, amarelas. Nara podia sentir a presença de Deus com toda a Sua divindade a contemplar com ela a Sua obra. Havia gotas de orvalho sobre as pétalas macias e o perfume que delas emanava, deixaram-na inebriada. O sol aquecia o seu corpo, enquanto sua alma estava em êxtase. Aquele espetáculo de aroma e cor fazia-na sentir simultaneamente pequena, cônscia e pasma. O gorjeio dos pássaros era música celestial para seus ouvidos; a harmonia de cores, festa para os seus olhos.
A menina caminhou um pouco pelo campo, respirou profundamente e resolveu sentar-se. Olhou para o infinito e encontro-o de um azul que até então desconhecia. Tanta paz deixou-a sonolenta. Aos poucos foi cerrando os olhos...devagar, bem devagar...Foi quando ouviu um choro que muito lhe lembrou um lamento infantil. Procurou com os olhos até perceber ao seu lado uma pequena flor vermelha que chorava e tinha a haste pendida, meio tombada sobre si mesma. Uma lágrima escorria pela sua corola. Condoída, Nara dirigiu-se a ela:
-Você chora...Está doendo muito? Posso ajudá-la?
Sem esperar resposta, instintivamente a menina tomou a flor em sua mão tentando erguê-la, enquanto acariciava as suas pétalas macias. Não satisfeita, pôs-se a beijá-la com ternura. Feito uma criança, a pequena flor vermelha foi-se acalmando, e pareceu repousar confiante em sua mão. Nara sentiu-se transcender – tornara-se apenas sensibilidade, olhos, tato.
Nesse momento, a pequena flor falou com a menina e começou dizendo:
- Você se fez presente num momento difícil de minha curta existência neste mundo, como você vê, estou prestes a quedar-me ao chão.
Nara quis falar algo, a flor, com seu próprio jeito, fez com que a menina entendesse que ela queria continuar falando. Nara ouviu-a sem interromper.
- Como eu lhe dizia, eu estou prestes a soltar-me do caule que me prende à vida. Se eu não for levada pela força de uma enxurrada, ou por um vento mais forte, ficarei aqui e me tornarei adubo para a terra, fortificarei as raízes, ao caule de onde vim e nascerão muitas outras lindas flores, minhas irmãs.
Ao falar assim, a flor que Nara chamou “Circe” deixou cair outra lágrima que escorreu pela mão da menina. Nara mais condoída tentou argumentar:
- Circe, você não devia chorar. Compreendo que deve ser doloroso, mesmo para uma flor despedir-se desta vida ainda tão jovem, bela e mimosa. No entanto, você cumpriu lindamente o seu papel de flor aqui na terra. Embelezou, perfumou, sendo mesmo uma expressão viva do nosso Criador. E tudo isso você fez sem almejar lucro ou glória. Sequer precisou de zelo, sendo uma florzinha do campo, contou apenas com a ajuda dos céus, sempre tão suave e tão forte tem resistido a tantas intempéries...
Nesse momento, Circe a interrompeu:
- Nara, (ela sabia o nome da menina), eu choro por deixar um mundo agradável e bonito, presente de Deus.
Olhou para Nara e continuou, com muita suavidade...:
- Você pensa que Deus fez as flores para enfeitar o mundo dos homens. Eu, particularmente, penso que Deus fez o homem para enfeitar o mundo das flores. Talvez ambas estejamos enganadas e pode ser que Deus nos tenha feito: homens, pássaros, insetos, vegetais, enfim, todo o tipo de vida sobre a terra, para nos ajudarmos e nos protegermos mutuamente. Sei que todos nós temos a mesma importância para o Criador.
E continuou...
- Nós, pessoas, pássaros, animais somos muito lindos. Cada um de nós tem seu perfume e sua luminosidade. Alguns de vocês homens têm espinhos semelhantes a alguns de minha espécie, espinhos que dificultam o convívio entre os homens. E nem assim perdemos o amor de nosso criador que sabe como aparar os nossos espinhos sem a necessidade de nos extirpar.
Nara ia entendendo o raciocínio da amiga e completou:
- Ora parecemos um cacto, ora somos realmente um cacto e nos tornamos isolados, ásperos, áridos mesmo e ainda assim, somos criaturas amadas pelo “Jardineiro Celeste”.
Circe continua mansamente e feliz por fazer-se entender por aquela que ela já considerava amiga:
- As flores se entristecem com o egoísmo humano, com a ganância e com toda a maldade que agrava o Pai do Céu. Aliás, o que difere o ser humano da flor é a maldade que não deixa a bondade de Deus habitar com conforto o seu coração. Nós temos muito em comum. A vida terrena do homem é efêmera, a nossa vida, acontece, muitas vezes, o espaço de uma manhã. Também nos parecemos nos quesitos força e fragilidade. Afinal, somos criaturas irmãs.
Enquanto Nara ouvia a flor dissertar com tanta poesia e conhecimento, correu os olhos pelo campo florido, olhando as outras flores com olhos mais íntimos.
O vento soprou mais forte e frio. Nara sentiu um arrepio a percorrer-lhe o corpo. Entreabriu os olhos e assim percebeu que os havia fechado. Levantou-se rapidamente, e viu, a seus pés, uma linda flor vermelha que se quedara. Seu primeiro impulso foi levá-la consigo. Daí veio-lhe a mente as primeiras palavras que Circe lhe falara, ainda que num sonho... :
- “Se o vento mais forte não me levar daqui, ficarei servirei de adubo, para que floresçam minhas lindas irmãs.”
Nara deixou-a ficar sobre a relva úmida e caminhou devagar e pesarosa. Lembrou-se das palavras do Evangelho: “A caridade não se precipita”.
Antes de ganhar a estrada, deu uma última olhada para o campo florido. Soprava uma deliciosa brisa e sacudia levemente as pequeninas flores. Nara sentiu como se todas lhe acenassem em despedida e lhe mandassem beijos: beijos amarelos, brancos e vermelhos...