Uma lenda goiana
Existe uma velha lenda, talvez o único vestígio da extinta tribo dos índios Goyazes - além, é claro, dos genes que os seus descendentes mestiços carregam por aí - que conta como surgiram o amor e a humanidade. Diz a lenda que Jê, o grande deus guerreiro solar, habitava acima das nuvens e irradiava a sua luz por todo o universo, sem preocupar-se com coisa alguma. Até que certo dia, ao olhar para baixo, avistou alguém enviando em sua direção um brilho intenso que ele nunca vira antes. Jê nunca tinha sido ofuscado por outro, e resolveu descer para conhecer de perto aquele que competia com ele. A grande surpresa de Jê foi perceber que não era nenhum ser mais iluminado que ali habitava, mas a bela Avá, a deusa das águas, que refletia os próprios raios do deus sol de volta para ele. Quando perguntou a ela por que fazia aquilo, respondeu-lhe com um sorriso que era porque a luz e calor que ela recebia faziam-na feliz, e tinha resolvido devolver um pouco do que ganhava como sinal de gratidão. E, sem querer, acabou chamando a atenção do poderoso Jê para ela. Jê enamorou-se dos longos cabelos azuis de Avá e desejou casar-se com ela. A deusa também ficou fascinada pela majestade do deus guerreiro, mas havia um problema, ela já era prometida de Orenoco, o deus da terra. Orenoco, quando viu ambos conversando, irritou-se grandemente, mas sabia que ambos eram deuses poderosos e era improvável que um deles ganhasse uma luta, caso houvesse. Por isso, ao invés de desafiá-lo para a batalha, lançou um poderoso feitiço sobre ambos. Jê e Avá não poderiam nunca mais se aproximar. O fogo do deus sol seria insuportável para a deusa das águas, fazendo-a ferver e evaporar-se, desaparecendo na sua presença. E Avá, se insistisse em se aproximar de Jê, presenciaria o brilho do guerreiro desvanecer até se apagar por completo. Estariam fadados a eterna ausência um do outro ou a destruírem-se mutuamente. Como a poderosa magia de Orenoco não poderia ser desfeita, Jê resolveu, como o seu primeiro e último gesto de amor por Avá, dar-lhe uma raça inteira de filhos para que ela lembrasse do seu amor. Estes eram os homens e mulheres goyazes, que sentiriam em seu peito a mesma dor dos dois amantes. É por isso que quando o homem se apaixona pela mulher, o seu peito arde como se ali dentro habitasse a chama de Jê. É por isso que quando o amado se afasta da sua mulher, ela derrama pequenas gotas de água por ele, deixando-as cair por terra. A palavra tupi Goyá significa literalmente “semelhante”, “da mesma raça” ou “parecido”. Assim, quando cada homem e cada mulher se amam, provam que são parecidos, semelhantes e da mesma raça que os deuses que os criaram.
Este texto é uma ficção, escrita por Jefferson Luiz Maleski em 3 de junho de 2009, sob o frio da primeira noite de Pecuária em Anápolis, Goiás.