Tinta & Pena V - Faca, Fogo e Ferrugem - Parte 2

Capítulo V - Faca, Fogo e Ferrugem (continuação)

- Vocês não vão conseguir... - Falou uma voz na escuridão.

- Quem está aí? - Disse Vinci assustado.

- Não sem a minha ajuda... - Falou novamente a voz.

- Está vindo daqui - Disse Ciquem caminhando em direção a parede ao lado da estante de madeira velha; estava tudo escuro ali - Quem é você? - Disse ele.

- Meu nome é Elih, sou do oeste distante. Estou aqui há dois ou três dias. Achei que tinha morrido e estava em outro mundo. Mas pela conversa de vocês percebi que não.

- Você é descendente do Povo Livre ou do Povo Antigo? - Perguntou Ciquem rapidamente - o tempo estava se esgotando.

- Sou homem como você. - Disse a voz com um sotaque carregado.

- Tudo bem, você fala a verdade. - Disse Ciquem. Em seguida o agarrou como pode e o trouxe a luz. Na luz revelou-se um homem branco de meia-idade, cabelos longos e bagunçados, roupa gasta, rasgada e suja. Realmente ele falara a verdade - Não tinha nenhuma semelhança com o povo do leste. Estava amarrado nos pulsos e nos tornozelos. Com um único golpe do machado enferrujado, Ciquem libertou suas pernas.

- O que foi isso? Você é louco? - Disse Elih com os olhos esbugalhados.

- Estenda as mãos! O tempo está passando - Disse Ciquem. Ao que Elih obedeceu instintivamente. Mais um golpe e os braços de Elih se libertaram, não sem doerem um bocado.

O barulho no corredor tornou-se mais alto - As mothinas estavam chegando.

Vamos nos esconder nas sombras ou seremos atingidos pelo pó da escuridão - Disse Elih baixinho.

- Não luto furtivamente. - Disse Ciquem. E ao dize-lo Martha finalmente entrou na sala. Parecia ter crescido e ganho peso; tamanha era sua raiva. Ela portava uma cimitarra de lâmina larga, enferrujada e chanfrada na parte de baixo.

- E eu simplesmente não luto. - Disse Vinci mais para sí mesmo do que para qualquer outro.

- ONDE ESTÃO OS INSETOS NOJENTOS QUE OUSARAM FERIR MINHA POBREEEE E QUERIIIIIDA IRMÃÃÃÃÃ?

Então Elih fez o que achou mais sensato no momento. Apagar a "lareira" das mothinas. Jogou com força um pote em que estava escrito: "caramujos gosma-verde - descascados ", nas chamas, o barro cozido quebrou-se espalhando o conteúdo. O mesmo fez a tudo que parecia ser fluído. O cheiro tornou-se fortíssimo e a fumaça deixou todos cegos. Todos menos Martha Mioletha.

- SUAS LARVAS GOSMENTAS O QUE PENSAM QUE ESTÃO FAZENDO? EU NÃO PRECISO DE OLHOS PARA VER. - Disse ela no meio da escuridão de visão, olfato e esperança.

- E VOCÊ SEU MATADOR ESTÚPIDO VOCÊ VAI SER O PRIMEIRO - disse ela dirigindo-se a Elih.

Ciquem pensou em mandar Vinci correr, mas lembrança de Maria o dissuadiu. Onde ela estaria?

- Esconda-se Vinci - Disse ele.

Vinci saiu correndo sem direção - O horror (e claro, se você sabe tão bem quanto eu o que ele já tinha passado, sabe que não era apenas isso) havia tomado conta dele. Chocou-se com o que, percebeu ser, a bela estante de ingredientes. Derrubou pelo menos cinco recipientes e caiu no chão em cima do conteúdo. Sentiu coisas geladas, coisas pegajosas, coisas viscosas entrarem em contato com a sua pele do rosto, braços e mãos. E para completar, algumas se mechiam e pulavam.

Enquanto Vinci tinha seu pesadelo ouviu um grito de ataque desumano, seguido de um grito de dor humano, seguido de um ruido de um coco verde partindo-se ao meio, de mãos dadas com um grito maior ainda de dor, raiva, loucura, e sofrimento - este era bestial.

- Desculpe-me Martha. Mas assim são os modos de Dol Sirim. Só atacamos quando atacados. Mas o golpe do martelo é sempre mais pesado.

Um pouco de silêncio assustador.

Vinci levantou-se horrorizado, com o que acreditava ser rãs. Uma tinha entrado em sua camisa - que a propósito era azul claro. "Quando é que eu vou acordar?" Pensou ele.

- Você está bem homem do oeste? - Disse Ciquem estendendo a mão aberta a Elih - Já era possível enxergar vultos, pois a fumaça tinha diminuído um pouco.

- Estou ferido... - disse Elih.

- Calma, não precisa falar nem se mexer - Disse Ciquem - E você Vinci como está? - continuou ele.

- Enojado. - Respondeu o rapaz.

- Ótimo. Procure por minha mochila. Temos que sair deste vil covil. - Disse Ciquem.

- Vai ser fácil, é a única coisa que não é repudiante aqui. - Disse Vinci com a voz trêmula. - Você a matou, não foi?

- Suponho que sim. Temos que ser rápidos para o caso de minha suposição estar errada.

Vinci procurou a bolsa no escuro sem sucesso, pois tinha medo de se aproximar e revirar coisas que não sabia exatamente o que era.

- Fui atingido no ombro... - Disse Elih arquejante.

Vinci reprimiu o pensamento de: "Bem feito pela burrice que você fez". Afinal o homem só queria ajudar. Viu a silhueta de Martha com um machado enferrujado cravado nas costas, e, por incrível que pareça, sentiu dó. Uma tristeza se apoderou dele. Tinha que sair dali.

Ciquém dirigiu-se diretamente a um retângulo que fazia um baita esforço para ser um armário baixo. A porta era parcialmente de pedra. Estendeu a mão para abrir e uma aranha enorme saltou em sua mão e o picou. Soltou um grito baixo. E balançou a mão instintivamente para derruba-la enquanto abriu com a mão esquerda. A aranha caiu e escondeu-se. O interior era escuro como era de se esperar. Ciquem, sem titubear, enfiou a mão, e não para sua surpresa veio sua mochila intacta. Agradeceu o gosto das mothinas por "coisas boas", por não terem causado danos aos seus pertences. Pelo menos aparentemente - naquele momento.

- Vinci, ajude Elih a andar, e eu vou na frente - Disse Ciquem enquanto pegava a cimitarra que Martha carregara, a picada ardia como fogo - Não sabemos o que nos espera no fim do corredor. Vamos descobrir.

Davyson F Santos
Enviado por Davyson F Santos em 31/05/2009
Reeditado em 29/06/2011
Código do texto: T1625672
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