Diálogo extraordinário
- Não sei mais o que fazer, não tenho mais ânimo para nada. Aqui estou nesta inércia maldita que me mata a todo instante.
- Oi amigo, como vai você?
- Quem é você? Como entrou aqui? A porta está trancada, e bem trancada por sinal.
- Eu não preciso de porta para entrar em lugar algum. Posso, atravessar fronteiras e mundos... Muitos por sinal.
- Certo, mas quem é você?
- Eu? Você não me reconhece?
- E deveria?
- Eu acho que sim, afinal de contas foi você quem me criou, você quem me deu vida. Não se lembra mais?
- Você deve estar louco, eu me lembrar de ti. Afinal de contas, se você está me dizendo que te criei, como foi isso então?
-Calma você está um tanto atormentado.
- Atormentado eu?
- Claro! Totalmente, nem consegue ficar um instante parado e tampouco escutar os outros direito.
- Como não? Escuto perfeitamente.
- Sei...Vou fingir que acredito.
- Certo, então, quem afinal de contas é você?
- Chamo-me Gilfred.
- Gilfred? Sim, criei este personagem, faz um tempo até, me lembro muito bem por sinal, mas ele é um ser de papel, uma mera fantasia.
- Bom, sou real e estou aqui, em pé e na sua frente.
- Você é um demônio, um espírito maléfico que quer minha alma, ou simplesmente troçar de mim, mas também pode ser um louco que de alguma maneira, e não sei como, consegui entrar aqui e está gostando de pregar peças em mim.
- Olha, louco, é a sua vovozinha. Eu não sou nenhum farsante, muito menos demônio ou duende.
- Estou começando mesmo a acreditar que abriram os portões do manicômio, mas dizem que louco não deve ser contrariado, então tá, você é Gilfred. E, por favor, pode me deixar em paz, quero esperar a minha morte tranqüilo.
- Tudo bem! Sou louco mesmo, admito, só que o problema é que sou fruto de sua mente insana. Então, você deve ter sido o primeiro a fugir do manicômio.
- Que nada, sempre fui são, e de natureza muuuito equilibrada.
- Hum! É mesmo?
- Claro, perfeitamente.
- Quer dizer que foi um ato racional me criar?
- Sabe de uma coisa, você não é louco, é um verdadeiro doido varrido, te faltam todos os parafusos na cabeça.
- Hum! Legal.
- O que você está achando legal?
- É muito estranho isso, não sou robô para ter parafuso, e estou tocando minha cabeça e realmente não tem mesmo.
- Olha amigo! Você poderia ir embora, por favor, tenho muita coisa para fazer aqui neste escritório. Como você pode ver o serviço é bem alienante, e o pessoal é bem chato, inclusive minha chefa, que fica me vigiando o tempo todo à procura de algum erro que eu faça, para poder me dizer que vou para o olho da rua sem direito algum, por justa causa. Está me entendendo amigo, não posso ficar aqui falando com você.
- Tudo bem! Até mais então, e bom serviço para você.
- Obrigado!
- Disponha!
- Hum! Onde eu estava mesmo? É mesmo, me lembrei, tenho que ligar para aquele cliente chato, porque o chato do diretor não aprovou a condição comercial, e a chata da minha chefa, me disse para eu ligar e sobrou para o idiota aqui ouvir a reclamação do cliente.
- Olha! Não quero me intrometer, mas o que você faz é chato mesmo, extremamente alienante e sua chefa é estúpida.
- Você ainda não foi embora seu vagabundo?
- Não! Agora cansei, chega de brincadeira.
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- Ei! Tire-me do teto, coloque-me novamente no chão, por favor.
- Não sei, porque eu deveria?
- Foi você mesmo quem disse que fui teu criador.
- Nossa! Agora sou sua criatura? Até a alguns instantes atrás eu era um doido varrido que fugiu do manicômio.
- Então, por favor, Gilfred, me ponha no chão. Não se deve ultrajar assim seu próprio criador.
-Tudo bem!
- Ai! Doeu muito, você está louco. Eu poderia ter fraturado a coluna nessa brincadeira.
- É, podia mesmo.
- Como você conseguiu me levantar?
- Foi fácil, como você mente para si mesmo, um grande vazio se apoderou de ti. Aí, você ficou muito leve, bem leve mesmo, e com minha magia te ergui.
- Mas eu estou confuso, muito confuso mesmo. Como você pode ser Gilfred?
- Olhe para mim.
- Certo, estou olhando.
- O que você vê?
- Um homem alto, magro, com longos cabelos dourados, olhos multicores, orelhas pontudas, vestimentas pretas extravagantes, bem ao estilo de Gilfred.
- Não! Você não está vendo nada ainda. Vamos! Olhe com mais atenção.
- Certo!
- O que vê?
- Nossa! Vejo muita coisa. Vejo cores, luzes de infinitos raios coloridos. Vejo também um mundo, que é um ovo e dentro dele há outro mundo cheio de fadas e outras infinitas criaturas mágicas. Nossa! Como você é gigante.
- Você não viu tudo, olhe mais.
- Caramba! Vejo um rio que se transforma e está tomando a forma de um homem...
- E, você conhece esse homem?
- Acho que sim.
- E como ele é?
- Alto, magro e...Parecido com você.
- Tem certeza que esse homem se parece comigo?
- Sim! Perfeitamente, os cabelos, os traços do rosto, os olhos...Ei!
- O que foi?
- Eu sou esse homem, mas não eu, mas sim, eu, você, tudo, o mundo.
- Adivinhou!
- Eu não estava olhando para você, todo esse tempo eu olhava para mim, despertei um antigo mundo desconhecido.
- Certo, continue.
- Sou imortal, porque o sonho nunca morre.
- Hum! Interessante.
- E, sabe de uma coisa?
- O quê?
- Eu não sou eu.
- E quem é você?
- Sou Gilfred, a criatura e o criador.