O Cientista
Ele chegou hoje, aqui em casa, meio nervoso. E olhe que estresse é coisa que não combina nem um pouco com sua personalidade. Fazia já muito tempo que ele não podia falar. Tendo agora uma oportunidade, quis despejar tudo de uma vez. Era um homem bonito, boca bem feita – carnuda e... que contorno! Passado o alvoroço do início, percebi que se tratava, na verdade, de um homem bastante calmo, inteligente e observador, sem falar que eu o achei muito charmoso... – que a mulher dele nem meu marido leiam esse texto!
Vivera de 1791 a 1867. Sobre suas convicções religiosas, dessas não costumava falar nem quando era vivo, que dirá agora, depois de tanto tempo. Desisti de perguntar-lhe a respeito. Deve ter pressentido meus pensamentos, levando a conversa para outro lado. Sua presença me acalma e transmite segurança. É um homem que parece sempre ter sabido, exatamente, o que queria. Isso é fascinante, num homem... Eu o admiro muito. Homem de honra!
Bom, começamos a conversar então sobre Ciência. Informei-lhe o quão as coisas haviam mudado, principalmente nos últimos 20 anos, com essa explosão de tecnologias que temos hoje. Ele disse que já sabia, que acompanhou com curiosidade muitas das mudanças. Contou-me o quanto se alegrou, de fato entrou em êxtase, quando viu as aplicações práticas de muitas das coisas que descobriu.
Disse-me que talvez não tivéssemos muito tempo e que por isso mesmo gostaria de conversar um pouco a cerca de recente avanço no campo da Inteligência Artificial: robôs que simulam o comportamento de cientistas; são capazes de formular hipóteses, realizar experimentos e tirar conclusões, por vezes construindo novos conhecimentos. Por enquanto têm sido testados na Bio-informática. Testes com medicamentos é a próxima fase.
Ele mostrou-se fascinado. Quando lhe disse que o primeiro protótipo era capaz de iniciar aproximadamente 1.000 experimentos novos, mais de 200.000 observações - por dia!- e num ciclo continuo, ele entrou em delírio: “Nossa, se tivéssemos esses recursos em minha época... Imagina o quão mais eu mesmo poderia ter contribuído?! E deu luta pra construir os instrumentos, principalmente para os experimentos com a Indução Eletromagnética... Nossa!”
Mais feliz ainda ele ficou quando lhe disse que a equipe de pesquisadores responsável por esse trabalho, sob o comando de um tal Ross King, era da Universidade de Aberystwyth, País de Gales. Logo notei um sorriso orgulhoso em seu rosto, porém discreto. Tinha que ser, os ingleses são... ingleses! Digo, fleumáticos.
O primeiro robô cientista foi apelidado de Adão, na verdade ADAM, de A Discovery MAchine, mas uma versão melhor, com muito mais capacidade computacional, já está sendo colocada em produção. Adivinha como se chama a segunda versão, melhorada? Adivinha? EVE, claro!
E só pra eu não perder a piada, Deus criou primeiro o protótipo, o homem, e aí sim, depois, com calma, construiu uma versão muito melhor, definitiva: a mulher, naturalmente! Ele não sorriu – eu já disse que ele é inglês –, mas balançou a cabeça como quem diz: “Tá bom!”
Ia seguir falando-lhe mais a cerca desse avanço, perguntando-lhe se ele sabe o que são ontologias, o trabalho que dá pra raciocinar sobre elas, mas aí nosso tempo acabou e ele foi embora. Sei que ele vai voltar, pois de alguma forma, temos muito em comum. Não, ainda não sei o que são essas afinidades, mas vamos descobrindo aos poucos, dando tempo ao tempo... Como diria Nara Leão, “Meus amigos são o maior barato!”