Literatura em Campo

Certa vez eu tive um sonho fora do comum, mas fora do comum mesmo. Sonhei que os grandes nomes da nossa literatura resolveram se encontrar pra bater uma bolinha. Tinham escritores de épocas diferentes, mas como em sonho tudo é possível, eles estavam lá. A disputa foi entre os poetas e os prosadores, com sete jogadores pra cada lado. E lá estava eu só assistindo a esse clássico literário. Os grandes destaques do lado da poesia eram: Augusto dos Anjos como goleiro, Carlos Drummond de Andrade como organizador das jogadas e pra colocar a bola dentro do gol tinha o Vinícius de Moraes, só que no lado da prosa também tinha grandes promessas, a começar com o Machado de Assis como meio campista, Luis Fernando Veríssimo na lateral e o Rubem Fonseca no ataque.

Apita o juiz.

Vinícius dá a saída de bola tocando para Mário Quintana que já sofre marcação do Caio Fernando Abreu, mas ele se livra da marcação e toca pra Carlos Drummond que avança rumo a meta adversária, só que é desarmado por Fernando Sabino e com muita pressa já toca pra Machado de Assis que conduz a bola com a mesma maestria com que escreve, Vinícius de Moraes chega para marca-lo e o encara: - Fique esperto Machado, vou lhe roubar a bola, eu já sei qual será o lado que você vai, vê se não enrola – disse o poetinha. Vinicius, Vinicius, não faço rimas como você, mas sei fazer suspense com as minhas pernas. – retrucou Machado que fingiu que ia para um lado e foi para outro, num belo elástico e em seguida tocou para Veríssimo que estava livre na lateral e que em alguns passos tocou para Rubem Fonseca marcar o primeiro gol. Augusto dos Anjos não gostou nem um pouco de levar esse gol. Essa zaga é mais aberta do que cova em dia de enterro, que venha outro para meu lugar – disse o poeta revoltado. No momento em que os poetas levaram o gol chegaram Eça de Queiroz e Fernando Pessoa que estavam visitando o Brasil.

Bola no meio campo e Vinicius tentou combinar uma tática com o Quintana que disse: sejamos simples como o voar dos pássaros, nada de complicações. Vinícius tocou a bola para Álvarez de Azevedo que foi correndo para lateral, driblou Caio Fernando, depois driblou Ivan Ângelo e foi até a linha de escanteio onde cruzou para a cabeça de Carlos Drummond que pôs a bola nas redes com a mesma facilidade que encanta as pessoas que lêem suas poesias. Foi uma festa só. O jogo continuou bem disputado com destaques para defesas difíceis de Augusto dos Anjos e também de Dalton Trevisan que chegou arriscar a bater uma falta, mas a bola passou por cima. Houve também um pênalti a favor dos poetas e Vinícius assumiu a responsabilidade, antes de bater pediu ajuda aos orixás e que foi prontamente atendido ao colocar as bolas para dentro das redes.

Primeiro tempo se foi e os técnicos entraram em ação. Pelo lado da Prosa Futebol Clube estava o Érico Veríssimo com auxílio de José de Alencar, já no lado da Poesia Futebol Clube estava Alphonsus de Guimaraens que no meu sonho entendia bastante de futebol e que recebeu uma ajuda de Fernando Pessoa que se aproximou do grupo e deu dicas astrológicas e a maneira como os prosadores vão reagir, só que ele pediu cuidado caso Eça de Queiroz entrasse no jogo, o que é bem provável. E Fernando Pessoa também entrou no jogo no lugar do Mário Quintana e Eça também entrou no lugar de Rubem Fonseca e Guimarães Rosa também entrou no meio campo no lugar do Veríssimo que não se conformou com o pai que o substituiu.

E apita o juiz e começa o segundo tempo.

Eça de Queiroz toca pra Guimarães Rosa que vai avançando a área poética até tocar lateralmente para o Caio Fernando que devolve para Eça de Queiroz que invade a área, dribla Manuel Bandeira e Oswald de Andrade e chuta a bola na saída de Castro Alves que trocou de lugar com o Augusto dos Anjos. O Eça ainda tirou um sarro do conterrâneo Fernando Pessoa que fazia gestos com a cabeça indicando: eu avisei.

O astrólogo e poeta deu a saída de bola tocando para Haroldo de Campos que substituiu o Alvarez de Azevedo. Haroldo conduziu a bola para a lateral até tocar para Augusto dos Anjos que driblou Ivan Ângelo, mas em seguida foi derrubado por Oswald de Andrade. Mas o juiz não marcou nada. Os poetas se enfureceram, começaram a protestar em verbos decassílabos. O juiz sofreu e pediram pra substitui-lo. Só em sonho mesmo pra isso acontecer.Quem entrou foi Luiz Vaz de Camões, e isso gerou protestos dos prosadores que queriam um artista neutro, quer dizer, um árbitro neutro e então sugeriram Menotti Del Picchia, o artista plástico da Semana de Arte Moderna, outros sugeriram o compositor Villa-Lobos. Mas Camões prevaleceu e prometeu ser neutro. A confusão acabou e o jogo recomeçou. Estava dois a dois e faltavam uns dez minutos para terminar. O jogo ficou tenso. A torcida gritava alto. Cecília Meireles que estava na torcida da Poesia acabou se distraindo ao conversar com Florbela Espanca, a poetisa portuguesa que veio junto com o Fernando e com o Eça.

O reinício do jogo teve belas jogadas de Guimarães Rosa que inovava no futebol assim como inovou nas palavras. Houve toques de letra, passou a perna sobre a bola, deu até uma bicicleta que foi defendida por Paulo Leminski. Já no lado dos poetas quem dava espetáculo era Fernando Pessoa que estava meio apagado e de repente apareceu no jogo. Machado de Assis chegou até brincar ao perguntar pro Eça de Queiroz se era um heterônimo habilidoso em esportes, Eça apenas riu. O jogo terminou empatado. Melhor assim, nenhuma forma de escrever é melhor do que a outra. Acordei do sonho e vi o que tinha causado esse sonho bizarro, porém muito gostoso. Havia um livro de literatura no chão, aliás, eu tive prova naquele dia e o sonho me ajudou bastante a lembrar a escola literária que cada um pertenceu. Isso sim que é sonho.

22/05/06

Miguel Rodrigues
Enviado por Miguel Rodrigues em 22/05/2006
Código do texto: T160625
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