Cap 5 - Entrando no ritmo

Em uma tarde de outono, após 2 dias do encontro com Yashiro, eu estava andando pelas ruas da cidade cheias de folhas amarelas e marrons. Imaginei que poderia fazer uma visita no endereço que tinha em meu bolso.

Passei em uma loja rent-a-car e aluguei uma moto por uma semana. O atendente da loja observava curioso quando me viu olhando as tabelas de preços de locação de motos, e logo veio com o catálogo de carros pequenos e delicados.

Eu trajava uma calça leg vermelha, coturno médio muito lustroso que ia até o meio da canela, uma jaqueta de couro longa preta e uma blusa de lã preta com gola alta e mangas compridas. Os cabelos dessa vez estavam presos em um rabo de cavalo e de cor preta com mechas também vermelhas.

Fiz uma careta para os carros que o funcionário da loja havia me mostrado.

- Prefiro uma daquelas – apontei para Drag Star 2001, 650 CC, alterada da transmissão por eixo cardã às rodas, 70% estilizada de preto e vermelha.

Ele me olha com cara de quem acha que estou brincando. Coloco em seu balcão minha habilitação assinada pelo sistema de transito japonês, minha identidade e meu passaporte abrindo um sorriso.

- Isso não é muito comum... – falou em um inglês confuso.

Respondi em japonês fluente:

- Eu sei... mas amei o modelo da moto, sou habilitada para pilotá-la, fazer o que, né? – pisquei para ele enquanto arregalava os olhos e a boca.

- É uma moto grande, porém de fácil manuseio. – ele falou confuso entra japonês e inglês.

Pode ser com seguro total, por favor, pois estou em um bairro afastado. – completei quando ele terminou a frase.

O atendente uniformizado de camisa verde musgo, cabelos despontados e olhos quase negros sorriu quando eu disse isso. Entregou-me os papeis para assinar, mandando encher o tanque e me presenteando com um vale combustível como gentileza da loja.

Peço algumas informações sobre o endereço do cartão de Yashiro que eu tinha em mãos e o pessoal do posto de combustível logo a frente me explicam as melhores opções para ir ao endereço.

Não era muito longe, tendo em vista que peguei apenas 10 minutos de rodovia expressa no meio de carros grandes e cheio de pessoas apressadas.

Eu pilotava calmamente sentindo a brisa e olhando a posição de prédios e avenidas abaixo da pista em que me encontrava. Andei mais dez minutos em ruas pequenas e estreitas, em meio a casas escuras, até encontrar o galpão indicado no endereço atrás do cartão.

Estacionei de maneira rápida, já que não havia ninguém parado naquele lado da rua. O ruído de microfonia e bateria não negava que ali havia um ensaio de uma banda. Dei um leve toque na lataria da moto, carregando-a de eletricidade estática. Se alguém tentasse alguma graça ficaria, no mínimo, arrepiado.

Sorri, coloquei o capacete na manopla e entrei no galpão, que me parecia muito arrumado para um local de ensaios.

- Não costumamos receber visitas por aqui, principalmente de estrangeiros... – uma voz feminina um tanto arrogante falou logo atrás de mim assim que dei os primeiros passos dentro do galpão.

- Logo imaginei... – falei ainda sem olhar para ela - porque com esse tipo de recepção ninguém viria mesmo. - Dei meia volta nos calcanhares e parei na frente de uma mulher de braços cruzados.

Digamos que o clima não era para flores.

A ruiva desviou o olhar e passou marchando diante de mim carregando um instrumento de corda nas costas. Mas não foi bem isso que me chamou a atenção. Era sua forma de se trajar que muito me deixou curiosa.

Ela vestia uma mini saia cor de rosa, com detalhes abertos até a cintura, formando uma tela. O decote era avantajado e o porte físico dela era muito bom.

- Ta bom... – pensei comigo mesma – ela pode usar essas roupas por que esta com tudo encima.

Caminhei até a cadeira mais próxima, apoiei os pés no encosto da frente e me sentei observando o movimento de pessoas no palco.

Logo avistei Yashiro. Com aquele tamanho todo é meio impossível não notar que ele estava ali.

Aceno para ele timidamente de onde estava. Não resisti e li de certa forma algumas coisas que passavam em sua mente.

Ele estava realmente surpreso. Fui até a beirada do palco para falar com ele.

- Oi! Não imaginava que eu viria, né? – me apoiei na beirada com ambas as mãos.

Ele pulou até meu lado sorrindo de orelha a orelha.

- Não imaginava mesmo! – virou-se para trás e gritou – Hey!! Chris e Shermie, venham conhecer uma nova amiga que veio nos fazer uma visita. – me abraça forte, quase me afogando.

Um aroma amadeirado com tons de ervas invadiu minha respiração.

- Que perfume bom! – toquei na gola de sua jaqueta, que agora era um modelo diferente da que vira naquele outro dia. – adorei a sua roupa também!

Vejo que ele se sentiu encabulado com o elogio e colocou as mãos nos bolsos da calça.

- Olá Nisa! – empolgado logo a minha frente aparece Chris segurando um par de baquetas que rodopiavam entre os dedos.

Aquilo me deixou um pouco perturbada. Ver Chris em estado normal era diferente pra mim.

Como ele poderia saber de meu nome? Será que, por algum motivo, a falha temporal em que eu me metera com o Orochi havia deixado algo gravado em sua memória transcendental?

Acalmei minha mente, porque nada havia ocorrido ainda a ele.

Eu o havia encontrado Chris a meses na frente de seu tempo e nos falamos quando ele estava transformado naquele monstro. Eu havia o encontrado no futuro.

Às vezes essas viagens me davam um imenso nó na cabeça.

- Como vai Chris? Tocando muito? – peguei uma das baquetas e rodei entre os dedos, imitando-o.

Ele era um garoto doce na forma de olhar, mas de mente muito sagaz.

- Vocês se conhecem? – pergunta Yashiro, de certa forma, surpreso cruzando os braços ao meu lado.

- A Nisa não me conhece ... mas eu a conheço. – o garoto da minha altura, trajando roupas folgadas e um allstar confortável aponta-me o polegar e fala - Ela tem um grupo de coreografias muito bom, além de músicos fantásticos em uma banda!

Vejo os olhos dele brilhando com a tietagem e me alivio. Ele conhecia apenas meu trabalho e não tinha como se lembrar do nosso aparecimento há meses a frente..

- Hey, você foi o único por aqui que lembrou de mim. Como pode? Gosta de dança contemporânea Chris ?? – sentei-me na beirada do palco e olhei para a ruiva de tranças afinando uma guitarra lindíssima.

- Adoro!! – deu um salto mortal da plataforma do palco até o centro de cadeiras enfileiradas do local onde estávamos. – é lógico que as artes marciais ajudam, não é?

Sorri feliz.

- Uau. Dessa nem eu sabia. Meu baterista pode ser um bailarino. – diz Yashiro caindo na gargalhada. – vamos te promover menino!

Rimos juntos.

- Que tal começarmos a passar o set? – Shermie corta a conversa sem querer participação.

Os garotos a olharam apreensivos.

- Você tem algum problema?? – olhei para ela com certo cinismo, percebendo todos os pensamentos estranhos e obscuros que passavam em sua mente.

Yashiro fala bem baixinho em meus ouvidos enquanto passa ao meu lado:

- Não liga, ela não é muito amigável com pessoas diferentes. Mas toca demais uma guitarra!! – piscou para ela e sorriu cinicamente.

- E ela nunca sorri, - completa Chris subindo ao palco com outro mortal - Ela só faz isso quando ta socando alguém. –faz um gesto de “punch” já sentado na bateria.

Comecei a rir enquanto ela olhava com raiva para os dois.

- Essa daí... sem chance de amizade. – suspirei curtindo o rock de uma Banda japonesa que eles faziam cover.

Em alguns minutos, subi ao palco dei algumas coordenadas de bateria e outras de baixo para os meninos, peguei o microfone e comecei a cantar uma musica de uma banda americana chamada Collective soul. Tocamos a musica Over Tokyo.

Shermie mesmo sem querer, tocou os acordes leves de violão por sugestão mental que eu havia aplicado nela.

Humanos se acham tão superiores.... mas são tão vulneráveis a induções leves.

Saímos de lá era mais de onze horas da noite. Assim que tocaram a ultima musica do set list que eles tinham, Shermie arrumou suas coisas e saiu sem se despedir de ninguem.

Me diverti demais. Os meninos eram muito engraçados. Paramos em uma lanchonete para comer alguma coisa, pois estávamos famintos.