Sobre Anjos e Homens - 4ª Parte

Quando ela abriu seus olhos castanhos, viu apenas branco. Parecia que estava usando seus olhos pela primeira vez, pois ardiam como se tivessem sido embebidos em limão. Mas, depois que se adaptou, conseguiu identificar alguns objetos que estavam à sua volta.

Algum tempo depois de que acordara, deram-se conta que, milagrosamente, a garota havia voltado à consciência. Após dois dias de paciência, a garota havia voltado.

Horas mais tarde, ela estava sendo encaminhada para o quarto. Sua cabeça ainda processava as informações, ainda estava completamente perdida. Nada mais fazia sentido, seu coração batia num ritmo diferente agora, aliás, parecia que tudo ia num curso diferente do que ia antes. Deus, ela havia tomado o caminho certo? Ou será que errara desde o início? Eram tantas perguntas que se passavam em sua mente, que mal podia pensar em uma coisa de cada vez, parecia que os pensamentos vinham à tona, todos de uma vez só.

Não conseguia organizar os fatos também, pareciam que as horas, agora, haviam se transformado em segundos. Desde o momento de seu despertar até a hora em que chegara ao quarto, ela juraria que podia contar os minutos dos dedos. Porém, havia cinco horas de diferença.

Fora abraçada pelos pais, avós, e irmão mais novo. Deus, como era bom estar de volta! Como ela amava aquilo. Agora que conseguira organizar seus pensamentos, veio à tona um apenas, o mais perturbador deles.

E ele? O que seu coração tanto repugnava que acontecesse, aconteceu mesmo? Ela temia que sim. Bom, é compreensível. Não poderia acontecer nada como ela gostaria, afinal, ela o amava. Mas, será que ele havia se importado? Não, ela dizia a si mesma. Mesmo sabendo de meu sofrimento, pouco se importara. Mesmo vendo o poder de seu amor, ele dera os ombros para todos os seus sentimentos e, provavelmente, deve ter feito piadas sem graça, as quais tanto ama fazer.

De repente, uma fala apenas, cala seus pensamentos, e os para completamente.

- Ainda bem que aquele moço te deu sangue!

Seu coração começou a pulsar forte, e todo aquele desgaste, de repente, fora espantado de seu corpo. Ela saltara seus olhos e sentou rapidamente na cama.

- De quem ele fala? – Apontou o irmão, e levantou seu tom de voz para um ameaçador, como se ele fosse um criminoso.

- Do garoto que salvou sua vida. Veio de seu colégio até aqui. Correndo debaixo da tempestade que jamais vi. Estava muito molhado.

- Ainda não sei de quem falam – ela levantara mais o tom de voz, quase gritava. Suas batidas cardíacas aumentavam mais e mais, e ela puxava o ar e o soltava rápido.

- Era alto. Tinha cabelos loiros e olhos azuis oceano. Era estranho, devo admitir. Tinha uma mala vermelha meio velha. Deve sua vida à ele.

Ela agitava os olhos, fitava cada um dentro do quarto. As batidas de seu coração mantinham um ritmo assustador, desesperador. O ar entrava em seus pulmões como se estivesse sendo preso por um crime terrível, e saia dele como se tivesse sendo enxotado.

- Filha, o que está acontecendo com você?! - Seu pai falava assustado, observando-a com censura.

Nem ela sabia o que estava acontecendo com ela. Os pensamentos passaram a se cruzar em sua mente, de novo. Ela não conseguia raciocinar direito. O coração, agora, saltava-lhe do peito, e o ar saia e entrava de seus pulmões com raiva. Ela foi ficando tonta, extremamente pálida e perdida. Inevitavelmente, seu desmaio aconteceu.

Quando acordou, sua mente estava mais clara, mais coerente. Parecia que tudo havia voltado ao normal. Ela se sentou na cama do hospital, e logo notou que não havia ninguém no quarto, exceto por uma mulher, sentada numa poltrona ao lado da cama.

- Mayara, está tudo bem? Se sente bem fisicamente?

- Acho que sim. Quem é você? – ela disse com uma voz doce.

- Meu nome é Fabiana, e vou ajudá-la.

- Ah, você é psicóloga.

- Como sabe?

- Você acha que pode me ajudar, mas não pode. É mais complicado que imagina.

- Eu me formei em mentes humanas, e pelo que sabemos, a sua também é uma – ela disse com um sorriso.

- Hahahahahahaha – Mayara riu sarcasticamente.

Por mais que a psicóloga tentasse, a mente da garota parecia impenetrável, uma barreira intransponível guardada por milhões de homens armados. Mas, se na escola tivessem ensinado Fabiana a interpretar olhares, ela teria conseguido um grande avanço. Como não era o caso, ela apenas tentou, mas não desistira. Acreditava que uma hora conseguiria que sua nova paciente falasse sobre seus sentimentos.

Depois de mais ou menos uma hora, a psicóloga saiu do quarto. Como já era “tarde”, os familiares da menina não estavam mais lá, exceto pela avó dela, que lhe faria companhia aquela noite.

Era vinte horas quanto ela recebeu uma visita. Ela não imaginava quem era, e mal poderia imaginar. Quando adentraram o quarto, seu coração começou a bater forte, mas não como antes de seu desmaio, mas sim num ritmo doce e agradável, como se fossem as mãos que correm lentas num piano que toca uma serenata. Serenata, parecia que ela ouvia uma quando ouviu as primeiras palavras que ele disse:

- Oi... – o sorriso de canto e sem graça marcou seu cumprimento.

Ela apenas sorriu de volta. Pareceu que tudo até ali tinha valido a pena, seu coração batia aliviado, como se fosse a primeira vez que tivesse apaixonado. Eles se entre olharam por um tempo, pois não havia palavras que pudessem ser ditas, pois elas teriam de ser inventadas.

- Eu não sei o que lhe dizer, de verdade. Não sei se peço desculpas, não sei se aconselho que me esqueça, se digo as palavras que andei ensaiando durante esses dias... Ou se apenas fico calado vendo você me olhar.

Ela continuava calada, apenas ouvindo a voz do seu subconsciente dizendo que seus sonhos seriam com anjos àquela noite.

- O que quer que eu diga?

Ela olhou profundo nos olhos do garoto. Como se estivesse pensando no que ele deveria dizer a ela. Ah, ela queria ouvir tantas coisas que era impossível escolher apenas uma. Entretanto, havia poucas coisas que ele poderia dizer à ela. Será que de fato ela fizera a escolha certa?

- Apenas diga tudo o que você consegue falar. Se fizer sentido ou não, pouco importa.

Ele olhou um segundo para o chão, como se a resposta estivesse no cadarço de seu tênis desamarrado. Infelizmente, não foi o que aconteceu. Voltou-se para ela e pode admirá-la por um segundo.

Podia dizer-se que seus cabelos eram a coisa mais bonita na garota. Castanho claro e comprido, ondulado. A cor do cabelo contrastava com a pele de Branca de Neve, lisa e pálida. Seu olhar poderia enlouquecer um homem que tentasse decifrá-la, era impossível saber no que ela estava pensando, pois parecia que ela pensava em tantas coisas terríveis que em seus olhos havia noites de tempestade, capazes de afundar navios.

- Bom, na verdade, eu não consigo dizer nada... Se eu disser algo, não vai parecer sincero. O que posso dizer é que... Deus, eu não tenho palavras.

Era óbvio que ele tinha as palavras certas para dizer, mas elas não saiam de sua boca. Estavam presas em sua garganta, e insistiam em ficar lá. E mesmo que aquelas palavras pudessem sair, ele as engoliria de novo. Nunca iria falar as coisas que gostaria na frente da avó da garota, que aliás, não entendera nada da conversa.

- O que posso dizer, Mayara... Eu posso pedir que você me desculpe.

- Se tivesse um motivo para desculpá-lo, eu aceitaria suas desculpas. Pode acreditar em mim.

- Então, ficarei mais... Tranqüilo.

Quando ele ia saindo pela porta, ela disse uma última coisa à ele:

- Não entendi por que você salvou minha vida. Mas, devo agradecê-lo.

- Se alega que a tirei de você, eu deveria devolvê-la, pois ser dono de sua vida, não me é útil.

E saiu pela porta, sem mais nada dizer.

A garota ficou mais três dias presa àquele quarto horrível e sufocante. Ela ainda estava fraca, mas, logo foi se recuperando. Não parava um segundo de pensar nele. Agora seus pensamentos estavam claros.

Quando a menina recebeu alta, logo no dia seguinte, estava indo para a escola. Fazendo o mesmo de sempre, com os mesmos costumes, com a mesma rotina chata e incessante.

Só esperava vê-lo novamente. Mesmo sendo estranho, mesmo sendo um pouco feio, ela ainda o amava, pouco importava. Por isso dizia-se que o amor é cego, você apenas ama, não existe um porquê.

Então, ele chegara. Em meio às pessoas que a cercavam, perguntando sobre milhares de coisas que ela tinha a resposta, mas não dizia, ela só tinha olhar para ele.

Ele, então, caminhou em direção à ela. Podia-se ouvir à distância que os dois corações batiam no mesmo ritmo doce, no mesmo ritmo leve. Eles se olhavam do mesmo jeito. Todavia, ele não tinha certeza de seus sentimentos por ela.

Enquanto ela o amava, ele mal sabia quem ela era. Tudo o que sabia sobre ela era que o amava, e, para muitos tolos e ingênuos, isso é o bastante. Mas, para ele, não era.

Ele, talvez, no fundo de seu coração confuso, a amava perdidamente. Mas, para ter consciência disso, é preciso, primeiro, ter sua mente clara. Ah, mas ele não tinha. A carta que lera o deixara tão confuso sobre seus sentimentos por ela que conseguia ter vários pensamentos sem sentido ao mesmo tempo. Será que isso é amor? Aquele amor “adulto” de que tanto falam?

Ficaram parados, um à frente do outro, há um palmo de distância. Encaravam-se. Conversavam pelo olhar como se conhecessem há muito tempo. As batidas cardíacas da garota aceleravam a cada segundo, e ficavam gradativamente mais fortes e marcantes. Quanto às dele, eram iguais. Bom, ele não sabia bem o porquê, mas eram. Estavam em sintonia, é verdade. O garoto tinha a imensa vontade de agarrar a menina e não desgrudar dela, nunca mais.

A professora de geografia entrou na sala, e cada um foi para seu lugar.

Durante as aulas antes do recreio, os olhares dos dois se cruzaram por diversas vezes. Mas, ambos disfarçavam e olhavam para outro lugar qualquer.

Ouviu-se o sonoro sinal do intervalo, e o som dos alunos passando pelo corredor podia ser, talvez, mais barulhento.

Ela foi em direção ao pátio, encontrar com sua amiga, que fora visitá-la no hospital algumas vezes. Mayara, porém, foi barrada na escada, no meio de seu caminho.

Ele parou à frente dela, e a olhava como nunca tinha olhado alguém. Tinha medo do que ele mesmo era capaz, mas jurou a si mesmo: ia fazer o que seu coração mandava, porque, da última vez que deixou ser levado por ele, salvou a vida que tinha tirado de alguém. E, agora, ele talvez, pretendesse devolver a alma à garota. Coitado, mal sabia as conseqüências que isso poderia trazer.

Ela o olhava, agora, assustada. Seu coração batia muito forte, muito acelerado. Ela também tinha medo do que ele podia fazer. Deus, será que ela tinha feito a escolha certa? Meu Deus, será que ele estava apaixonado por ela? E, se estivesse, agora, tudo havia, literalmente, ido por inferno?

O garoto tinha tantas vontades que mal as podia organizar em um pensamento só. Foi, então, que ele fez uma coisa que ela não esperava, jamais.

- O que você pensa que eu sou?! Um idiota, por acaso?!

- Como? – o coração batia forte, as lágrimas, agora, vinham à tona.

- Eu não a amo, nunca amarei. Uma suicida em potencial?! Como vou poder amar alguém que pode se matar a qualquer segundo?

- Posso ser até uma suicida em potencial, se é assim que prefere me chamar. Pelo menos pretendo destruir apenas o meu mundo, e não o dos que estão à minha volta– as lágrimas, ela poderia engolir grosso, mas o coração desacelerava gradativamente, e doía, como sempre doeu... Por sua mente passava um filme, o qual nenhum outro amor verdadeiro poderia desfazer.

Ela o deixou sem palavras. Enquanto descia o resto das escadas rápido, seu coração batia fraco, como sempre provou ser, batia devagar, mas insistia em doer, como se o sangue parasse em suas veias e não quisesse mais correr por elas. Ela corria pelo pátio agora, o mais rápido que podia, como se estivesse correndo da própria dor. Já era tarde pra correr dela, ela já havia a alcançado.

Débora Dias
Enviado por Débora Dias em 03/05/2009
Reeditado em 03/05/2009
Código do texto: T1573915
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