Tinta & Pena II - Hordas Negras do Vazio - Parte 2

A história está crescendo e fiquem certos que os comentários estão sendo ótimos incentivos! Espero sinceramente que gostem. Eu estou gostando. Até a próxima.

Tinta & Pena : Capítulo II

Hordas Negras do Vazio (continuação)

Vinci olhava admirado para Delaina e seu dono. Ambos pareciam terem saídos das histórias antigas que seu tio Renind lhe contava nos fins de tarde - quando o Oeste estava numa tempestade dourada, e o leste numa penumbra calmante. Histórias que muitas vezes iam noite adentro, até que seu pai o chamava:

- Hoje não é o último dia do mundo... o sol ainda vai nascer amanhã.

"Isso sempre acontece na melhor parte" pensava Vinci. Isso aconteceu até que Renind foi ao mar e nunca mais voltou. Vinci não acreditava nessas histórias. Pelo menos não completamente. Haviam adquirido o lado prático que Trintem havia assumido desde que morava em Mastro Forte. Afinal como tudo aquilo podia ser real?

A Groenpiterix do Norte olhava rapidamente em todas direções, com o jeito característico de ave. Parecia, ainda, estar assustada. Era, sem dúvidas, a criatura mais impressionante que Vinci havia visto na vida - claro tinha aquela baleia enorme encalhada na praia de Mastro Forte, mas com tanta gente olhando não deu nem pra ele chegar perto, e no outro dia, quando não era mais novidade, não passava de um montante de carne morta, sendo devorada pelas gulinas, siris, caranguejos e outras criaturas. Suas penas eram de um castanho nobre, como de um gavião. Nas pontas das asas e calda, a cor variava em vermelho, azul e amarelo em vários tons. O bico era alaranjado e bonito como um bico de tucano. Dava até aquela impressão de "bico-de-mentira" que tem um bico de tucano visto "ao-vivo". Mas não era tão comprido, no formato lembrava um bico de águia gigante. A ave tinha impressionantes quase seis metros de envergadura.

Ciquem estava cansado. Perdera o sobretudo e o ar alegre e amistoso. Trazia agora uma preocupação crescente no rosto. Não portava mais - pelo menos amostra - a pasta que Vinci vira no esbarrão. Trazia uma mochila em que procurava algo dentro. Por fim retirou um rolo - selado com uma fita azul claro - que revelou-se um mapa antigo, meio manchado nas bordas. Era feito a mão, e não tinha cores. Mas era extremamente bem desenhado e detalhado. Ciquem o olhava e Vinci respirava fundo de ansiedade. Queria que ele falasse, com a mesma intensidade que temia o que ele ia dizer.

Vinci levou um baita susto, quando Delaina abriu as asas, bateu-as e alçou vôo. Descendo a colina verde em que se encontravam, e então subindo mais alto, batendo as asas.

- Guiah ingue!

Lá em baixo as planícies relvadas, com árvores solitárias e em grupos pingadas aqui e ali. Via-se um rio brilhando no sol do meio-dia. Ao sul, longe até onde ia a vista, os Montes de Fortes - Os guardiões que protegiam a cidade litorânea de um ataque por terra, mas que assistiram impassíveis ao ataque oceânico.

-Pra onde ela vai? - disse Vinci sem tirar os olhos dela.

-Buscar o almoço. O dela e o nosso. - Disse Ciquem sem tirar os olhos do mapa. Estava concentrado.

-O que vai ser?

Não houve resposta. Vinci concluiu que não havia mesmo resposta até que a ave voltasse. Sentiu-se só. Como nunca se sentira antes. Estava longe de casa, longe da família (do pai), longe do mar. Onde ele estava afinal? Não tinha a menor idéia. Podia ser meio-dia, mas nada garantia que era o meio daquele dia maluco. Podia ter ficado mais de um dia desacordado.

Na verdade não estava muito longe. Pois como já lhe disse, podia-se ver os Montes Fortes, logo Mastro Forte estaria a no máximo dois quilômetros depois de suas fortalezas naturais.

Sentiu vontade de chorar, mas conteve-a. O olíre tinha dito pra ele ser forte, e ele estava tentando, sim ele estava, com todas as forças. Ficou sentado olhando a paisagem, enquanto mil imagens passavam por sua cabeça. Não soube quanto tempo ficou naquela introspecção. Que era um princípio de uma tempestade, ou um balde cheio d'água prestes a esbordar. Até que Ciquem pôs o braço no seu ombro.

-Dia duro herdeiro da terra! - Era a gota que faltava.

-Sim muito duro... Pelo menos para mim... Pra você não com certeza! Você tem a sua vida no NORTE ESTRANHO pra lá - apontou para o noroeste - tem sua amiga penosa para o levar pra qualquer lugar longe da morte. Além disso você é um ÓLIRE! O que sou eu? Eu respondo. Eu não sou ninguém, sou um filho do sul infeliz... como vou viver nesse mundo estranho e cheio de perigos? Me diga! Vamos me diga! Por que você me salvou? Pelo menos ao que parece... por quê não me deu pelo menos a HONRA de morrer perto do meu pai, com a minha gente... - O dique de lágrimas, que Vinci tanto se esforçou para construir, não teve resistência suficiente e rompeu numa enxurrada de lágrimas e soluços.

Ciquem o abraçou, ficaram assim por um tempo. O olíre nada disse, mas filetes de lágrimas desciam de seus olhos azuis.

-Calma herdeiro... - ia dizendo após o silêncio.

-Não me chame assim. - Disse Vinci com uma voz chorosa.

-Nada está perdido, acredite em mim. Você precisa acreditar em mim. - disse Ciquem pondo a mão nos cabelos castanhos-escuro de Vinci.

- Desculpe senhor - Vinci falou baixinho - Só queria saber onde está meu pai....

- Desculpas aceitas. Seu pai não está morto. Pelo menos até onde eu sei... não vou mentir para você, há chances de ele está morto, mas... Eu acredito que ele esteja vivo. Mas... Vamos comer primeiro, o estômago vazio muitas vezes cria miragens estranhas na alma. Depois eu prometo lhe contar tudo o que quiser. Vinci então percebeu que estava faminto:

-Tudo bem.

Delaina voltou trazendo um dingue jovem nas garras de ave de rapina. Ciquem sabia que ela tinha comido outro antes de pegar aquele. Começou então a dar instruções a Vinci de como fazer uma fogueira. Enquanto ele fazia o trabalho sujo de "tratar" a caça - que tinha morrido com uma incisão do bico da ave no pescoço.

Deixemos eles ocupados nesses trabalhos enquanto eu lhe conto o que é um dingue. Os dingues são mamíferos quadrúpedes, numerosos nas planícies dos quatro cantos de Rivergard. São animais de porte médio semelhantes aos cervos de nosso mundo. Os machos possuem chifres, as fêmeas não - assim como os cervos. O que, no entanto, diferencia-os? Bem, as diferenças são sutis, mas significativas. A mais notável porém está nos chifres. Eles não têm os desenhos de galhos mortos e secos como os cervos. Os chifres dos dingues lembram vegetação viva curvando-se ao vento. Se é que isso faz algum sentido. Talvez fizesse se você visse um.

-Acha que está bom de lenha? - disse Vinci que já tinha dado duas viagens em meio as Celicácias da colina, em busca de galhos secos.

-Sim está. Coloque-as dentro do circulo (de pedras). - disse Ciquem, quase acabando o trabalho, que realizava habilmente.

Devia ser uma hora da tarde, quando o fogo começou a crepitar nos galhos secos. Ciquem pôs - depois de um certo tempo quando as chamas já estavam mais baixas - um galho em forma de forquilha de cada lado e colocou dois pedaços bons de carne num espeto. Pôs os dois pernis do dingue nele e colocou em sima das fuorquilhas - a moda dos desenhos animados infantis.

- Gosta de pernil de dingue na brasa?

- Claro, mas prefiro lagosta.

- Claro! Temos aqui um descendente legítimo do povo-do-mar - Vinci não entendeu nada, sentiu-se um desculturado.

- O que quer dizer exatamente?

Estavam sentados em seixos que encontraram nas proximidades.

- Falo do povo de Mastro Forte claro... - disse Ciquem levantando-se e jogando o resto do dingue para Delaina que o pegou no ar, engolindo tudo com a velocidade de um cão esfomeado. - Vocês descendem do Norte de Dol Sirim, de onde herdaram todas as artes e habilidades em pesca, embarcações e todo o resto. Mas não é só disso que estou falando. Seu nome é Vinci Laipotem, e isso significa que você é do Norte, não um descendente de tempos esquecidos. Você é filho de Trintem Laipo...

- Sim, o Cavaleiro Marinho... o senhor da loja de barcos me falou isso... [hunks! Parece que faz séculos - pensou] mas o que quer dizer?

- Quer dizer membro do exército Marinho de Dol Sirim. Seu pai já cavalgou um Golfinho de Lundar. E é um descedente direto do Povo Livre de Holigard . É o que significa. E você como filho dele, isso está no seu sangue e no seu coração. Você não pode fugir. Assim como eu não posso fugir de ser um olíre.

- Você conheceu meu pai não foi?

- Sim éramos amigos antes de sua queda, se permite falar desta forma. Mas ficamos quarenta anos sem nos ver.

- Você só pode tá brincando... Você não parece ter mais de trinta anos.

- Mesmo? Eu agradeço sua generosidade. Eu era jovem quando conheci seu pai. Devia ter uns cem anos apenas...

- Haha, você é engraçado.

- Sou as vezes...

Ciquem retirou o espeto e verificou a carne. Tinha um cheiro excelente. É que a carne assada com madeiras daquelas árvores - as Celicácias - não precisava nem ser temperada, a fumaça era o tempero.

Comeram calados enquanto Dalaina se empoleirou numa elevação rochosa perto dali. Soltando de vez em quando um piado agudo. Continuava com seus olhos a observar cada minúscula criatura que se movia nas terras abaixo.

Davyson F Santos
Enviado por Davyson F Santos em 01/05/2009
Reeditado em 29/06/2011
Código do texto: T1570857
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