O FIM DE UMA LONGA ESPERA

São cinco horas da manhã. Da janela do seu quarto, Rachel delicia-se com os primeiros raios de sol que iluminam a natureza ao seu redor. Para ampliar sua visão, afasta as alvas cortinas e a luz, que emana do astro-rei, sem cerimônia, adentra o cômodo onde se encontra esta jovem e solitária mulher.

Há cerca de meia hora, languidamente, espreguiçara-se, sentara em sua cama e, em seguida, fora até o seu observatório particular. O conforto dos lençóis de cetim era um convite à sua permanência no leito. No entanto, ela gostava do sol e seus raios a atraíam. Por isso permanecia ali, de pé, contemplando aquela maravilha divina. Apesar do encantamento que a paisagem estava lhe proporcionando, ela estranhou toda aquela claridade, pois a sua região encontrava-se no período chuvoso. Seu sexto sentido previu que algo importante iria acontecer. Então, sentiu um arrepio percorrer sua coluna vertebral. O que o destino lhe preparara? – Ficou a conjeturar enquanto deslocava-se até o banheiro para realizar sua higiene matinal. Tinha um compromisso. Não podia ficar a manhã inteira a extasiar-se. Despiu-se e optou por um banho de imersão. Permitiu que a água e os sais de banho entrassem em contato com cada poro e os purificassem. O calor inesperado, daquela manhã, e o contato com a água fria e perfumada despertaram desejos em seu corpo desnudo. Cada centímetro tocado por suas mãos pequenas e delicadas “reagia” prontamente. Corpo e mente estavam no período fértil. O impulso sexual aflorava e as fantasias proliferavam. Durante o banho chegara a contorcer-se de prazer ao comprimir sua rosa que ansiava por aquele cravo idealizado.

De súbito, levantou-se, vestiu o seu roupão macio e escolheu um conjunto moderno para vestir. Nos pés, calçou sandálias tipo plataforma – as suas preferidas. Perfumou-se. Não gostava de maquiar-se. Apenas um batom suave realçava o contorno dos seus lábios. Olhou-se no espelho. Gostou do que viu. Faria o desjejum no seu local de estudo. Ainda febril, em consequência da lubricidade, procurou direcionar seu pensamento para as tarefas que teria de realizar no decorrer do dia. Sempre usava essa “técnica” quando o seu corpo “reclamava” devido aos desejos da carne.

Relativamente jovem, exibia uma compleição de altura média e dentro dos padrões convencionais de beleza. No seu rosto, de pele clara, emoldurado por cabelos crenulados da cor de mel, um par de olhos escuros, expressivos e ternos, um nariz afilado e lábios carnudos e sensuais. Seus pequenos e rijos seios lembravam os de uma adolescente, mas sua mente era de uma maturidade e uma inteligência acima da média. Amante das letras, além do gosto pela leitura, também fora iniciada na arte de escrever – atividade que levava a efeito com desenvoltura.

Apesar de todas essas qualidades, ainda não encontrara a sua alma gêmea. Era assediada com certa frequência – isso era verdade – mas dispensava todos os pretendentes com firmeza e diplomacia. Não era adepta do “ficar”. Valorizava-se. Na realidade, ela sempre acalentou um sonho: encontrar o seu ideal de amor que, inclusive, já “vira” em um de seus devaneios. Metódica, memorizou cada traço daquele deus grego e fantasiou o som de sua voz máscula e grave. Até aquela data, ninguém jamais se encaixara no modelo ideado.

Por anos a eito, ela tem esperado, paciente e literalmente, pelo homem dos seus sonhos.

Neste dia especial, resolveu fazer o percurso a pé. A instituição ficava a algumas quadras de sua residência. À medida que caminhava, sentia o sol irradiando, abundantemente, luz pelo seu caminho. Tudo parecia mais colorido. O céu ostentava um azul deslumbrante que era potencializado pelos feixes de luz solar. As flores, de diferentes matizes, nos jardins, exalavam perfumes inebriantes, para o seu olfato apurado. Os pássaros cantavam alegremente e, por onde passava, Rachel distribuía sorrisos contagiantes que eram retribuídos com prazer. Não sabia explicar a razão daquele estado de espírito. Estava feliz - imensamente feliz.

Finalmente, chegou ao lugar para o qual se dirigia. Entrou no recinto e a visão que teve a fez paralisar. Entorpeceu-se. Não podia acreditar... Diante de seus olhos materializou-se o homem dos seus sonhos. A reprodução era fiel, quase perfeita. Praticamente, não havia o que tirar nem pôr a não ser por um pequeno detalhe que ela constatou e aprovou, imediatamente: era jovem.

Maravilhoso e jovem! Sim, ele era ainda bastante conservado para a sua idade – como se não bastassem todos os demais atributos –, o tempo parecia não ter passado para ele. Finalmente, o destino os colocara frente a frente, pensou. Era lindo! Os olhos tinham a mesma cor dos cabelos dela. Seus traços eram bem delineados. Os lábios pequenos tinham um contorno incomum e a forma como ele os mordiscava os tornava irresistíveis. Olhou para ele e balbuciou: “Estive esperando por ti. Quando chegaste?”

Ao ouvir aquela frase, aquele tesouro peregrino – de nome Mikhail - a olhou com um misto de curiosidade e estranheza. Sem esperar pela resposta, e com as pernas trêmulas, ela caminhou rumo às cadeiras e tomou assento. Percebeu que ele olhava, insistentemente, em sua direção e, fez um esforço enorme para manter um diálogo sobre amenidades que, depois da fala dela, ele resolveu iniciar, sem, contudo, responder-lhe a pergunta inicial. Ela, por sua vez, estava mais interessada em ouvir a voz dele – não importava o que dissesse, pois estava enfeitiçada por aquela presença. Sentia prazer em ver aqueles olhos ora percorrendo ora pousando em seu corpo inteiro. E que olhar! - Era um poço de magnetismo e, naquele momento, era ela o seu alvo.

Seu coração estava descompassado. Ainda não se refizera da emoção. Hipnotizada, não percebera o passar dos minutos. Infelizmente, o tempo de espera evaporara. A palestra foi iniciada e eles tiveram que suspender, temporariamente, o seu colóquio.
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Naquela manhã, como sempre fazia, Mikhail levantou-se de sua cama, em seu aconchegante quarto de homem solteiro, dirigiu-se para o banheiro, escovou seus dentes, lavou o rosto, voltou, abriu o seu guarda-roupa e retirou o moletom de caminhada, vestiu-o e, depois, pôs a calça de educação física, os tênis e saiu para a sua caminhada matinal. Eram 05h00min.

Entretanto, neste dia, em especial, ele acordara diferente, com uma estranha sensação de que o seu dia seria mais completo, exclusivo. Sonhara, na madrugada, que um anjo de asas branquinhas lhe acariciara de uma forma distinta, como a predizer que algo haveria de acontecer para tornar sua vida mais feliz, mais alegre.

Com este pensamento ele fez a rotina de seus exercícios, andando os cinco quilômetros diários, contornando uma praça próxima ao seu prédio. Quando voltou para o seu apartamento, o relógio de parede já apontava as 07h00min da matina.

Enquanto tomava seu banho, seu corpo reagiu ao ser tocado por suas mãos. Foi uma sensação boa, porém diferente das sensações anteriores. Desanuviou o pensamento tentando se concentrar na retirada do xampu e do sabonete do seu corpo. A duras penas conseguiu se controlar e não se deixar levar pelos devaneios próprios de quem estava excitado. Acabou o banho, secou seu corpo com a velha toalha felpuda e saiu do banheiro.

De volta ao quarto, ele lembrou-se que tinha uma palestra para assistir. Era sobre um assunto que lhe interessava e que tinha sido sua paixão por anos: a educação com adolescentes. Abriu o guarda-roupa e ficou a observar as camisas enfileiradas. Era organizado. Trazia tudo bem arrumado, por cores e não admitia (para si mesmo) deixar suas roupas de qualquer maneira. Olhou para uma camisa azul. Era muito bonita aos seus olhos. Gostava do azul. Vestiu-a e achou-se confortável dentro dela. Optou por uma calça jeans, também azul. Cinto preto e sapatos e meias pretas completaram a vestimenta.

Terminou de se arrumar, passou perfume nos lugares adequados do seu corpo, penteou os cabelos, pegou sua agenda de anotações, alguns livros sobre o assunto que ia ouvir, uma revista semanal de informações e saiu do seu apartamento.

O dia estava esplêndido, com um sol que brindava seus súditos com uma energia positiva e, ele, como sempre fazia, pôs-se a cantarolar uma velha música do rei Roberto. Sem perceber, ainda, ele estava indo ao encontro da sua felicidade.

Caminhando e cantarolando, Mikhail ia dando bom dia aos passantes como ele. Avistou, mais na frente, um casal de namorados que se beijava, na despedida de um deles. Eram beijos e abraços apaixonados, próprios de quem descobrira o amor recentemente.

Mikhail suspirou ao ver a cena. Apesar de ser um homem relativamente atraente, ainda não conseguira encontrar o seu par ideal. Das mulheres que conhecera, nenhuma delas o fizera suspirar, nem tampouco sentir aquele frenesi, próprio de quem estava cheio de paixão. Alguns amigos diziam que o amor traz, atrelado a ele, esse arrepio trêmulo. Ele nunca sentira isso.

Quando chegou ao seu destino, parou de pensar na sua carametade. Apesar dos pesares, amara, à sua maneira (mais respeito e carinho que amor), todas as mulheres que conseguira conhecer. Se não tinha ainda encontrado o verdadeiro amor, tinha, sem sombra de dúvidas, sido amado por todas as mulheres que conhecera. Sorriu e agradeceu, interiormente, a sua sorte de apenas ter conhecido mulheres excepcionais.

Quando abriu a porta do auditório de palestras, deparou-se com o anjo que lhe visitara durante a madrugada, em sonhos. Da visão que tivera, somente as asas não faziam parte do visual dela. Era o modelo de mulher que sempre quisera. Branca, de pele sedosa, cabelos cor de mel, e olhos que denotavam uma inteligência de mulher criada no conhecimento; seu corpo era do tipo falso magro, seios arredondados encobertos por uma blusa fina de algodão e seus olhos, que agora lhe fitavam, eram os mais lindos que já vira em toda sua vida.

Mikhail teve um sobressalto. Arrepiou-se de novo. Sentiu um imenso desejo e quase chegou a ter uma ereção, naquele momento, tamanha foi a sensação lasciva que tomou conta do seu corpo. Seus olhos a olharam profundamente, lá dentro de sua alma e, quando lá chegou, foi recepcionado como um imperador, como o provável dono daquele universo.

Instintivamente, ele recuou – por educação, porém, pensou ter ouvido algo, pronunciado por ela. Não entendeu o seu significado, pois saiu em murmúrio, quase inaudível. Só percebeu que o olhar que ela lhe lançou foi o de aceite por seu olhar.

Ela procurou o seu lugar na platéia e, ele, Mikhail a seguiu. Conversaram amenidades, coisas do encontro, de educação, da palestra. Porém, seus olhares percorriam cada pedaço de cada um, revelando-os.

Infelizmente, foram interrompidos pela chegada da comissão organizadora do evento, das autoridades e do palestrante. Feitas as apresentações, deu-se início a exposição do tema programado.

Todavia, isso não impediu os olhares, disfarçados ou não, durante todas aquelas horas nas quais dividiram espaço e ar. Não havia como negar: a atração fora instantânea e o pronto reconhecimento dela não deixava margem para dúvidas. Certamente, naquele dia, iniciava-se uma linda história de amor. No intervalo, trocaram endereços eletrônicos e números de celulares.
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Rachel, quando terminou seus compromissos do dia, voltou para casa. Estava deslumbrada com o acaso que vivera. Tinha tido o prazer de encontrar sua alma gêmea, sua carametade, sua chama da paixão e, por isso mesmo, flutuava em nuvens de sonhos a serem realizados.
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Mikhail, quando acabou o debate, que sucedeu a palestra, ficou a conversar com um companheiro educador e não viu quando Rachel saiu do recinto. Isso, no entanto, não tirou o brilho dos seus olhos, pois o mais importante já havia sido dito, em muitos dos casos, de forma silenciosa, através dos olhos da alma e da recepção do coração. Além do mais, pensou ele, seu e-mail e o número do seu celular já se encontravam com ela, o que denotava que, logo em seguida, iria receber notícias de sua alma gêmea.
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Nos dias que se seguiram, cambiaram informações, revelações e juras. O primeiro encontro, a sós, fora marcado. Era inevitável e era tudo o que eles almejavam. O sentimento que os ligava exigia também a aproximação dos corpos – já que suas almas estavam, irremediavelmente, atadas.

Chegou o grande dia. Detalhe: era antevéspera do aniversário dele. Rachel preparou-se com cuidado excepcional. Escolheu um vestido azul que deixava à mostra a brancura de suas pernas – algo que ele apreciava – diferentemente da maioria dos homens, que preferiam mulheres bronzeadas, o seu príncipe tinha verdadeira loucura por pernas alvas. Ela sorrira – satisfeita e aliviada – no dia em que ele lhe revelara essa sua preferência. Motivo: ela raramente ia à praia e suas pernas eram muito brancas. Com o passar do tempo e a cada detalhe, ficava mais convicta de que o destino lhe mandara a pessoa certa, a sua outra metade.

Constatara, depois, que tinham muitas coisas em comum e o que os diferenciava, os completava. Juntos eram imbatíveis – ela dizia e ele concordava. Na hora e local combinados, encontraram-se. Seus corpos tremiam. As mãos estavam geladas e úmidas. Seus corações batiam freneticamente. Puderam sentí-los, mutuamente, enquanto se uniram num longo e caloroso abraço, seguido de dezenas de beijos. Foi uma explosão de querer, de paixão e de prazer. Não podiam mais ficar naquele local. Saíram em busca de um éden para realizarem seus sonhos e fantasias mais íntimos. Encontraram-no. Um recanto discreto e acolhedor. A entrega foi total: sem reserva, resistência ou censura. O encaixe, perfeito. Rachel tinha razão: Mikhail, realmente, era o homem dos seus sonhos. Sua longa espera chegara ao fim. Lá fora, a lua e as estrelas iluminavam o cenário paradisíaco no qual se dava a mágica da fusão de dois seres predestinados - uma prova incontestável de que o amor existia entre eles.





 
Obs. Imagem internet

Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 26/04/2009
Reeditado em 19/01/2013
Código do texto: T1560629
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