AMOROSO

A casa é cercada de gasto verde - pé de jambolão na entrada - próximo à cerca - mato queimado nos lados e um tanto de poeira aonde o silêncio teima em buscar sombra O tempo corre no abano desengonçado dos galhos a derrubar frutos no chão carmim Nenhuma voz além o pio de insetos e pássaros coloridos e o cantar das redondilhas O sol menor se faz pela sombra ofertada do centenário jambolão

Amoroso em casa se veste de sonhos Sobrado de quatro cômodos: sala e quarto e cozinha e banheiro Livros de Poesia espalhados na estante e criado-mudo e mesa e sofá e pia Florbela Espanca Lara de Lemos Presciliana Duarte de Almeida Francisca Júlia Adalgisa Néri Colombina Cecília Meireles Zalina Rolim Henriqueta Lisboa Gilka Machado Lila Ripoll Virginia Vitorino Cora Coralina outras amontoadas nos quatro cantos da casa Um livro do Bandeira e a obra completa de Maciel Monteiro fazem vistas aos olhos desligados do amoroso homem daquela casa

Elementar dizer que Amoroso se deliciava com Vinícius de Moraes Queimou-o na última desilusão amorosa quando jurou não mais dizer: - eu te amo! O que se constatou inverídico tão logo nasceu o primeiro verso de seu último escrito intitulado: EU TE AMO! MEU GRANDE AMOR!

Poeta será ele? Pensara uma mulher que um dia fizera faxina em sua casa e lera uma quadra caída no chão que assim dizia:

no silêncio e solidão

escuto meu pensamento

ele pede permissão

para ser recolhimento

e como lhe dei um sim

noites e dias da Vida

algumas vezes em mim

fez-se a poesia sentida

E assim se fez... em certa ocasião quando Amoroso esperou a Primavera acontecer em plenitude e saiu de casa (uma raridade do acontecer) e foi ao jardim público se inspirar nas flores e inspirando dos seus perfumes inspirado declamou assim:

uma rosa no jardim:

um olho pro coração

outro olho a sonhar que enfim

é primavera a paixão

E assim se fez... em outra distante Primavera onde abruptamente se apoderou da imaginação Amoroso que inspirado declamou assim:

todo sol na imensidão

lembra você meu amor

brilhante constelação

que me ilumina onde for...

Casa esquecida na rua vazia da cidade Imaginária onde se planta a vida e se colhe versos em cada centímetro dos seus aposentos Casa da Poesia onde Amoroso sonha encontrar a felicidade no poema desenhado na imaginação Casa onde o tempo estacionou na melodia de um verso declamado ao vento no ritmo da redondilha por um homem amoroso e só