O SORRISO DO DIABO
O calor era insuportável. Ninguém se move além do necessário para buscar alívio numa sombra. Não há vento, só o sopro quente como o próprio diabo bafejando. João sente o suor brotando em sua testa e braços enquanto soma as notas rabiscando freneticamente quase quebrando a caneta. O sal do corpo arde em seus olhos, ele deseja estar longe dali. Mas é preciso terminar as notas antes de o caminhão ser carregado, para poder, finalmente arrancar a camisa que lhe gruda nas costas empadada de suor e mergulhar no igarapé que corre lento e silencioso na mata próxima. Se passam mais alguns minutos e a ultima nota é preenchida. João recolhe tudo, vai até o caminhão para uma ultima conferida na carga – "madeira beneficiada" - ele pensa com seus botões - chega bem perto da carga, observa as amarras, corre os seus dedos pelas tábuas ásperas e sente o veio da madeira – mesmo depois de seca ainda tem um cheiro bom. Tudo está correto e os caminhões podem seguir. Ele sorri pensando na cerveja gelada – só a cerveja gelada para refrescar a garganta e um banho de rio co'a minha Maria. Fica alguns intermináveis segundos olhando o céu e a quietude das coisas. Esse instante mágico é interrompido por gritos e um apavoramento local, faz com que todos saiam correndo para os fundos do barracão. João segue junto com os demais trabalhadores da serraria e seus olhos se apavoram ao ver a fumaça negra soprada pelo vento. –“Incêndio! Incêndio"!, alguém grita trazendo a realidade para todos. A cortina de fumaça se levanta a alguns quilômetros adiante e a mata castigada pela seca, arde em labaredas imensas e o que se ouve ao longe, são as explosões da mata sendo consumida.O vento traz um sopro forte e quente enquanto muda a direção do fogo. João sente um arrepio gelado correr pelo corpo e abre a boca num grito doloroso ao perceber que Maria, está na linha do fogo. Lembra-se rapidamente de um sorriso e de um beijo. Lembra-se dos olhos, se lembra do amor e das horas passadas num sem fazer nada fazendo tudo. Bate o desespero e ele corre até a caminhonete tomando a direção da boca do diabo. Enquanto dirige, vai tentando falar com a Natureza Divina, quase numa suplica ele pede –“Desvia o fogo! Desvia o fogo”! E a caminhonete segue a solavancos pela estradinha aberta na mata que leva até a clareira, onde ela está. O fogo arde e lambe cada vez mais perto derrubando árvores, explodindo fagulhas e morte. Os pássaros fogem em bandos, animais se atropelam buscando proteção. João só tem um pensamento - Ela está sozinha! O fogo está perto demais, desvia fogo! Desvia! - a caminhonete solavanca pela estrada e ganha terreno, mas o sorriso do diabo é maior e o fogo engole tudo, a clareira e a casinha simples, feita de madeira beneficiada e adornada com detalhes de palo santo que deixava tudo com cheiro bom. Ele pára a alguns metros da pequena clareira no momento exato em que uma gigantesca árvore oca explode como um canhão, lançando línguas de fogo cai, impedindo completamente a passagem e qualquer tipo de ajuda. O mundo gira diante dos seus olhos. O sorriso dela, os olhos, os cabelos, os beijos, o cheiro do corpo depois do amor. Maria! Maria! Mariaaaa... A casinha pequena é engolida pelo fogo. João não sente mais nada, não vê mais nada, tudo é fumaça enquanto o diabo sorri mais uma vez.