Bárbaros (parte 1)
Os muros altos impediam o acesso à cidade, pequenas figuras eram vistas patrulhando sobre a muralha, a salvo das flechas inimigas que de vez em quando eram disparadas em uma vã tentativa de causar alguma baixa ao povo sitiado.
O general caminhava a passos firmes na direção do aríete que foi montado próximo ao único portão de acesso. Ou entrariam por ali, ou morreriam de fome fazendo esse cerco, eles e os sitiados. Não havia outra forma de entrar ou sair, ou pelo menos, não havia conhecimento de nenhuma outra.
Dez homens com grossas cordas amarradas na cintura puxavam com força o tronco grosso e afiado. A ponta revestida com metal quebraria o pesado portão, nem que os soldados tivessem que passar a noite toda se revezando naquela função desgastante.
As botas de combate amassavam com força a grama já pisoteada que cobria o solo escuro. Um passo de cada vez eles avançaram, puxando com força a tora. O suor escorria pelo rosto dos fortes homens sob o sol escaldante do meio dia.
O general retirou seu elmo e coçou a cabeça pensativo, já fazia dois dias que estavam ali, o mensageiro enviado para declarar a guerra havia voltado sem o braço que carregava a mensagem, e sem a língua que usara para xingar os fétidos que o maltrataram.
O comandante lembrou-se da cena repugnado, o sangue já coagulado cobria as vestes do mensageiro que fora desarmado, ele andara apenas seis passos para fora do portão - passos provavelmente impulsionados por algum empurrão – e caiu de boca no chão duro engolindo poeira. Nada precisava ser dito para saber o que acontecera.
As cordas foram soltas e o rangido das correntes metálicas ecoou quando o aríete bateu contra o portão que chacoalhou, mas não mostrou dano algum.
- Novamente homens! Vamos derrubar essa barreira imprestável! Quero esmagar alguns ossos ainda hoje! – o comandante bradou cuspindo ao chão em seguida.
O céu estava limpo, e ele observou os cerca de oito mil homens que estavam a sua frente, era a força que ele trouxera para dizimar aquela cidade. Ele lembrava-se da história, era apenas um jovem oficial, dez anos antes, quando um navio havia aportado em segredo na baia que ficava ao norte de onde eles estavam. Dentro dele, bárbaros, mulheres e crianças.
A região era inóspita, quando o inverno chegava tudo em centenas de milhas era coberto por uma grossa camada de gelo e neve, nada podia ser produzido ali, não havia possibilidade de vida, por isso fora sempre um lugar esquecido pelo rei, até agora.
Aqueles bárbaros haviam construído a cidade, e como falharam em se auto-sustentar, os homens começaram a saquear as vilas próximas, destruindo a vida dos súditos do rei, e era para aniquilar os perturbadores da paz que aquela tropa foi enviada. A missão tendia a ser fácil, por isso ele a aceitou sem se preocupar demais, mas tudo se complicou quando descobriram as fortes muralhas de proteção em volta da cidade.
As rugas de preocupação juncavam a testa dele, sem que ele percebesse sua própria expressão, os cabelos já possuíam uma tonalidade grisalha devido aos muitos fios brancos adquiridos nos quarenta anos de vida.
O som de cascos fez suas orelhas ficarem em pé, ele virou-se rapidamente na direção do som. Eram três cavaleiros, batedores e informantes do rei. Ele caminhou ao encontro dos recém-chegados que desmontavam de lustrosos cavalos brancos.
- General Luck! Avistamos quatro navios corsários entrando na baia hoje pela manhã. Mensageiros foram enviados para pedir reforço naval e terrestre à capital, mas talvez ela não chegue a tempo, calculamos que os navios aportarão por aqui a qualquer momento.
- Que merda! Quatro navios?! Esses desgraçados estão trazendo todos os seus bastardos pra morar na nossa ilha? Ah como eu quero esmagar eles, um a um! – ele fechou o punho para conter a raiva, precisava pensar.
- Você tem quantos homens aqui? – outro dos cavaleiros perguntou.
- Apenas oito mil, seriam suficientes para sobrepujar as forças que eles têm aqui agora, mas não prevíamos que ficaríamos presos do lado de fora tanto tempo. Senão já estaríamos em casa bebendo vinho e festejando a vitória.
- Oito mil não serão suficientes! Corsários não trazem navios vazios, aqueles ali devem estar abarrotados de guerreiros bárbaros sedentos de sangue! – o terceiro comentou irritado.
- O que você sugere que eu faça? – Luck olhou indignado para o homem.
- Recue seu desgraçado! – o primeiro voltou a falar, dessa vez ordenando.
- Não tenho ordens para isso! – Luck defendeu-se.
- E vai deixar oito mil homens morrerem por que não tem a droga de uma ordem? Ah, como eu odeio subordinados!
- Acalme-se Duth! – o segundo homem segurou o braço do primeiro e puxou-o para trás – O exército está sob seu comando, faça o que sua consciência considerar mais prudente, mas não espere reforço!
Os três cavaleiros viraram-se e tornaram a subir nas montarias, deixando Luck com um fardo maior que poderia carregar jogado sobre seus ombros, um presente dos infernos!