O Cetro dos Mortos - Parte I (2)

O Cetro dos Mortos

Bener enfrentou bravamente todas as adversidades da viajem até o Continente de Vallis, até que desembarcou, carregando pouca bagagem e algumas armas. Conhecia pouco da língua nativa, e só sabia alguma coisa graças a seus estudos desenvolvidos, com apoio de sua mãe, desde os catorze anos. Estava sujo e mal tratado, aparentando mais idade que tinha realmente.

Ficou um tempo numa estalagem barata, até arrumar algumas coisas e livrar-se de outras. Daí ele vagou por mais alguns dias e parou em uma taverna. Aquele lugar tinha aspecto decadente, cheio de beberrões e cafajestes de todo o tipo, e lá encontrou alguns bandoleiros que pretendiam roubar um carregamento de ouro dos impostos cobrados recentemente na região, que lhe ofereceram uma participação no assalto. Bener aceitou, mas não revelou a seus novos colegas sua natureza de Homem Tigre. Com ajuda de Bener, que demonstrou um grande senso estratégico, o assalto foi bem sucedido e o bando decidiu separar-se, cada um levando sua parte. Bener enterrou a maior parte ao pé de uma certa rocha, na Floresta próxima de Theredan, mas levou um pouco para gastos de viajem. Posteriormente, o aventureiro sentiu-se mal por participado de um crime, e então prometeu a si mesmo que não mais seria levado a cometer atos ilícitos por mero desejo de aventura.

Caminhando por uma praia cheia de rochedos enquanto tentava chegar à vila mais próxima, Bener decide pescarpois teve fome. Usando um tridente improvisado com uma vara de caminhada, o aventureiro fisga algo bem maior que seu apetite de Tigre: A calda de uma Hidra de mais de seis metros de altura! Ele luta com a criatura e, unindo força e astúcia (atrevidamente, na forma humana!), escondendo-se nas rochas, atacando e voltando a se esconder, quase a derrota.

Bener já havia derrubado sete das oito cabeças da Hidra, que já estava sucumbindo, então resolveu subir em um rochedo e saltar sobre a cabeça que sobrou, fendendo-a com sua grande espada. Porém, no momento em que o confiante guerreiro saltou, a Hidra, aparentemente incapaz de se mover com agilidade, parece ter guardando alguma força dentro de si, pois desviou rápido como um raio, recebendo apenas um corte relativamente leve no tronco. Bener, por sua vez, foi ao chão.

A Hidra investiu furiosamente com a boca escancarada exibindo dentes de dez centímetros. Mas mal ela completou metade do movimento, seus grandes olhos perderam-se no vazio, ficaram vítreos e sem graça, pois não havia mais vida neles...

Quando a cabeça do monstro despencou com seus seis metros de altura, Bener pôde ver a figura de um Homem alto e magro, segurando um bastão prateado, de roupa branca e capa branca por fora, escarlate por dentro. Ele flutuava no ar e podia fazer isso rapidamente, e seu punho direito parecia estar em chamas, combinando com a nuca da última cabeça da hidra, que fumegava.

O mago se apresentou como Karuk, mas Bener não ficou muito feliz em conhecê-lo: Estava, desta vez figurativamente, uma fera! Estava furioso por Karuk ter se metido em sua luta contra a criatura mais poderosa que ele já havia enfrentado, e quando mais Karuk dizia coisas em sua defesa, até mesmo dizendo que já estava perseguindo essa criatura a dias, tentando saber porque ela agia como se fugisse de algo, mais Bener dizia imprecações. Karuk perdeu a paciência. Disse que não pediria desculpas por ter salvado a pele de Bener. Virou as costas, disse algumas palavras que Bener não entendeu e voou feito um falcão, sumindo atrás dos rochedos.

Mesmo tendo a ajuda do já razoavelmente conhecido Karuk, Bener não ficou totalmente desmerecido. Quando os populares descobriram o corpo da hidra, ele ganhou fama de matador de monstros, atraindo a atenção de Alex, mercenário free lance, que o desafiou para um duelo, numa espécie de jogada publicitária. Alex temia perder possíveis negócios para o jovem novato.

Este era um homem de hábitos estranhos, considerava o combate em si uma paga melhor que ouro pelos serviços que fazia. Era um guerreiro como poucos, mas era bravateiro, sádico e costumava matar oponentes que sobrevivessem a um de seus ataques, mesmo estando esses já indefesos.

O desafiante de Bener marcou o duelo na floresta, até o primeiro sinal de sangue. Como cabe ao desafiado escolher as armas, o homem tigre escolheu espadas.

Alex, que era temido por sua malícia em combate, lembrava uma cobra de bote certeiro, quando brandia um sabre. Esquivou-se dos primeiros golpes e na primeira oportunidade usava galhos baixos das árvores para atrapalhar os golpes de Bener, enquanto atacava com estocadas fulminantes por entre as brechas. Alguém menos veloz que Bener teria morrido, pois as estocadas sempre miravam coração, pescoço e até mesmo os olhos.

Prosseguindo com seu astuto plano combativo, Alex conduziu seu oponente até uma área cercada de árvores espessas, um local escuro, onde as copas das árvores encontravam-se criando uma impenetrável barreira aos raios solares. Alex prosseguia apenas bloqueando e esquivando dos golpes de Bener, até que chegaram próximos de um local onde uma abertura na copa das árvores deixava um largo facho de luz penetrar. Os olhos de Bener, já acostumados com a escuridão do local, foram sua grande desvantagem. Alex se atirou para a área iluminada, sendo seguido pelo oponente, atraído por uma fingida abertura de guarda. Então o experiente combatente saltou para um dos galhos mais baixos de uma das árvores, levando Bener a olhar para cima e ferir as vistas. Silencioso feito uma cobra, Alex aproveitou o momento de cegueira de seu alvo para se mover entre os galhos, tomando posição para um ataque sem chance de defesa.

Alex sabia o que é ter sentidos aguçados, pois ele mesmo os tinha. Mas esse não é o forte do ser humano, em comparação aos animais, e seus pontos fortes, como qualquer pessoa, por mais aguçados que sejam seus sentidos, são a audição e a visão. Por isso Alex se preocupou em criar capacidades que burlassem qualquer sentido, em especial esses dois, o mais fortes de seus oponentes. Sabia ser mais rápido que o olho e extremamente silencioso. Sabia que Bener nem o viu, nem o ouviu. Tinha certeza disso e estava confiante. Tão confiante que só pensou em olfato quando já estava saltando sobre seu oponente: o vento estava a favor de Bener!

Sim, Bener, como homem tigre, um felítropo, tinha o olfato de um felino. Alex de fato tinha enganado sua visão e audição, mas Bener percebeu seu estratagema. Mesmo assim Bener apenas pôde definir de onde vinha o ataque no último instante.

Alex Saltou sobre ele com um golpe lateral armado contra o crânio, pelas costas. Bener inclinou-se para trás e impulsionou o corpo com o que mais parecia um coice no chão, dando um salto mortal curto e rápido. O resultado disso foi que Alex pousou em pé de costas para Bener. Em desespero, Alex virou-se tentando erguer a lâmina em posição defensiva, mas seu movimento foi frustrado, pois Bener segurou o sabre do outro com sua própria espada, com a mão direita, e com a esquerda desferiu um soco devastador no nariz de Alex, fazendo-o cambalear e cair de joelhos, engasgando com o próprio sangue, que escorria pelo rosto e mãos. Eis o sinal que confirmava a vitória de Bener!

Como se não bastasse ter desafiado Bener para um duelo motivado pela vaidade e cobiça, trapaceado e tentado matá-lo covardemente, Alex ainda ofereceu sua amizade ao aventureiro, quando se recobrou do golpe. Mais estranho ainda foi o fato de Bener ter aceitado. Isso ocorreu, talvez, porque os estratagemas de Alex se identificavam bastante com a natureza felina de um Felítropo. Claro que Bener foi imensamente cauteloso, já que Alex era mais traiçoeiro que cobra criada, mas iriam acabar se admirando mutuamente.

Bener mentiu quando Alex lhe perguntou a idade, dizendo que tinha vinte e um anos. Afinal, ele poderia ficar irritado se descobrisse que perdeu para alguém seis anos mais novo, um garoto. Sua aparência mal tratada e seu corpo avantajado davam certa plausibilidade a sua mentira. Em hipótese nenhuma revelaria sua verdadeira raça. De qualquer modo, Bener e Alex ficaram em estalagens diferentes, apesar de Alex ter proposto que ficassem na mesma. Bener rejeitou a proposta alegando ter pagado adiantado. Desconfiança não morre fácil, mas Alex já estava acostumado com suspeitas e podia perdoar. Não que cautela costumasse salvar a quem ele realmente quisesse matar...mas dessa vez Alex estava sendo sincero.

Poucos dias depois do duelo entre Bener e Alex, o céu ficou estranho. Nuvens negras cobriram todo o firmamento. Uma chuva caudalosa caiu durante um bom tempo. Os animais ficaram agitados.

Horas depois da chuva, Bener foi acordado no meio da madrugada por uma algazarra em frente a sua hospedaria. Eram dezenas de aldeões assustados. Queriam a ajuda do notório matador de monstros. Diziam coisas sobre mortos se levantando e sobre uma certa Falange. Bener os acalmou como pode, mas só se satisfizeram quando ele disse que verificaria.

Foi até a estalagem de Alex e descobriu que a turba já havia passado por lá. Na verdade uma parte dela ainda se encontrava em frente ao estabelecimento. Bener notou que a turma se dividia entre admiradores de Bener e admiradores de Alex.

Pouco tempo depois, Alex surgiu na porta ostentando uma armadura de couro negro. Alex se juntou a Bener e rumaram até um lugar que Alex chamava de Sepulcro Maldito.

Bener indagou sobre a história. Alex esclareceu que uma turma de bandidos sanguinários cometeu inomináveis atos de violência nessa região, anos atrás. Salteadores conhecidos apenas por A Falange, que se comportavam como demônios. Escondiam-se na floresta, onde estupravam e torturavam seus reféns e comemoram seus lucros criminosos. Esses assassinos tiveram seu fim há quinze anos, quando o finado Justiceiro Sir Gabriel e seus seguidores invadiram o covil e travaram uma batalha sangrenta. Mas, contra a espada palatina de Gabriel, nenhum mal podia resistir. Gabriel ordenou que todos fossem executados lá mesmo, e seus corpos fossem enterrados com os pescoços quebrados e em volta do local fosse construído um Sepulcro De Vergonha, para servir de exemplo a futuros criminosos e de humilhação eterna da Falange. Mas parece que está acontecendo algo muito estranho nesse lugar. E é para onde estavam indo agora. Bener ia atrás e Alex colocava suas qualidades de rastreador, indo à frente. Ambos carregavam tochas.

Ao se aproximarem da área do túmulo da Falange,uma depressão de uns vinte metros, na parte mais profunda, que a floresta tornava sutil, vista por cima das copas, o luar penetrou por uma brecha que os altos ventos abriram entre as nuvens, iluminando rastros no chão. Bener podia farejar um odor tumular em frente.

Alex disse que os rastros eram de vários homens a pé, porém pareciam muito rasos. Ele resolveu ir para o Sepulcro, que ficava numa parte mais baixa da floresta, cercado de pequenos montes de pedras cobertas de limo.

O Sepulcro era alto, em suas paredes internas e externas havia desenhos da batalha vitoriosa de Gabriel.

Os pesados portões de madeira estavam escancarados. Havia movimentação dentro da construção. Parecia alguém cavando.

Eles apagaram as tochas em poças d’água; iriam usar somente a luz do luar e tentar se aproximar mais do Sepulcro.

Ao chegar próximo a porta, perceberam que quem cavava era extremamente magro, cambaleava e mais quatro semelhantes a ele também cavavam. Um deles largou a tábua com a qual cavava e entrou na vala que havia feito e saiu com um pacote que se mexia soltando rugidos estranhos. A primeira figura sacou algo que parecia uma adaga e rasgou o pacote, e dele saltou outra figura, bem diante dos olhos estarrecidos dos dois aventureiros.

Bener e Alex se afastaram e esconderam-se na escuridão da floresta. As criaturas saíram do Sepulcro e, iluminadas pelo Luar, mostraram-se criaturas decompostas, com as cabeças pendendo dos pescoços, com se estes não conseguissem sustentá-las. Caminhavam seguindo uma trilha que levava para dentro da floresta.

Alex sussurrou uma exclamação: ”A Falange se ergueu dos mortos!”.

Seguindo as cambaleantes criaturas, os aventureiros encontraram uma grande concentração delas. Dizia-se que a falange era composta de mais de cinqüenta salteadores. Usavam enferrujados restos de armaduras e espadas. Quando as criaturas que Alex e Bener viram primeiro se uniram as outras, todas marcharam em direção à vila. Se elas chegassem lá, seriam um terror indescritível! Bener comentou com Alex que elas eram lentas e estúpidas, apesar de numerosas. Combinaram um plano então.

Os dois correram rapidamente e ultrapassaram com grande folga o grupo de mortos-vivos. Ao chegar nos limites da depressão, cujo centro abrigava o Sepulcro da Falange, eles encontraram um monte de pedras de uns quatro metros de altura. Ambos subiram e aguardaram.

As criaturas chegaram marchando silenciosamente. Bener e Alex ergueram pedras de mais de vinte e cinco quilos cada e arremessaram sobre as criaturas, atingindo mais de seis de uma só vez!

Uma série de rugidos horrenda, junto com blasfêmias incompreensíveis se ergueu da multidão de demônios decompostos. Eles tentavam alcança-los sobre o rochedo, mas os guerreiros arremessaram mais rochas, que esmagavam carne seca e ossos enfraquecidos, fazendo fragmentos de crânios e membros saltar para todos os lados.

Mas o número de inimigos era muito grande e logo eles ficaram sem pedras.

Com grande agilidade, Bener e Alex saltaram em galhos das árvores próximas, saltando em seguida no chão, correndo na direção oposta à cidade. As criaturas pareciam tão perversas agora quanto foram em vida, pois passaram a persegui-los furiosamente mostrando-se mais rápidas que o esperado.

A perseguição continuou até que chegaram em um desfiladeiro de vinte metros com um lago no fundo. Sobre ele havia uma ponte de cordas comprida. Fazia parte do plano atraí-los para lá e, depois de fazer com entrassem na ponte e cortar as cordas. Se isso não os destruísse, ao menos os daria tempo para pedir ajuda para exterminá-los de vez.

A tocaia das pedras deve ter impedido de andar pelo menos de quinze a vinte criaturas, mas muitas continuavam correndo sem cabeça ou mesmo com metade do troco estraçalhado.

Bener e Alex correram pela ponte. Mas os rugidos começaram a ficar distantes. Alex olhou para trás: Eles, os mortos, estavam cortando as cordas da ponte!!! Eram decadentes, mas não burros!

Alex gritou para Bener correr, mas a ponte cedeu. Um dos lados caiu e a ponte desceu feito um chicote no paredão oposto. Os dois seguraram-se nas cordas e não caíram. Começaram a subir, mas de repente, uma saraivada de flechas começou a chegar a volta deles. A ponte era velha e a armadura de Alex o tornou pesado demais para suas velhas tábuas e cordas. Em dado momento Alex agarrou-se a uma tábua especialmente fraca. Agarrou-se a uma corda com a outra mão a tempo de evitar a queda. Bener estendeu-lhe a mão, mas momentos antes de suas mãos se tocarem, uma flecha atingiu a mão de apoio de Alex, fazendo-o despencar de mais de dez metros de altura, numa parte rasa do lago.

Bener percebeu que Alex não se mexia, e que algumas criaturas estavam se jogando na água. Não hesitou mais...

O Felítropo saltou horizontalmente alcançando uma parte mais funda, para amortecer sua queda. Logo depois nadou até Alex e o tirou da água. Estava inconsciente, mas vivo.

Verdadeiramente eles haviam subestimado seus inimigos, pois muitos estavam chegando, atravessando a água para pegá-los, enquanto as flechas continuavam caindo. Bener localizou uma fresta de dois metros de largura no rochedo. Arrastou Alex até lá, onde ficariam livres das flechas.

Mais de oito criaturas já chagavam na margem do lago. Bener decidiu não perder mais tempo. Tirou a roupa e iniciou a metamorfose. Todo seu corpo cresceu, pêlos com as cores do Tigre surgiram. Garras apareceram nos dedos. Sua pele e músculos se enrijeceram. Um felítropo em sua forma guerreira!!

Bener saiu da brecha como um tiro de mosquete. Na primeira investida fez uma criatura em pedaços. Em seguida mais duas. Três flechas o atingiram, mas conseguiram no máximo deixá-lo mais furioso.

Notou um troco de mais de trinta centímetros de espessura e dois metros de comprimento no chão. Segurou-o firmemente, gravando as garras. Cada golpe despedaçava no mínimo três criaturas.

Atravessou o lago a nado quando terminou com os inimigos que haviam descido. As flechas pareciam ter acabado. Bener escalou a parede de pedra com as garras e procurou as criaturas que fugiam. Encontrou mais dez dentro do sepulcro, deitadas em suas covas, como se desejassem jamais ter abandonado-as. Trucidou todas com as próprias garras.

Após o frenesi, Bener saiu do Sepulcro para ir ver Alex. No calor da batalha acabou deixando-o só. Mas subitamente parou: havia farejado algo contrastando com o cheiro de mortos. Com um rugido desconfiado olhou em volta para ver de onde vinha o agradável cheiro de mirra.

Do alto das árvores descia uma figura totalmente vestida de branco, segurando um bastão prateado com um desenho de águia. Era Karuk. Ele tinha um sorriso divertido nos lábios e um bolo de roupas na mão.

Karuk o cumprimentou e entregou as roupas de Bener, que já esva revertendo sua metamorfose, depois falou que Alex estava bem e consciente, mas que não sabia de sua natureza. Disse também que a situação estava pior do que esse acontecimento fazia parecer...

Alex estava aparentemente bem, quando Bener chegou na fresta, já na forma humana e vestido. Karuk o acompanhava.

O mago disse que estava investigando os últimos acontecimentos no norte. Lá existem poucas cidades e é de certa forma um lugar esquecido pelo Império. Lá ficam as Terras Zampú. Houve uma Época em que essas Terras eram ricas e prósperas. Mas ao longo de cem anos corrupção, brigas internas, desastres naturais e pestes que destruíram tudo, hoje é uma região isolada, governada por Lordes tirânicos. O líder é o Barão D’Reavee, conhecido por suas leis duras e injustas.

Ele ainda descobriu que a forte chuva havia vindo das terras de Zampú. Atingiu uma grande área e onde passou houveram casos de mortos que se ergueram de seus sepulcros. Mas o fenômeno parecia se restringir a campos de batalha, vala de condenados e outros lugares de “Maldição Após a Morte.”

Acima de tudo, ele se mostra preocupado. Forças terríveis parecem estar tomando forma ao norte. O Mago pretende viajar em direção as terras de Zampú, tentar descobrir o que está havendo.

Bener não pôde resistir. Era uma grande chance. Ofereceu de pronto sua ajuda à Karuk. Alex os acompanharia, já que se considerava amigo de Bener. Além do mais, fazia tempo que não participava de uma grande aventura.

Assim os três partiram em direção às terras de Zampú. Alex arranjou cavalos e Karuk conservava seu desconcertante hábito de viajar voando. A vila sofreu alguma comoção ao saber que partiriam. Temiam ficar sem proteção. Mas o mago os garantiu que a região estava relativamente segura. “Relativamente”!

Deslocaram-se o mais rápido que os cavalos agüentavam. Em alguns dias estavam nas Terras de Zampú. Árvores mortas em toda a paisagem, nuvens negras cobriam a região. Karuk disse que o Castelo do Barão D’Reavee não ficava muito longe de onde estavam. O Mago tinha plena convicção do envolvimento do ambicioso nobre naquilo tudo.

Um terremoto de proporções moderadas ocorreu, derrubando folhas secas das árvores, enquanto passavam em uma planície com alguns rochedos. Bener aguçou todos os sentidos. Alex encostou o punho cerrado sobre a armadura acima do coração, gesto religioso de invocação de Elianar, o deus dos Guerreiros e da coragem. Karuk olhou em volta preocupado: Um terremoto é sinal inequívoco de que forças antinaturais estavam em ação...

Era necessário descansar. Karuk poderia ter feito esse caminho em uma fração do tempo, se não tivesse que voar seguindo o passo dos cavalos. Mas ele sabia que não é recomendável a um mago enfrentar numerosos inimigos sem uma escolta. Até mesmo magos muito poderosos poderiam sucumbir diante da superioridade numérica. Escolheram um lugar no meio de um aglomerado circular de troncos mortos, formando uma depressão no meio. Karuk parou no meio do círculo e conjurou um feitiço. Uma fina malha verde rodeou o acampamento improvisado e tornou-se invisível depois: um feitiço Sentinela. Foram descansar.

No dia seguinte seguiram viajem. Chegaram a um pântano cheio de insetos. Karuk apanhou em sua bolsa um cilindro ornamentado cheio de furos e o pendurou por uma corrente fina na ponta do bastão. Ele começou a liberar um agradável odor que manteve os insetos à distância.

Andaram por horas sobre a superfície lamacenta do pântano, até que encontraram uma grande e antiga árvore, que mais parecia a união de diversas outras, Seu tronco tinha seis metros de diâmetro e suas raízes eram grossas e expostas. Em sua base as raízes se dividiam, umas para a direita e outras para a esquerda, abrindo uma espécie de gruta, com uma entrada de três metros de raio, que descia fundo na terra.

Karuk contou a seus companheiros que se tratava da antiga toca do Dragão negro que vivia nesse pântano. Criatura perversa que a muitos matou em tempos passados, mas que morreu há anos, quando o rei enviou o exército para destruí-la.

Bener disse para continuarem, mas Alex anunciou que viu algo estranho: pegadas sobre um tronco. Pegadas não durariam mais que algumas horas na superfície lamacenta de um pântano, mas a impressão de uma bota sobre a madeira apodrecida do tronco caído sim. A julgar pela proliferação de fungos nas pequenas rachaduras causadas pela pressão da pegada, Alex definiu que a mesma não foi a mais de dois meses. Examinando ao derredor, ele também foi capaz de encontrar outros sinais que levavam a crer que também haviam cavalos. Mas foi dentro da toca do Dragão que eles encontraram o maior número de pegadas, que contavam mais de 8 indivíduos.

Prenderam os cavalos e entraram mais fundo na toca. Acenderam tochas. Percorreram quase dez metros de túnel, cavados à garras na terra pela poderosa criatura que um dia a tomou por covil. Chagaram a um salão amplo e encontraram restos de taças, vasos e baús, restos do tesouro do dragão que a muito tempo foram roubados. O corpo do próprio estava aos pedaços no chão, atravessado por enormes flechas e lanças de justa. Depois de anos apodrecendo, seus ossos haviam sido revirados mais de uma vez, seja por curiosos ou caçadores de tesouros. No entanto, as pegadas que Alex, com muita dificuldade seguia desde a entrada enveredavam por uma trilha no meio dos restos mortais da criatura, até uma parede, onde jazia um tronco de madeira nobre, com uma das pontas reforçada com metal. Este tinha alças para até seis homens segurarem ao mesmo tempo. As pegadas e marcas na parede parecem indicar que haviam golpeado várias partes da câmara, até acharem o que queriam: uma passagem oculta, para outra sala de tesouros. Um artifício do ganancioso dragão, para impedir que, caso tivesse que fugir, seus oponentes levassem todo o seu ouro, para que pudesse buscá-lo algumas décadas depois.

Entraram na câmara secreta com certa cautela. Havia restos de tesouro, como na outra sala, mas em maior quantidade, em vários baús. Havia um baú de roupas antigas, que estavam espalhadas pelo chão. Também havia um baú de madeira bem trabalhado com desenhos de esqueletos e árvores. Era cheio de símbolos místicos feitos em madeira e pedra, mas nada de metal, provavelmente porque já haviam sido roubados. Karuk disse que eram artefatos ligados à necromancia praticada por povos antigos.

Alex, que já várias vezes saiu à caça de tesouros, percebeu que eles haviam deixado muita coisa para trás, e nenhum dos baús estava fechado, mas nem todos foram esvaziados, como era de se esperar de caçadores de tesouros e relíquias. Parecia que estavam procurando algo em especial.

Não havia muitas pistas de quem houvesse sido, então decidiram sair.

Bener foi o último a sair do recinto. Karuk foi à frente. O homem tigre parou na porta e contemplou mais uma vez a criatura morta no chão.

Ela estava com a cabeça voltada para a entrada da câmara principal. Dentes de mais de quinze centímetros ainda estavam inteiros. Pedaços de pele e escamas também, assim como seus ossos poderosos. Estranho... as ligações das juntas também pareciam inteiras demais... os ossos estavam unidos em posição quase que natural.

Bener ajoelhou-se ao lado da criatura morta para examinar-lhe as juntas. “Curioso”, exclamou Bener. “Não há nada prendendo esses ossos, no entanto eles parecem amarrados na posição certa!”. Atraído, Alex se aproximou, ajoelhando-se ao lado do homem tigre.

Karuk virou-se para os dois, ainda na porta. Alex agarrou ossos no braço do dragão e puxou, mas eles não se separaram. Karuk levantou uma sobrancelha e teve um sobressalto. Mas já era tarde demais.

Os restos do dragão se ergueram violentamente, lançando-se contra Karuk, que foi agarrado pelas duas mãos da abominação. Os seus dois companheiros, que ainda estavam agachados foram arremessados pela asa. A criatura se curvou toda em cima do mago.

Além do som de ossos e restos de pele e escamas roçando, um outro som se ouvia, como um estranho chiado oscilante e agudo.

Com uma manobra rápida, os dois guerreiros levantaram-se e agarraram o tronco de arrombamento abandonado ao solo, quase simultaneamente.

O primeiro golpe arrasou os ossos da asa, mas o dragão nem se mexeu, e o chiado estranho continuava. Mais um golpe arrancou um dos braços, moendo os ossos putrefatos. O terceiro golpe encontrou o caminho livre para esmagar o crânio do monstro contra a parede, depois do que toda a carcaça caiu inerte no chão. O chiado cessou imediatamente.

O mago estava de pé, com sua roupa rasgada e suja, sangrando por um corte leve no peito. Estranhamente, ele estava com a mão no queixo, olhar perdido, em típica atitude pensativa. “O que aquilo fez com ele?” Perguntou Alex. A resposta de Karuk causou estranheza aos dois: “Me contou algumas coisas interessantes...”

Continua...