Prólogo de uma lenda: As primeiras aventuras de Bener.(1)

Notas do autor: Este texto foi escrito como um rascunho para um livro com vários capítulos, que nunca chegou a ser realizado. Apesar de parecer incômodo para algumas pessoas a narrativa muito resumida, a estória tem passagens interessantes para os fãs de fantasia. Espero que se divirtam.

P.S.: Dedico esse texto ao meu antigo grupo de RPG, responsável pelo cenário e personagens principais que aparecem nessa estória. Wanderson, Cleber, Marcelo e João Batista: Obrigado!

Prólogo de Uma Lenda

As primeiras aventuras de Bener

Filhos que querem ser iguais a seus pais são algo mais que comum. Porém, alguns deles ultrapassam o desejo de serem meramente iguais a seus pais.

Gideon Markamek era pai de muitos, mas estava astronomicamente distante destes. Pertencia a uma espécie semi-humana, os felítropos, uma espécie de versão felina dos lobisomens. Era um Homem Tigre, e como tal era capaz de mudar de sua forma humana habitual para uma intermediária entre homem e tigre, fisicamente superior.

Ele era um lendário aventureiro. Começou suas andanças aos dezesseis anos. Envolveu-se em uma perigosa aventura junto a um bando liderado por ele próprio, que o conduziu a ilha de Rafon, onde nasce o Pomo Vermelho, fruta mística capaz de conceder perpetuidade a quem a ingerir em certas circunstâncias.

Todo o grupo sucumbiu diante dos horrores da aventura, mas Gideon era resistente como o aço, tanto de corpo quanto de espírito, sendo o único a conquistar a vida eterna. Ele não pegou frutas a mais, muito menos voltou para pegar para alguém. “Cada um deve conquistar o que é seu; o que é dado não tem valor!” Ele jamais faria isso, quer para amigos, quer para irmão ou esposas, filhos ou quem quer que seja. Na verdade, ele nunca foi de dar nada a ninguém.

Por mais de quinhentos anos(um período de tempo enorme especialmente para felítropos, com expectiva de vida de 50 anos) o homem tigre caminhou sobre a terra, aprendendo cada vez mais, vendo gerações nascendo e morrendo, tornando-se cada vez mais forte, pouco a pouco construindo um clã poderoso. Pela primeira vez na história se ouviu falar de uma nação de metamorfos.

Isso nos leva de volta ao assunto dos numerosos filhos de Gideon, em sua maioria guerreiros e aventureiros poderosos, mas nenhum nunca chegou a realizar o sonho filial de se tornar como seu pai.

Bener, um dos seus filhos mais jovens, nascido de uma das concubinas menos nobres de Gideon, nunca pôde contar com a ajuda do pai. Mas ele nunca se importou muito, porque era imensamente orgulhoso e desde quando se tornou adolescente odiava ter que pedir ajuda e que alguém tentasse ajudá-lo, um traço de personalidade que o aproximava muito de Gideon, que também somente conseguiu controlar esses sentimentos na idade adulta.

A imagem de seu pai, forte e imponente, fixou-se em sua mente através das histórias contadas nas canções, conversas, festas populares, lendas e livros. Ele entendia por que seus irmãos e meio irmãos eram ignorados por Gideon: ele sentia orgulho por si mesmo, tanto orgulho que queria um filho que fosse como ele foi. É como se, mesmo sendo imortal, ele desejasse acima de tudo um herdeiro, alguém capaz até mesmo de derrotar o mais fatal de todos os inimigos: a própria mortalidade, a decrepitude que acompanha o tempo de vida de todos os mortais.

Entre seus irmãos e outras crianças de sua idade, ele foi o primeiro a ter sua primeira metamorfose. Aos treze, transformava-se tão rápido que sempre vencia qualquer disputa entre os garotos de sua idade e espécie. Era forte e muito corajoso. A maioria de seus amigos eram brigões e todos o respeitavam ou simplesmente o temiam. Aos doze anos matou pela primeira vez: um membro de uma tribo de bárbaros que viviam nas terras do norte. Este havia matado um dos seus irmãos e estava a tirar-lhe a pele. Talvez não fosse um feiticeiro, mas a pele certamente era para um ritual. Bener transformou-se, rugiu para chamar-lhe a atenção (não queria atacá-lo pelas costas, pois queria ver o medo em seus olhos) e então investiu contra ele, enquanto o outro tentava inutilmente detê-lo com a faca. Sobrou pouco do cadáver.

Surpreendentemente, a agressividade de Bener não evoluiu mais visivelmente após o quatorze anos, para alívio de todos, mas continuava respeitado e destemido. A verdade é que ele alimentava idéias sobre aventuras, as Terras do Oeste e sobre ser imortal, como seu distante e quase desconhecido pai, o que o fazia dedicar várias horas de estudos diários da língua ocidental, navegação e muitos exercícios físicos, coisa que sua mãe, preocupada com os problemas da natureza impetuosa de seu filho, agradeceu aos deuses e apoiou plenamente.

Uma coisa o jovem havia concluído: não havia nascido para ser como seu pai. Queria ser melhor! Um felítropo como nunca se viu igual! E depois voltaria, imortal, e encararia seu pai, e sentiria seu reconhecimento. Mas não aceitaria nada dele: depois de vê-lo se orgulhar, construiria seu próprio império! Não sabia onde ficava a tal ilha onde seu pai adquiriu a imortalidade, mas sabia que era a oeste. De qualquer modo, não era sua intenção ir para lá direto, pois era corajoso, mas não arrogante e tolo: Tinha muito que se fortalecer. E isso ele fez...

Ao completar suas dezoito primaveras, após a festa que consagrava a sua maioridade legal, Bener, sem se preocupar em fazer segredo, anunciou que partiria para Vallis, o continente do Oeste, e começou a arranjar as coisas para sua empresa. A família de Bener ficou em polvorosa. Tentaram recorrer até a Gideon, mas deste, já a muito tempo, só viam a ajuda financeira.

Claro que muitos amigos de Bener queriam ir junto com ele, mas ele não acreditava que qualquer um deles teria a fibra necessária para enfrentar o que ele pretendia enfrentar. Mesmo assim, por insistência cerrada, foi obrigado a levar três, dissuadir dois e ameaçar vários, até que partiu, contrariando a sua família e a de seus amigos.

Os três que foram com Bener eram Jaguerl, seu irmão, Fiuk e Walltar, dois dos amigos brigões de infância. Jaguerl era três anos mais velho que Bener e Fiuk e Walltar tinham a mesma idade.

Juntos os três navegaram em um pequeno barco em direção a Vallis, o Continente do Oeste. Já durante a viajem, Bener percebeu que sua companhia deixava muito a desejar: Fiuk e Walttar eram muito corajosos, mas não tinham a perseverança de espírito necessária, sendo facilmente dominados pelo estresse, e cada vez que algo saía errado, um dos dois explodia e, embora Jaquerl, seu irmão, fosse realmente uma criatura de fibra, perdendo talvez apenas para o próprio Bener, não demorou muito para mostrar sua verdadeira intenção nessa viajem...

No meio do segundo dia de viajem, uma grande tempestade açoitou o pequeno barco, lançando-o de volta para próximo de costa do Continente Oriental. Foi aí que as palavras de Jaquerl passaram de meras insinuações a conselhos diretos e até exigências: “Bener, pare imediatamente com essa Loucura! Você não é Gideon!!”.

O jovem e bravo homem tigre não teve escolha. Ancorou o barco na praia mais próxima, já perto de anoitecer. Disse que decidiu retornar ao amanhecer e sugeriu que se espalhassem e procurassem madeira para uma fogueira. Apesar da desconfiança de Jaguerl, Bener conseguiu separar-se do grupo. Eles o procuraram na mata por algum tempo, até que Jaguerl pareceu ter uma premunição, transformou-se na forma guerreira meio tigre o mais rápido que pôde e correu para o barco. Tarde demais: Bener e a embarcação não passavam de um ponto distante no ocaso, e os suprimentos correspondentes aos três estavam jogados sobre a areia. Bener já estava distante demais para perceber Fiuk e Waltar praguejarem, ou o rosto frustrado de Jaguerl.

A seguir, Uma aventura completa de Bener: O Cetro dos Mortos.