A marreca queria conhecer a cidade

A marreca queria conhecer a cidade...

Maju Guerra

Num lindo lago de águas azuis, cercado por uma floresta de pinheiros, havia uma ilha, era um verdadeiro paraíso. A ilha era habitada por um casal de marrecos. A marreca cuidava da casa, da horta e do jardim. O marreco cuidava do pomar e do quintal. Eles eram era felizes e satisfeitos com a vida que levavam.

O marreco sempre saía de casa, pelo menos uma vez por semana, para ir à cidade. Ele ia com seu barquinho até a margem do lago e depois pegava a estrada. Lá ele encontrava seus amigos, ia à feira, ao circo, ao parque de diversões, aos restaurantes, às lojas. Ao voltar para casa, trazia belos presentes para sua marrequinha, além dos mantimentos e outras coisas da casa, nada lhe poderia faltar.

Ela sempre esperava sua chegada com alegria. Como era bom vê-lo de volta! Ele lhe contava tudo o que havia feito e visto. Ela sonhava demais, até acordada, com este mundo que só conhecia pelos olhos do marreco, por tudo o que lhe era descrito com riqueza de detalhes. Que companheiro leal e gentil, ela tinha bastante sorte, pensava contente a marrequinha. E a vida seguia seu curso, como de costume.

Numa certa manhã, o marreco foi à cidade. Porém, desta vez, a marrequinha ficou pensativa olhando o barquinho atravessar o lago. Então levou um baita susto, ouviu uma voz bem perto falando mais alto: por que, Dona Marreca, a senhora não vai também? Ela olhou em torno e viu o sapo Sapiente em cima da pedra grande. Ele sempre estava ali, era sua casa, e de vez em quando falava algo, contudo ela não lhe dava atenção. Mas, pela primeira vez ficou curiosa e ouviu o que o sapo tinha a lhe dizer. E sentiu que era verdade, que queria também atravessar o lago e conhecer a cidade, que queria ter amigos e ver tudo com seus próprios olhos, ouvir a música do parque de diversões, sentir o cheiro e o gosto das comidas que não conhecia, escolher suas roupas e seus sapatos, com certeza seria maravilhoso... Como não pensara nisso antes? Agradeceu o conselho, e pensou e refletiu sobre o assunto o resto do dia.

Quando o marreco voltou, carinhoso e cheio de presentes como sempre, ela o recebeu animada e disse-lhe que precisavam conversar. Contou-lhe como se sentira, falou que também gostaria de sair da ilha para conhecer o outro lado do lago, assim como a cidade e tudo o que por lá existia. Umas vezes iria com ele, outras vezes iria sozinha, ela precisava aprender a remar o barquinho, fazer as coisas por si própria, tirar sua próprias conclusões. O aprendizado lhe parecia muitíssimo importante, portanto não iria abrir mão dele, mesmo que o marreco não gostasse da idéia. E seria muito bom para os dois, poderiam conversar trocando opiniões, expondo seus pontos de vista, ela estaria mais segura sobre suas crenças e valores...

O marreco ficou muito entristecido, perguntou se os seus presentes não lhe agradavam mais, se a vida que levavam não a satisfazia, o que afinal estava lhe faltando, ela era tão resguardada e protegida, e o mundo fora da ilha poderia tão ser perigoso... A marrequinha lhe disse que não eram esses os motivos da sua decisão, já que gostava muito da vida com ele, adorava os presentes recebidos, e certamente nada poderia ser mais importante do que a vida que viviam. Porém, gostaria de ter a oportunidade de viver suas experiências, de adquirir novos conhecimentos, de saber realmente do que gostava por si mesma, de conversar com outros marrecos e marrecas, de até conhecer um pouco do perigo, tudo seria proveitoso para ela, lhe daria uma nova compreensão do mundo, seria a sua visão não mais apenas a que o companheiro lhe passava.

O marreco passou vários dias amuado e aborrecido, resmungando, falando sozinho, mas a marrequinha estava irredutível, precisava conhecer a cidade e tudo o mais, era importante para a sua vida e para a vida deles e ponto. Por fim depois de dias, após uma longa e amorosa conversa, por vezes mais acalorada do que o habitual, o marreco concordou, embora não compreendesse bem o que acontecera com a marrequinha, há tanto tempo viviam da melhor maneira possível, eram conhecidos como o mais perfeito casal de marrecos das redondezas, segundo o que ele ouvia. Mas enfim, quem entende as marrecas? Afinal, ela era uma companheira ajuizada, pensou o marreco cá consigo.

E assim, a marrequinha aprendeu a remar, passou a sair da ilha e ir à cidade também.

Maria Julia Guerra.

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