Sobre Anjos e Homens - 1ª Parte
1ª Parte
“Aqui, ouvindo as vozes que me repetem o tempo todo “Ele não a ama”. Aqui, sem você. Derramei lágrimas e mais lágrimas agora à noite. Eu odeio saber que nunca ficarei com você, eu odeio saber que sou feia demais, eu odeio saber que eu sou feia demais para te merecer.
Sonhar com você o tempo todo é o que tenho ultimamente feito. Um dos passatempos mais dolorosos, o que mais ocupa meu tempo. Não consigo o tirar da cabeça, parece que você está preso à ela.
Já cansei desta vida e ter de agüentá-la sabendo que, você, nunca estará ao meu lado. Já cansei de sonhar acordada com o dia que ficarei com você pela eternidade, pois, nestes momentos de reflexão, sei que a eternidade não existe.
Fecho meus olhos e vejo você, com aquele sorriso lindo, que só você sabe fazer. O fez pra mim algumas vezes, e ou tomei como presentes seus.
Talvez, em algum lugar desse universo que até hoje não sabemos suas fronteiras, exista minha utopia. Talvez ela esteja me esperando. Nela, todas as pessoas são anjos. Anjos cegos para as aparências, míopes para os defeitos e com olhos grandes para o coração. Nela há campos de rosas para todos os cantos, os anjos as colhem. Não que todos se amem, mas não se odeiam. Você estará lá, com as asinhas mais fofas do mundo. Sorrindo pra mim... Mesmo isso sendo um tanto quanto difícil de imaginar.
Bom, talvez eu não devesse ter me permitido apaixonar-me por completo por você. Pois como sempre dizia minha amiga:
“Vá para longe da realidade, talvez o mundo dos sonhos seja melhor do que este lugar”.
Já vi demais. Vi você com a menina que eu mais odeio no mundo. Já vi você a beijando, já vi você de mãos dadas com ela, já vi você conversando com ela. Você é mais um bobo, e ela te deu uma bota de presente. A única coisa que posso lhe dizer é: “Que pena, tinha alguém que sempre o amou mais”.
Amei tanto que procurei uma estrela no céu que parecesse com você. Mas encontrei um grande problema: todas o lembravam. Lembravam-me de várias coisas, além de você. Lembravam-me minhas lágrimas, minha dor. Sim, isso está ligado diretamente a você.
Sei que a única coisa que me resta agora é recolher-me à minha dor, amá-la por completo, e isto vai ser perfeitamente possível, já que você está preso a ela.
Enrolei tanto, que, acho que me perdi no objetivo desta carta à você. Não pense que seja uma declaração de amor, não. É uma coisa muito maior e mais complexa do que isso.
Você consegue entender os limites da vida, os limites do amor e os limites de um ser humano?
Bom, eu nunca consegui descobri-los, desde pequena. Também acho que estarei presa à eles até minha morte. E não sei se ficou subentendido, mas, ela estará prestes a acontecer.
Não digo que irei me matar. Não. Você já fez isso por mim. Apenas acabarei com o que já foi começado. Sim, estou destinando minha carta de suicídio à você.
Deveria entregá-la a minha família? Não. Eles pensariam que estou acabando com tudo o que fizeram por mim, e foi muita coisa. Mas isso está além do alcance deles, agora mais do que nunca.
O que me restou foi entregar-lhe isto, para que fique notificado de que: O amor passa sutilmente pelo ódio, e vice versa.
Eu o amo tanto, você não sabe o quanto. Você não tem idéia. Chego às vezes a pensar que o centro do Sistema Solar não é mais o Sol, e sim, você.
Peço para que você me acorde se for apenas um pesadelo ruim, e que irei acordar numa manhã muito fria e igualmente ensolarada. Você estará ao meu lado, sorrindo, me acalmando, dizendo que apenas foi um pesadelo. E eu te pedirei para nunca mais me deixe dormir, assim, não precisarei sonhar que um dia fiquei sem você, sequer.
Olha, sei que falei demais, e você deve estar se sentido o máximo neste exato momento. Isso não é tão legal como parece, e, aliás, faz-me sentir pior ainda.
Acabo minha carta aqui. Num “eu o amo”, o que acha?”.
Dobrou a carta e colocou-a cuidadosamente dentro de um envelope. Ainda chorava quando dormiu. Deve, provavelmente, ter sonhado com ele. Ela gostaria de ter sonhado com ele, que ficaria com ela para sempre, até o fim de seus dias. Como ela amaria se isso saísse de seus sonhos e fosse para a realidade, como ela gostaria.
Mas, o dia seguinte era um "novo" dia. Ela teria de encontrá-lo novamente e olhá-lo de novo. Que dolorido olhá-lo e saber que nunca ficaria com ele, Deus, como ela odiava isso.
Era uma sexta-feira fria, dia treze de novembro. Uma linda sexta-feira treze. Ela não havia planejado aquilo tudo para uma sexta-feira treze, fora puro acaso. Como de costume, fora acordada pelo pai. Fez todos os afazeres que há para fazer antes de ir para escola. Mas, com uma diferença. Pegou o envelope que havia deixado em cima de sua escrivaninha e colocou-o dentro da mala.
Saiu de casa e tomou o rumo do metrô. Era mais dolorido ainda passar pela última vez por tudo, passara ali desde os onze anos de idade, sempre ao mesmo horário, sempre no mesmo caminho.
As modestas casas do bairro do aeroporto ainda estavam obscuras sobre a sombra da alvorada que ainda não havia batido. O vento gelado da manhã batia em seu rosto, tão branco quanto a neve, e levava suas lágrimas com o vento, deixando todo seu rosto úmido. Os pássaros já cantavam à chegada do novo dia, e o único barulho que se ouvia eram seus cantos maravilhosos. Ela olhava para o topo das árvores, cujas copas dançavam ao ritmo do vento, lento e desigual. Algumas folhas voavam, e ainda não era possível ver as suas cores verdes. As árvores tomavam grande parte das calçadas das casas, fazendo-a andar pelo meio da viela contra a mão, que nunca, naquele horário, passava algum carro.
A viela deixou-a na frente dos prédios do Itaú, onde teria que seguir até uma grande escada que a levaria para estação. Caminhou até chegar às escadas e, quando chegou parou e virou-se.
Olhou tudo de novo, todo aquele cenário que nunca mais veria novamente. Era possível ouvir as batidas de seu coração, que ainda estava vivo, ao contrário de sua alma. Ela lembrou, por um momento, de todas as manhãs que havia caminhado. Que, apesar de todas serem iguais, tinham algo de especial. Fechou os olhos e deixou uma lágrima escapar. Quando os abriu novamente, observou o seu par de All Star preto, que estava desamarrado, como sempre.
Subiu cada degrau como se fosse o último e, quando chegou ao fim da escada, pela primeira vez, deu um passo em falso e caiu, deixando suas coisas espalhadas pelo chão. Não recebeu ajuda nenhuma para se levantar e nem para pegar seu material. Verificou se tudo estava bem e continuou seu caminho, entrando na estação.
Colocou o bilhete único no sensor e passou pela catraca. Esperou não mais que dois minutos na plataforma e já estava dentro de um vagão. Sentou-se num banco com lugar para duas pessoas, colocou a mala sobre seu colo e sua pasta e livro sobre a mala.
Esperou quatro estações passarem para descer na sua. Observava cada rosto com atenção, e brincava de adivinhar no que as pessoas estavam pensando. Mas, se fizessem essa brincadeira com ela, nunca iriam adivinhar por onde seus pensamentos passavam, para a sorte da pessoa.
Desembarcou do trem e saiu do subterrâneo. Entrou em sua escola e caminhou lentamente, observando tudo como era antes de o Sol nascer, tudo pela última vez.
Caminhou até a escada próxima a sua sala e parou por lá. Sentou-se à escada e ficou esperando alguém abrir a porta.
- Continua...