O Jardim de Shangrilá
Curioso, Leonardo foi conduzido à aquele imenso jardim. Semelhante aos franceses, era de uma beleza e cuidado fabuloso. Pelas alamedas a poda periódica, as flores e o gramado bem aparado, dava sentido a um Paraíso organizado e preciso.
Notou também, que a cada indivíduo que freqüentava despreocupado o local, belos Anjos de tez clara e trajados de branco, cabelos bem aparados e impecavelmente barbeados, acompanhavam a tudo e a todos com um semi sorriso e olhos atentos.
Talvez por se tratar de um novato, foi deixado caminhar sozinho. Observava a tudo boquiaberto. O perfume das flores penetrava em seus pulmões e deixava-o extasiado.
Porém, em um banco de ferro com detalhes florais todo pintado de branco, uma Mulher, de seus quarenta anos se tanto, permanecia sentada segurando uma Camélia quase murcha, a qual observava intensamente.
- Por que dentre tantas flores maravilhosas, logo esta, quase sem vida, admiras tanto? - Leonardo perguntou cheio de boa vontade.
A Mulher permaneceu muda e não tirou os olhos da Camélia.
- Que tanto vês, ó Mulher!!! - impacientou-se.
- Sabes... - suspirou longamente e lentamente desviou os olhos sem se cruzar com os de Leonardo - Vejo-a e contemplo meu passado - e após uma pausa - Tu também não vês?
Leonardo franziu as pestanas e nada vislumbrou. Consternado, percebeu que um Anjo o observava sem qualquer expressão. Decidiu abandonar aquela pobre Mulher.
Mais além, havia uma pequena alameda que conduzia a um pequeno lago. Das águas claras, surgiam pequenas carpas e bagres que deslizavam tranqüilos no espelho aos quais os deuses deviam se admirar. Próximo à beira, um rapaz já calvo, descansava esparramado pelo gramado fofo.
Ao ver Leonardo, deu um sorriso desdentado.
- Finalmente alguém para conversar. Já não era sem tempo. Este local terrível me enche de tédio. Não suporto este clima hostil, este eterno calor. Quem dera alguma alma boa pudesse acabar com a aridez deste lugar que o mundo esqueceu.
Antes que Leonardo pudesse contestar, o rapaz continuou.
- Não entendo porque me recriminas! - brandiu com seus dedos ameaçadores - A realidade esta aí para todos verem. Os otimistas em seus excessos e os pessimistas com suas recusas são extremos de um mundo sem nexo. Acredite ou não, nada é como você vê. Vivemos num mundo que temperamos com as lentes obscuras de nossa mente. Diga suas convicções e lhe apontarei seus receios, mostre-me suas virtudes e te denunciarei ser um charlatão. Vença-me com sua fé e ressurgirei em suas incertezas.
Leonardo nada entendia e tentou até mesmo concatenar as idéias para provar para o pobre rapaz o quanto ele estava enganado. Olhou para toda aquela beleza como se tentasse mostrar o quão maravilhoso era tudo aquilo, abriu os braços e como se não tivesse palavras para explicar aquela grandiosidade emudeceu.
- Vocês são todos iguais. - o rapaz se retirou gesticulando nervosamente e soltando impropérios. Um Anjo muito forte acompanhou-o a distância.
A Parte oposta do pequeno lago dava início a um belo bosque. De longe percebeu um Senhor de cabelos brancos escorado a um grande Eucalipto. Caminhou lentamente até lá. O velho tinha o rosto crispado, mas mantinha um sorriso fácil e contagiante. Tinha também um olhar cheio de ternura.
- Demorei quase dez minutos andando e percebi o quanto admiras este lugar. Não é sem razão, afinal é o lugar mais maravilhoso que já vi em minha vida. - Leonardo puxou assunto sem se apresentar, do que imediatamente se desculpou - quisera eu ter a profundidade de suas observações.
O velho apenas sorriu.
- Por toda minha vida - continuou empolgado - sempre quis ter acesso a sabedoria. No alto de sua experiência, me diga, o que ainda pensas sobre tudo isto, como te parece este lugar e o que te falta?
- Penso muito sobre tudo isto – respondeu com autoridade – mas uma pergunta ainda insiste em meu interior.
- E qual é ela? - Leonardo perguntou com muita curiosidade.
- No futuro você ainda se fará, por muitas e muitas vezes em suas noites mal dormidas.
- É tão duro assim descobri-la? Se é diga imediatamente, pois se esta resposta provoca o sofrimento, quero prová-lo até a última gota de seu fel. Mostre-me tudo, vou me impor qualquer coisa para obter o conhecimento - pediu solenemente.
- A pergunta é simples, a resposta talvez não, ficará a seu critério quando ela enfim, se apresentar a você. Mas dia após dia ela insiste em aparecer no meu cérebro. Acho inacreditável e duvido que isto possa ter acontecido comigo. Talvez você, que muito quer de mim, possa pelo contrário, trazer uma luz e observar bem este imenso jardim e me responder afinal, com uma tese irrefutável que fim levaram todas as flores que aqui habitavam?
Diante a imobilidade de Leonardo, o velho continuou.
- Tudo em seu tempo. Qualquer dia conversaremos novamente - e percebendo a aproximação de alguém se despediu desejando boa sorte.
Um Anjo tocou o ombro de Leonardo, que se virou deixou que se conduzisse pelo passeio até uma pequena construção simples, porém de bom aspecto. Ao penetrar no recinto, O Anjo apresentou um dormitório simples, mas confortável. Leonardo sentou-se em uma espreguiçadeira e observou seu acompanhante se retirar fechando a porta.
Do lado de fora o Anjo encontrou o brutamontes que acompanhara o pobre rapaz calvo.
- Missão comprida? - perguntou o grandão.
- Finalmente - respondeu com enfado - Não entendo o que estes caras fazem horas e horas neste terreno mal cuidado cheio de plantas daninhas...
- Não liga não... - gracejou - Certa vez ouvi dizer que a loucura é apenas a realidade em excesso - e riu novamente - Não sei quem é mais doido, se estes malucos ou aqueles doutores arrogantes. Esqueça. Você trabalhará amanhã?
- Não, será meu descanso...
- Então tome umas brejas por mim.
E se despediram.