Anjo de Negro
 
            Posso afirmar que senti medo.
            Sempre me sinto assim nessas estranhas viagens astrais que já deviam ter se tornado parte do meu âmago. E, a respeito desta em particular, devo escrever e publicar logo, pois apenas querem que o sentimento, ou a mensagem, ou a percepção se difunda o mais rapidamente possível.
            Não me considerem um profeta, o mensageiro é apenas o que leva a mensagem e pode ser substituído facilmente por outro.
            Lembro apenas que pairávamos acima da Terra e dos homens, em uma noite sem escuridão visto que aos olhos do interior não há trevas.
            O ser que me conduzia sustentava-me pelos ombros e, ao contrário do imaginário que carregamos a respeito dos anjos, vestia-se de preto. Tinha um casaco longo, talvez de couro e botas compridas até o joelho. Os cabelos eram louros e desalinhados, batendo até a altura dos ombros. A face não era serena e nem sorridente, mas cerrada e austera.
            Subimos até grande altura na qual podíamos observar o Planeta e a sua vida atribulada.
            - Veja como correm, disse. – encontrava-me suspenso no espaço e com os pés descalços. O Planeta então se abriu como gomos partidos de uma laranja, e pude ver a humanidade inteira em suas lutas e atribulações. Através de uma percepção que não pude explicar, sentia as angústias, os desafios e as crenças de cada ser irmanando-me a todos.
            - Entenda que não há a religião ou a adoração na qual acreditam haver. Deus é muito mais simples do que parece. Não precisam de tantos dogmas, de tantos processos de tanta formalidade e liturgia. Observe e sinta!
            O Ser me assustava. Seria eu digno de portar aquele recado? Queria fixar o seu olhar para ver o que carregava na alma, porém, estranhamente, não conseguia fixar-lhe os olhos que eram fugidios, como se ocultos através de uma lente que não podia ao certo definir.
            - Não me encare as vistas ou ficarás cego para sempre. Dentro carrego a Verdade Absoluta e ainda não tens preparo para tanto. – sei que, para demonstrar-me o seu poder, retirou as lentes invisíveis que cobriam os olhos. Notei que podia derreter qualquer objeto ou pessoa. O medo aumentou.
            - O medo é reflexo de sua limitação – percebi que tinha comigo enorme impaciência.
            - Hora de voltar, disse.
            Acordei em um sobressalto com alguém me batendo no ombro dizendo:
            - Não deixe de transmitir... – no entanto, estava eu sozinho no quarto. Aconteceu há alguns dias, mas a impressão deste sonho, ou visão, ou alucinação ainda me persegue. Talvez, agora que eu a tenha compartilhado, possa livrar-me da sensação de medo e de desconforto que me acompanha...