A Saga de Mestre Haladar - A Caçada - Parte VI
Haladar vencera, mas ainda não concluíra a sua tarefa – apesar de estar muito mais próximo disso do que imaginava. A luta com o panfferh o havia cansado, e agora ele suspirava ante a besta derrotada. Nesse ínterim, um urro incrivelmente alto e vibrante e longo golpeou seus ouvidos élficos e quase o desnorteou.
Súbito, ele se jogou na direção de seu arco e agarrou-o com firmeza: conhecia aquele urro apavorante, já o ouvira antes: era um gollirhn. O barulho dos galhos sendo quebrados devido as pisadas incrivelmente pesadas não deixava dúvida que ele vinha na direção de onde a batalha ocorrera.
“Provavelmente foi atraído pelo bramido estridente do panfferh que meu ataque provocou. Como imaginei, o gollirhn estava espreitando esses arredores” pensou o elfo.
Ele correu até a zelliann mais próxima e com um salto se viu sobre uma de suas seis raízes, a quase dois metros do nível do solo. A árvore era repleta de cavidades e ondulações que facilitavam a escalada, mesmo com sua vegetação quase sempre presente; todavia, o galho mais próximo estava quase oito metros acima de sua cabeça. Não obstante, o jovem elfo começou a escalar com presteza e agarrou-se à árvore quando outro urro tenebroso atingiu impiedosamente seus tímpanos. Ele se virou para a direção daquele ataque sônico e viu que sua caça finalmente estava ao seu alcance.
O gollirhn parecia uma mistura bestial entre gorila e urso, com cabeça e garras superiores deste, o pêlo negro e assaz grosso, forte como fios de aço, com finas listras amarronzadas. Aquele parecia ser um espécime adulto: passava de dois metros e meio de altura; sua mandíbula enorme, escancarada, estava repleta de sangue, mas seus olhos animalescos, alaranjados, exibiam ainda uma voracidade intensa e infernal.
O elfo se concentrou exatamente nas palavras de seu Mestre, pois sabia que elas eram a chave para se vencer aquela criatura aterradora.
“Focalize a precisão. Focalize a precisão” repetiu ele em pensamento.
A criatura corria com passos largos e fortes, porém vagarosos. O elfo a viu se aproximar sem que qualquer raiz ou arbusto alto a obstruísse, os olhos famintos e esbugalhados a fitarem primeiro o panfferh morto, depois a ele próprio; abaixo do focinho negro de urso, sua boca de presas rijas e afiadas babava uma saliva densa que balançava antes de grudar-lhe ao peito musculoso e intransponível. Com mais um urro, este mais alto e arrepiante que os anteriores, o gollirhn impulsionou e saltou em direção a sua presa viva agarrada ao caule enorme da árvore. Esta, por sua vez, prevera tal ação e logo se atirou visando o quadrante do solo em que teria melhor liberdade para se mover.
Quando atingiu o chão coberto de folhas e gravetos, Haladar rolou ligeiro como o vento e preparou a sua única flecha de plumagem verde. O gollirhn havia se agarrado à árvore, furioso com a afoiteza repentina de sua presa repugnante. Babando de fome e ódio, a criatura saltou novamente sobre aquele punhado de carne fresca e saborosa que talvez quisesse mesmo ser devorada por adotar tamanha ousadia.
Talvez? Não. Não era o caso para um talvez; longe disso. O jovem elfo sabia bem o caminho que queria seguir; um caminho nobre, diga-se. Jamais se permitiria ser devorado por tal criatura bestial e em tal circunstância: iria, isto sim, lutar por seu povo; iria libertar seus irmãos escravizados; iria reconquistar a magnificente cidadela que seus antepassados ergueram com esperança e amor; iria, sim, honrar o seu sangue e seu nome.
“Focalize a precisão!”
O gollirhn saltara com as garras letais preparadas para desferir um ataque tão potente que rasgaria facilmente um javali da floresta, enquanto a boca urrava, predizendo um esperado triunfo. No entanto, Haladar esticou o seu arco como nunca e disparou, cônscio, a sua flecha derradeira. Ela cantou por apenas uma fração de segundo, mas sua força e precisão foram tamanhas que a fez penetrar cruelmente na garganta da besta e atravessá-la estando esta ainda no ar. Súbito, a criatura caiu inerte com um baque forte, surdo e tosco.
O jovem elfo olhou para o céu de início de tarde e inspirou. A tarefa fora concluída; e com êxito. Pegou seus pertences e retornou para o norte, para Neread.