A Saga de Mestre Haladar - A Caçada - Parte V
Haladar acordou sobre um punhado de folhas que lhe serviram de leito. Esfregou os olhos e abriu-os por completo. O sol se deslocava veloz e sua garganta estava demasiado seca. Nesse ínterim, não havia mais ninguém por ali. Apenas uma pequena bolsa de couro próxima a ele, que continha três fatias generosas de carne temperada ao modo élfico.
– Selles!
Os eladrin costumavam agir daquela forma: adoravam desaparecer (e aparecer) sem serem notados. Principalmente os mais sérios como Felgahr – talvez fosse exatamente essa a única brincadeira (se é que isso pode ser tido como tal) que ele parecia gostar.
Haladar analisou o terreno ao redor e viu que eles seguiram para o oeste. Ele próprio já seguia há pouco mais de um dia para o sul, mas decidiu continuar no mesmo trajeto; sempre analisando cuidadosamente os rastros que encontrava. No fim da manhã, encontrou enfim pegadas que valia a pena seguir, apesar de ser quase tão difícil segui-las quanto as pegadas dos próprios elfos com seus passos leves. Eram pegadas de raposas-prateada, que, além do pêlo ostentar a cor de seu nome, são dotadas de seis patas e tidas como um dos animais mais velozes da floresta, porém quase flutuavam sobre o solo de folhagens. Possuem, entrementes, uma audição demasiado sensível e ficam atordoadas facilmente com vibrações sônicas altas, justamente por isso são presas fáceis para os gollirhn, que com seu urro tenebroso as caçam com frequência (mesmo preferindo carne de gente).
Era uma matilha pequena, e isso ajudou o jovem elfo a não perder o rastro. As pegadas quase invisíveis seguiam numa trilha sinuosa, levando à densidão da floresta, e em certo ponto fez uma curva brusca para o leste, seguindo então em linha reta. Pouco depois disso, surgiram pegadas maiores. Haladar as analisou atentamente, tocando, visualizando, formulando cenas em pensamento e chegando a conclusões que apenas os rangers alcançam. Eram pegadas enormes, maiores e mais largas que a de elfos e homens, mas tinham o formato similar ao da palma de uma mão com dedos pequenos e robustos. Bingo! Pegadas de gollirhn.
Haladar sorriu ao perceber que as pegadas eram recentes.
“Aposto minha flecha que foram feitas esta manhã” pensou.
Era tão fácil segui-las, que ele se deslocava com rapidez na floresta repleta de zelliann, a maior de todas as espécies de árvores encontradas no mundo de Ällornen, com seus aproximados doze metros de diâmetro e seis raízes que, como se fossem dedos, respiravam acima do solo; os caules timidamente encobertos por uma vegetação verde ou amarelada, similar ao musgo, mas pouco escorregadia.
Ele seguiu o rastro apenas por alguns minutos antes de encontrar vestígios de sangue, muito sangue, em verdade, no chão e nos arbustos que ladeavam a trilha de pagadas do gollirhn. Provavelmente naquele ponto tal criatura conseguira fazer sua refeição cruenta, o que significava que agora o elfo devia ficar tão atento quanto possível, pois sua caça estava próxima. Ele sabia que esta sempre escalava as árvores próximas do ponto em que se alimentara e ficava de prontidão por várias horas, para o caso de o sangue atrair-lhe mais presas. Dessa forma, se ainda estivesse por ali, tudo seria uma questão de quem fosse descoberto primeiro – se é que o gollirhn já não percebera o elfo.
Ele se agachou, lentamente, perscrutando com cuidado os galhos das árvores ao seu redor. Calmamente, livrou-se do odre e da bolsa de couro, largando-os silenciosamente. Então, empunhou o arco com vigor, mas não preparou a flecha. Continuou procurando com os olhos, agora dando pequenos passos para um lado, atravessando calmamente os pequenos arbustos que impediam-no de ter uma boa visualização de certas árvores.
Quase um minuto se passou. Nada. Parecia que sua caça não estava nas redondezas; ao menos não no alto. Todavia, apenas um instante após tal conclusão, Haladar ouviu algo se aproximando. Vinha da direção sul; rápido como se quisesse apenas salvar a própria pele, mas ao mesmo tempo parecia visar a direção exata de onde o sangue mais se acumulava. O elfo estava a pouco mais de sete metros além desse ponto, a mão direita alisando ansiosa a pluma da única flecha de sua aljava; enquanto o ruido do que quer que se aproximava ficava mais alto e amedrontador.
Súbito, a criatura surgiu veloz de dentro dos arbustos e, tão breve notou o jovem elfo, se apressou e pulou ferozmente sobre este. Contudo não era um gollirhn, e por isso o elfo foi obrigado a desistir da ideia de disparar a sua flecha de pluma verde. Era, em contrapartida, um panfferh aterrador e, decerto, faminto deveras. À visão, a criatura lembrava em muito uma pantera comum e menos cruel, mas seu pelo era plúmbeo e fosco, mais espesso no rabo que no corpo; seus olhos pavorosos eram grandes e inteiramente brancos; as presas, de tão enormes, ficavam projetadas para fora da mandíbula poderosa.
Haladar rolou para um lado e se esquivou com presteza das garras assassinas, largando o arco então inútil e empunhando sua adaga élfica. Sabia que seria difícil enfrentar tal criatura com tão pouco danosa arma, mas julgava-se sem opção – a não ser que a derrota estivesse certa. Arrependeu-se por um instante de não ter pegado as três flechas rudes que restaram dos ciclopes no dia anterior. Mas se Hildar, seu Mestre, o enviou em tal tarefa com apenas uma flecha, significava que ele tinha chance, claro que tinha.
“Meu Mestre conhece bem os perigos dessa floresta, talvez mais até do que eu possa mensurar. Ele confia em mim porque eu posso vencer... Eu vou vencer!” disse para si mesmo.
O panfferh exibia suas presas mortais e babava ávido por saborear carne élfica; olhou por um instante para a bolsa que exalava um inconfundível aroma de carne temperada, mas logo voltou-se para a criatura viva que podia ser-lhe forte ameaça. Tão breve, seu bramido estridente rasgou o ar da floresta e golpeou os ouvidos do elfo no mesmo instante em que sua garra desferia um ataque. Haladar pulou para trás, mas a garra roçou levemente sua perna e o fez sangrar. Com isso uma coisa pareceu-lhe bem óbvia: a vitória devia ser alcançada com apenas um golpe de sua pequena arma, pois dificilmente teria mais que uma chance de atacar com ela sem sofrer graves danos; ele deveria aguardar o momento oportuno para então desferir o seu ataque letal.
Focado nessa estratégia, ele depositou sua esperança na destreza que seu Mestre tantas vezes o ajudara a aguçar em seu treinamento. Por mais que a criatura o atacava, ele evitava ser ferido e buscava o revide ideal. Por quase um minuto aquela batalha entre besta e mortal se deu sem ao menos um movimento ofensivo deste. Mas então ele viu a sua chance clarear ante seus olhos, e aproveitou-a. Movendo-se em direção ao sangue empoçado no chão, o jovem elfo ludibriou a besta que ao retornar de seu ataque escorregou a pata de apoio, o que foi suficiente para Haladar se atirar em sua direção e enterrar a adaga élfica na parte inferior do pescoço, rasgando-o em seguida. A criatura desabou com um lamento rasgado de dor, alto e estridente, que ecoou na floresta e assustou todos os animais num raio de dezenas de metros; então ficou agonizando por um momento antes de perecer.