A Saga de Mestre Haladar - A Caçada - Parte IV
– Então você está caçando um gollirhn? – perguntou Selles dando tapinhas no ombro de Haladar enquanto comiam todo o assado e bebiam vinho.
– Uhum – murmurou o elfo de boca cheia.
Estava admirado com a resistência do guerreiro eladrin, que retirou sozinho a flecha do corpo e queimou a ferida quase sem ao menos fazer cara feia.
– Mas você notou que só tem uma flecha, meu amigo? E essa adaginha aí, se me permite o comentário, não vai fazer muita coisa contra uma criatura daquele porte.
Haladar engoliu em seco.
– Eu sei – redarguiu reflexivo, olhando para o pequena quadro visível do céu negro salpicado de estrelas. – Devo vencê-lo com apenas um disparo: essa é minha tarefa, meu treinamento. E não irei decepcionar o meu Mestre.
– Vimos um rastro há cerca de...
– Selles, não fale demais! – cortou o outro eladrin, Felgahr. – Não ouviu o que ele disse? Haladar está em treinamento: não deve receber ajuda a não ser que necessite dela para sobreviver; não é o caso. Ademais se ele tiver a metade do orgulho de Hildar não seguirá um rastro que apontarmos.
– Conhece o meu pai? Ele disse ter viajado com vários guerreiros de valor.
– A última vez que olhei nos olhos dele – começou Felgahr olhando seriamente para o elfo –, ele disse que ia voltar para casa, pois sua esposa dera a luz um filho. Havíamos combatido juntos por alguns anos, defendendo fronteiras e protegendo a floresta dizimando proles cruéis das Bestas. A flecha derradeira que o vi disparar foi há quase sessenta anos; o que significa que ainda falta pouco mais de duas décadas para que seu filho seja um elfo adulto. Ainda assim, Hildar o mandou em tal tarefa.
– E praticamente desarmado? – espantou-se o pequenino que até aquele momento ocupava-se apenas com o vinho de sua terra. – Por que não abasteceu sua aljava com as flechas dos ciclopes?
Haladar não respondeu com palavra, mas abanou a cabeça e preencheu a boca com assado.
– Desarmado? Não diria isso, Enro – opôs-se o eladrin se levantando. – Já presenciei essa façanha pelo próprio Hildar. Não é de se admirar que ele esteja treinando o filho da mesma maneira. Alimente-se bem, Haladar, mas não exagere no vinho; talvez conversemos mais um pouco amanhã.
Felgahr deixou a beira do fogo rubro e se dirigiu a sua tenda; perto dela estava o ciclope amarrado e amordaçado. Olhou-o de rabo de olho e entrou.
– Felgahr parece conhecer bem o meu pai.
– É – disse Selles. – Meu irmão teve inúmeras aventuras e conheceu inúmeros guerreiros fabulosos. Queria ter estado com ele todo esse tempo.
“Irmão?” pensou Haladar. Aqueles dois pareciam tão diferentes (exceto pela roupa e a silhueta), que era quase impossível de se acreditar. Felgahr era extremamente sério, centrado e preocupado; Selles exatamente o oposto.
– Apesar disso – continuou o eladrin com um sorriso –, sinto que nossos caminhos não foram trilhados para seguirem juntos... Mas, mudando de assunto, e seu treinamento como está indo até agora? Você demonstrou hoje que está longe de ser um iniciado. Se não tivesse pegado aquele arqueiro ciclope a tempo não sei o que teria acontecido comigo.
– Não foi nada demais – posso pegar mais um pouco de vinho? Obrigado! De modo geral, acho que estou razoavelmente bem nos treinos. Mas ainda preciso dominar a técnica de alinhamento das flechas.
– Não parece nada fácil – disse Enro. – Ao menos se for a mesma técnica de que ouvi falar: três flechas alinhadas horizontal ou verticalmente, dispostas numa distância exata entre elas.
Haladar consentiu.
– Três? – surpreendeu-se Selles. – Ouvi dizer que são cinco.
– Três é o estágio inicial – revelou o elfo.
– Ainda assim parece ser muito interessante – balbuciou Selles. – A próxima vez que nos encontrarmos, Haladar, quero que me mostre essa técnica, pois nunca a vi sendo executada. Portanto, apresse-se em dominá-la.
– Combinado.
– Bom – bocejou o pequenino –, está meio tarde e vou me deitar. Boa noite!
– Agora somos apenas você e eu, meu amigo – disse o eladrin com um brilho estranho no olhar. – Vamos devorar esse restante de assado!
Selles comia muito para um eladrin, ainda mais por se tratar de carne de javali. Haladar o olhava com espanto, mas em verdade não ficava muito atrás. Quando a comida acabou estavam verdadeiramente empanturrados e bêbados. Tão breve, Felgahr disse que estava tarde demais para conversas; assim ambos se deitaram e dormiram rapidamente. O próprio Felgahr fez vigia durante toda a noite.