A Saga de Mestre Haladar - A Caçada - Parte I
Uma flecha zuniu de repente cortando o ar da Floresta das Árvores Gigantes e atingindo velozmente o centro do tronco fino dum choupo. Tão breve a flecha alcançou o seu destino, outra foi ligeiramente preparada e disparada perfurando o mesmo tronco, entrementes um pouco abaixo do projétil anterior. Depois uma terceira flecha ainda foi lançada ao ar, velocíssima, impossível de ser seguida com os olhos; encerrou sua jornada exatamente entre as duas primeiras: tão próxima delas que quase as tocava.
– Acha que consegue fazer isso?
– Todas as minhas tentativas solitárias fracassaram até agora – disse um jovem elfo.
– Não foi bem o que perguntei. Errar não é tão ruim, desde que se aprenda com o erro e isso o deixe mais próximo do acerto. Acha que consegue acertar agora?
O jovem elfo acariciou a pluma verde de uma das flechas que aguardavam em sua aljava nas costas; retirou-a com um movimento e esticou seu arco o mais depressa que pôde, disparando-a em seguida. A seta assoviou por um segundo ou dois antes de atingir o centro de um novo tronco. Mais um movimento rápido e outra flecha foi disparada, fincando-se a poucos centímetros abaixo da primeira. Então a terceira foi preparada: essa cantou bem mais que as outras durante seu trajeto, mas não se alinhou devidamente a elas quando atingiu a árvore.
O jovem elfo suspirou; descontente, abaixou o arco.
– Por ora precisa focalizar mais a precisão e menos a velocidade – revelou Hildar, o Mestre Arqueiro. – Que adianta ser um arqueiro rápido, mas impreciso? Vou te dar uma tarefa que te ajudará a se concentrar melhor em teu alvo.
Hildar caminhou até o jovem elfo, seu pupilo, e retirou-lhe todas as flechas, com a exceção de uma. O jovem aprendiz olhava-o com um brilho curioso nos olhos, tentando adivinhar os pensamentos do Mestre.
– Uma flecha – revelou Hildar. – Com apenas uma flecha, ou seja, um disparo, você deverá vencer um gollirhn. Com suas habilidades, achá-lo não será difícil. Mas você só tem três dias, afora o fim deste – e lembre-se: não mais que dois dias de viagem indo na direção sul, afinal você possui apenas uma flecha. Boa caçada!
O jovem elfo permaneceu pensativo por uns instantes.
– Retornarei vitorioso! – bradou.
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Hildar deixou seu pupilo para trás e retornou à cidade na floresta.
– Onde está Haladar? – perguntou uma voz tão suave quanto a aurora primaveril. – Onde está meu filho?
– Está continuando seu treinamento – respondeu Hildar com tom de guerreiro. – Não demorará a voltar.
– Ele ainda é jovem, muito jovem, não é bom que fique muito tempo sozinho.
A elfa baixou lentamente o seu olhar vítreo, tendo os olhos cor de ametista encobertos pela franja dourada de seu cabelo ondulado. O Mestre Arqueiro viu seus lábios finos tremerem, empalidecendo.
– Não confia mais em mim? – disse segurando as mãos da elfa, a voz agora suave como a de um jovem apaixonado. – Jamais o deixaria só, se isso o fizesse apenas sofrer. Ele escolheu um caminho difícil de se trilhar, Fewinn. Mas o motivo pelo qual o escolheu lhe dará forças que talvez nem eu possa mensurar.
– Eu... compreendo – sussurrou Fewinn apertando mais forte as mãos do homem que amava. – Confio em você, meu amor. Confio em Haladar. Tudo vai se sair bem, não é?
– Sim, minha querida – Hildar tomou a amada esposa nos braços. – Eu prometo.
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Haladar estava a décadas de ser considerado um elfo adulto; mesmo a idade mínima sugerida e levada em conta nas tradições de treinamento militar ainda não lhe havia sido alcançada. Não obstante, já recebia treinamento de seu pai e Mestre há algum tempo, segundo seus próprios desejos.
Era um elfo sonhador e sobretudo esperançoso. Queria se tornar um guerreiro forte e valoroso, tão corajoso a ponto de desafiar os homens cruéis que assaltaram e dominaram a cidade élfica de seus antepassados. Mesmo sendo tão jovem, pesava-lhe o coração imaginar a dor que sentiam os milhares de elfos que foram impiedosamente escravizados, os que tiveram seus entes queridos friamente assassinados e lares tomados.
Não fossem seus parentes próximos, os eladrin, Haladar não saberia dizer o que poderia ter acontecido com o seu povo. Ali, na Floresta das Árvores Gigantes, ou simplesmente Valdran, o generoso povo worin não só deu abrigo, mas também esperança aos elfos hindor, que lhe juraram gratidão eterna.
– Preciso ser forte para reaver o que é de meu povo!
Esse era o pensamento não só de Haladar, mas de praticamente todos os guerreiros élficos daquele tempo conturbado. Desde que tiveram o reino tomado, eles treinavam dia após dia, e investiam ataques ou faziam cercos na esperança de reconquistarem a chamada Cidade Verde-Dourada, Sardiell. Porém nada havia sido bem sucedido até aquele momento, mais de um século após a conquista humana sobre a cidade.
Aquilo tinha que mudar. E tudo o que Haladar queria era ter um papel importante nessa mudança. Por isso começou a treinar cedo. Seu povo tinha pressa; ele tinha pressa. Contudo sabia que no momento a única coisa que podia fazer de fato era treinar, treinar para se tornar um grande guerreiro, quiçá um herói élfico, e então libertar seu povo das ímpias garras humanas.