Agora que minha hora final se aproxima, vem à mente contar nesta breve missiva uma história comum, mas real, que marcou a lembrança da viagem marítima que empreendemos em busca de novas terras.
Meu Rei e Senhor Gondhar III digo que escrevo tais tais memórias - quiçá uma fábula - sobre o exato dia em que descobrimos o Arquipelágo de Boothar, no já distante quarto ano do Vosso sábio e iluminado Reinado.
Era uma manhã radiosa. Estavámos cansados da longa viagem. Sonhavámos em ver terra e quando o grito vindo do mais alto mastro anunciou a benfazeja, imenso júbilo nos contagiou, não só pelo merecido descanso, mas pela honra de bem servir ao nosso Rei e Senhor. O capitão Crephak ordenou a ida à terra, no que foi obedecido por todos.
Ou melhor, por quase todos.
Viera na expedição um jovem, de nome Farqhuar, taciturno, porém gentil, que sempre trazia à mão seu violino. Passava as noites a tocar melodias saudosas, que muito nos emocionavam. Perguntei-lhe:
'Não vem conosco?'.
Ele negou com a cabeça. Fitou-me com seus olhos lânguidos e pôs-se a tocar seu violino, como se a nenhuma terra tivessémos tocado.
Enquanto o bote nos levava à praia, e ao longe assomavam os vultos do povo ainda desconhecido de Boothar - hoje, fiéis ao meu Rei e Senhor - o ar se encheu com uma cálida e doce melodia.
O mundo tornava-se maior, mas Farqhuar apenas tocava, como sempre, o seu violino.