A Discussão das Cores
Certo dia, há muito e muito tempo, as Cores ainda discutiam que cor dar às coisas do mundo. Azul olhou para cima e com seu tom calmo, disse aos irmãos:
_ Vou colorir o Céu. Vou usar um azul claro que traga paz para todos aqueles que o virem ao longo de todo o mundo, um azul tão límpido que dirão: “A estrada é perigosa e os infortúnios são muitos, mas a simples visão deste céu me alegra o coração”.
Concordando com ele, Amarelo também olhou para cima, sorriu alegremente, como era de seu feitio, e continuou com sua voz rimante:
_ Então eu colorirei o Sol. Ele derramará sua luz amarelada sobre todos os seres, e eles, se sentirão revigorados pelo seu simples toque dourado! Seu amarelo-brilhante será, então, símbolo de vigor e de imponência, e todos dirão: “Escura é a Noite e frio o seu beijo, mas o Sol que a procede trará brilhante efeito, e alegrará meu espírito”!
_ Muito bem, meus gêmeos – disse Vermelha apaixonadamente – Eu então colorirei o Céu e o Sol no crepúsculo e no nascer do dia, tingindo o céu azul de vermelho e os raios amarelos de laranja. Será um espetáculo em honra à morte do Sol e ao seu nascimento, e lembrará aos seres das coisas belas e magníficas do mundo, e de tudo pelo que vale a pena viver.
Todos gostaram das decisões de seus irmãos, e ambos continuaram a colorir as coisas. Muito trabalharam, e chegaram por fim ao Reino das Florestas do Sul, e viram as grandes selvas de folhas brancas e relva incolor. As folhas das árvores eram uma das últimas coisas por se colorir, se não a derradeira, e Azul disse:
_ Irmãos, tingirei de azul escuro as folhas destas matas, um azul profundo como o mar que circunda a terra, pois profundas também são estas matas e muitos os seus segredos. Será um novo mar, um mar cujas ondas serão a dança das árvores ao sabor do Sagrado Vento.
Amarelo riu, no entanto, discordando de seu gêmeo:
_ Não, meu irmão. Tingirei estas folhas de Dourado, pois valioso como o ouro é o que por estas árvores é guardado: a vida! Todos saberão que as selvas são o tesouro pelo qual deverão zelar, e estas árvores de folhas de ouro serão respeitadas por sua riqueza.
_ Não, irmão, azul marinho seria o ideal – disse calmamente Azul – Profundo como o céu quando o Sol se põe.
_ Não, tão dourado quanto o Ouro for e tudo o mais que tem valor! – exclamou Amarelo. Vermelha nada disse, contente apenas em colorir as flores.
Amarelo e Azul ficaram pois o dia todo por discutir, sem chegar à conclusão alguma. Quando veio a tarde, Vermelha tingiu a horizonte como dissera que faria, e ouviu em resposta o canto maravilhado de um passarinho que vira o espetáculo. Fatigada da discussão dos dois irmãos, ela aproximou-se do pequeno pássaro cinza:
_ Olá, belo morador destas matas. Eu sou a Senhora Vermelha. Qual o teu nome, e o que achaste do crepúsculo que pintei?
_ Olá minha Senhora! Chamam-me Gaturamo e nunca vi obra mais linda, nem espetáculo mais maravilhoso! Minhas penas são cinza, sem cor, e sem cor é esta minha morada de folhas. Por isto amo o alegre colorido e invejo-o; e não pude deixar de admirar tua obra.
Seduzida pela amabilidade do pequeno pássaro cinza, Vermelha continuou a conversar com ele, e bastante impressionada pelo seu gosto, teve uma idéia para gratificá-lo. Ela chamou os irmãos – que ainda discutiam – e disse:
_ Irmãos, tenho uma idéia para resolver vossa contenda. Este meu pequeno e amável amigo é um amante das cores do mais apurado gosto, e sofre com a falta delas em seu lar. Tive então uma idéia: deixemos que seja ele quem decida a cor de sua casa, e resolveremos por vez essa discussão.
Azul e Amarelo concordaram, e foi decidido que Gaturamo teria até o amanhecer do dia seguinte para escolher que cor teriam as folhas das árvores e a relva do chão.
O dia se foi e estrelas pontilharam a escuridão do Céu.
Durante a noite, enquanto o pequeno pássaro refletia sobre sua decisão, Amarelo apareceu em sua casa:
_ Olá pequeno Gaturamo!
_ Olá alegre Senhor.
_ Percebi que são cinzentas as suas penas! Que triste cena para um amante das cores, imagino eu. Então ouve minha proposta: caso me escolhas para pintar estas folhas, ganharás esta linda e dourada plumagem, olha!
Ao terminar de falar, Amarelo tingiu a face inferior do corpo da ave de ouro. Gaturamo ficou maravilhado, e muito agradeceu.
_ Se me escolheres – continuou Amarelo –, leva este meu presente para os céus amanhã, e quando eu, contente, ver estas plumas, por entre as brumas da fronteira da floresta, saberei de sua resposta. Caso não o queiras, ave faceira, basta negá-lo e ele desaparecerá.
Então foi embora, contente e certo da vitória.
Um pouco mais tarde, Azul também apareceu na casa do feliz Gaturamo. Preocupado, o passarinho escondeu a barriga no ninho, de modo que Azul não visse o presente que ganhara. O visitante disse:
_ Boa noite, habitante das matas.
_ Boa noite, sereno senhor.
_ Pequeno Gaturamo, tenho um presente para ti, caso escolhas o azul para colorir as selvas – disse, pintando o dorso da ave com um belíssimo azul metálico, e continuou – se escolheres o azul, amanhã sobe aos céus com o meu presente. Estarei dormindo sobre o galho mais alto da grande figueira, e saberei da tua escolha. Caso não o queiras, nega-o, e ele desaparecerá.
E partiu Azul, sereno e confiante de que venceria.
Intrigado com a beleza dos dois presentes, Gaturamo pensou e pensou, mas não conseguia decidir-se. Quando o Sol raiou e Vermelha novamente pintou o horizonte, ele tinha que tomar uma decisão. Sem conseguir escolher com qual presente ficar, ele resolveu declarar empate, e alçou vôo com os dois.
Quando Amarelo viu do solo o peito dourado do Gaturamo, imaginou que tivesse ganhado e, alegremente, começou a tingir as folhas das árvores. Azul, que dormia sobre a alta árvore, viu o dorso metálico-azulado do pássaro e também imaginou que ganhara, começando ele a pintar as folhas. Quando o azul e o amarelo se tocaram e se mesclaram, uma cor encantadora e bela surgiu, uma cor que expressava a preciosidade do dourado e a profundidade do azul escuro, uma cor que maravilhou os dois irmãos: o Verde. Ao verem o resultado, ambos ficaram maravilhados e muito contentes, e por isso, não se impacientaram com a decisão do pobre Gaturamo, mas resolveram deixar com ele teus presentes. Observaram satisfeitos o fruto de sua obra e puderam voltar, enfim, a colorir o que restava. O Gaturamo desde então é um pássaro muito feliz e amigável, incapaz de sobreviver enclausurado e longe do verde de sua floresta, guardando até hoje o presente das Cores em sua plumagem. Sua primeira filha tinha a cor verde-oliva, e desde então todas as fêmeas foram assim, um testemunho vivo da criação do Verde.