Sonhos e Ilusões - Capítulo 03 - Café da manhã
Dragon Quest
Sonhos e Ilusões
Capítulo 3: Café da Manhã
Primeiro é a uma agradável sensação de calor, seguido de uma sensação de revigoramento, de despertar. Vicente acorda rápido, Hóris está ao seu lado, foi dele o último turno da noite. Vicente senta-se no chão onde dormiu, ele está numa clareira no meio da floresta de Vinedian, seus companheiros dormem ao seu lado. Mesmo fazendo o turno de guarda antes de Hóris, ele foi o primeiro a acordar, como sempre.
— Bom dia Vicente! Dormiu bem? Hóris pergunta, sua voz mais parecendo um guincho de uma ave. Se bem que Hóris está cada vez menos humano, com suas enormes asas de águia saindo de suas costas. Devido às asas, Hóris não usa nenhuma camisa ou colete, contentando-se com apenas uma calça cinza de linho grosso, sua pele ainda possui caracteristicas humanas, apesar de ter ficado bem mais morena nos últimos meses. No seu rosto, apenas seus olhos estão maiores que o normal, enquanto que seu cabelo está caindo todos os dias. Vicente vê que o amigo está perdendo cada vez mais sua condição humana, e tenta não transparecer sua tristeza perante o fato.
— O suficiente... E os outros?
— Vou acordá-los agora.
Hóris vai tocando em cada um dos seus companheiros, a floresta pode não ser o melhor lugar para dormir, mas nesta noite não choveu e nenhum monstro os pertubou. Assim, fora Félix, Vicente e Hóris, todos puderam dormir uma merecida noite inteira de descanso. Um homem vestido de roupas bem grossas de pele de animais é o segundo que desperta, depois de Vicente. É uma pessoa de enorme estatura, mais ou menos uns 2 metros e meio, longos cabelos cacheados de um tom castanho enfaixam seu rosto viril emoldurado por uma espessa barba bem cuidada. Aliás, a barba é a parte do corpo em que mais se atenta, fazendo afagos e mantendo-a bem limpa. Seu nome é Félix e seu inseparável machado já aparece como que por mágica em suas mãos.
— Vou caçar o café da manhã. Quer vir comigo Gerdon?
Um garoto de não mais de 11 anos ainda está coçando os olhos, tonto de sono, qualquer um vê que ele não quer nem mesmo se levantar, quanto mais caçar à esta hora da manhã.
— Nãoooo... Obrigaaaadooooo..ooo... Gerdon responde com um bocejo bem grande. Apesar da pouca idade, o menino apresenta várias cicatrizes nos finos braços, seu cabeleira loura possui diversas falhas e em seu rosto um imenso ferimento na testa ainda está sarando.
— Hummf! Félix dá de ombros — Os jovens de hoje... Não querem saber de nada...
— Exatamente como você quando tinha a idade dele. Regina o corta, ela acabou de acordar. A repreensão da mulher provoca um imenso sorriso em Félix, que faz sua tradicional mesura matinal.
— Salve Senhora de Nepópolis, seu humilde servo preparava-se para conseguir seu desjejum. O que a minha senhora gostaria como refeição? Félix faz o máximo que pode para se curvar, mas o máximo que consegue é ficar na mesma altura que Regina.
— Pare de me chamar de "Senhora"! Não estamos mais em Nepópolis e não sou nenhuma velhilha para ser chamada assim!
— Perdão, Senh... digo "Ama"... digo "Chefa"... Ahh, não sei mais o que digo...!
— Diga "Regina", será simples e eu lhe atenderei.
— Sim, Sen... digo "REGINA"!
— Acho que você está atrasado, não estou vendo Télia em lugar nenhum. Ei, Hóris! Onde está Télia?
— Foi procurar comida. Hóris levanta vôo, ficando acima das árvores, dá uma rápida olhada em volta e desce ao lado de Regina. — Ela está naquela direção, junto ao riacho. Hóris aponta para uma das trilhas da clareira.
— Diacho! Então vou avivar a fogueira! Félix sai resmungando.
— O que houve com ele? Hóris pergunta à Regina depois que Félix saiu.
— Ciúmes... Ele acha que Télia quer tomar o lugar dele.
— O lugar dele? Como assim?
— Félix ainda acha que é responsável por mim, e acho que por nós todos... Na cabeça dele é ele quem deve procurar comida ou providenciar o acampamento, essas coisas...
— Ahhh, mas Télia só quer ajudar!
— Eu sei, mas Félix é teimoso...
— Será que teremos algum problema?
— Entre Félix e Télia? Imagine! Eles se adoram!
— Não sei não, eles brigam que nem cão e gato.
— É por isto que digo que se adoram!
Hóris não entende e alça vôo novamente. Acima da copa das árvores a manhã se espalha sobre a imensa floresta de Vinedian. Além, muito além da floresta, Hóris vê as negras torres de Garema, bem pequenas à esta distância, mas Hóris sabe que elas são enormes e que a viagem até lá ainda vai durar bastante tempo. De repente, uma apreensão assalta a mente de Hóris, ele sente que está sendo observado, que algo ameaça o grupo. Mas a sensação logo desaparece e Hóris não a leva em conta quando desce e se junta novamente à Regina.
— Ainda estamos muito longe? Regina pergunta.
— Mais uns quatro dias, naquela direção.
— Tudo bem, então. Vamos!
Regina vai para onde está Gerdon e Vicente. Os dois estão percorrendo os arredores, determinando se alguma coisa entrou no perímetro do acampamento enquanto eles dormiam. Ao chegar perto de Vicente, salta aos olhos a semelhança entre ele e Regina, não restando qualquer dúvida de que são irmãos. A mesma cor de pele, claríssima, duma palidez cadavérica; os mesmos cabelos brancos lisos e escorridos; os mesmos olhos claros, de um fulgor que não se vê em albinos; os mesmos traços firmes no rosto, que denotam a forte personalidade que cada um deles tem. Regina observa Vicente, ela não consegue deixar de sentir admiração pelo seu irmão mais velho, em sua mente repassa os momentos que passaram nos últimos dois anos, desde que ele a encontrou na Torre de Linis. É neste momento que ela vê Gerdon, o garoto de Ukana, Cidade dos Guerreiros. O menino fugira com seu grupo e até hoje ela não sabe o que o motivou à isso...
Um leve sobressalto.
Regina olha em volta, a floresta está exatamente como estava antes. Nenhuma mudança no pio das aves ou no barulho das árvores no vento. A sensação de desconforto logo desaparece.
— Olá pessoal! É Télia quem retorna, em suas mãos um cacho de frutas e algumas raízes. Ao seu lado vem Esla, uma pequena bolha azul com olhos e boca, um Slime (nas palavras de Télia) "fofinho". Ele vem acompanhando Télia como um cachorrinho acompanha sua dona.
— Bem vinda de volta! Regina cumprimenta a amiga — O que temos no café da manhã de hoje?
— Frutas fresquinhas! E suculentas e macias raízes de batata-doce! Foi Esla quem achou as batatas! Ele é muito inteligente! Esla fica púrpura, mistura do vermelho do lisonjeio com o azul de sua pele.
— Frutas?!? De novo!?! Gerdon faz uma cara feia diante do tipo de alimento que Télia trouxe. — Vou acabar virando um passarinho se continuar comendo só isso!
— O que é que tem de errado com as MINHAS FRUTAS? Télia levanta o tom de voz, visivelmente ofendida pelas palavras de Gerdon.
— Repete a parte de virar passarinho, se for capaz... Hóris também está indignado com o garoto.
— Há! Eu quero carne! Um delicioso assado, ou um caldo bem forte, isto é que é comida para homens!
— Vem cá pirralho! Télia avança para cima de Gerdon — Você tem coragem de matar outro ser vivo para comer!?! Que selvageria! É nojento! É maligno! É errado! REGINA!! Télia se volta para Regina — Diga pra ele que é errado!
Regina até então só estava assistindo à mais uma das brigas entre Gerdon e Télia. Télia só tem 16 anos, em muitos aspectos ainda não deixou de ser uma criança, apesar de já ter a força e o corpo de uma mulher. Regina, do alto dos seus 21, às vezes se cansa de ter de agir como mãe dos dois, ou dos três, se você incluir Félix, que também discute horrores com Télia acerca do seu vegetarianismo radical. A "mãe" dá de ombros, talvez se lembrando que adora um guisado de pato e faz tempo que não come um, e tenta dar um fim na briga.
— Gerdon! Télia levantou cedo e foi pegar as frutas! Télia, você não pode obrigar Gerdon a comer isso ou aquilo! E parem de brigar AGORA!!
Aves levantam vôo de repente, Regina sente uma mão bem pesada pousada em seu ombro, é Félix. Ele silenciosamente passa para as mãos dela o Sabre de Vunar, arma que ela aprendeu a manobrar recentemente. Regina olha em volta. Hóris está com os pêlos eriçados, os olhos bem abertos e atentos, já empunhando seu bastão de aço. Gerdon está sério, bem diferente do menino encrenqueiro de agora à pouco, lentamente ele se abaixa e desembainha uma imensa espada que estava bem ao seu lado. Télia está assustada, o jeito sério e ameaçador dos seus amigos fazem que por um momento ela não saiba o que fazer. Angustiada, procura seu amigo Esla e o encontra bem tenso, como que esperando um ataque... "É isso!!" Pensa Télia. "Eles estão esperando um ataque"! Seus olhos correm em volta do acampamento, mas ela não vê e nem sente nada. Mesmo assim, imita seus colegas e fica em postura de combate.
Vicente até então estava afastado deles. Em contraste com a tensão dos seus companheiros, ele está bem calmo, em cada uma das suas mãos uma adaga, as adagas gêmeas de Vunar. Com movimentos de olhos e cabeça ele comanda os outros e cada um fica posicionado em volta dele, fechando um círculo.
— Espalhem-se!!
O grito de Vicente chega uma fração de segundo antes do chão ceder sob seus pés. A grande clareira onde passaram a noite agora é um enorme buraco, resultado de uma fortíssima explosão. Hóris salvou Gerdon e Télia, carregando-os a tempo. Regina utilizou sua telecinésia e tirou Félix e Esla do local da explosão. Só Vicente recebeu o impacto de frente, o que rasgou sua roupa em várias tiras, mas seu corpo resistiu bem, sem nenhum ferimento.
De dentro do buraco emerge um gigantesco monstro-robô, com 4 enormes pernas, um tronco de aço e braços que carregam uma besta numa mão e uma espada curva em outra. Sua cabeça é bem rente ao corpo, e no meio dela um maligno olho vermelho anuncia as intenções do monstro. Imediatamente ele ataca, com um rápido golpe de sua espada tenta acertar Vicente, que se esquiva por pouco da lâmina. Seu único olho emite um brilho intenso, seguido de um raio destruidor que acerta o local onde Hóris pousa com Gerdon e Télia. Hóris consegue se desviar do raio, mas não das ondas de choque que ele provoca ao atingir o chão, fazendo com que ele solte seus amigos, que são arremessados à distância.
Gerdon gira sob si mesmo e ainda no ar finca a ponta de sua enorme espada no chão, fazendo com que aterrise violentamente, mas sem se machucar. Télia conta mais com a sorte, caindo sobre um arbusto que amortece sua queda. Ela fica horrorizada com a agressividade do monstro, e rapidamente procura ver onde está seu amigo Esla. Ela vê Regina concentrada em afastar Félix e Esla da criatura, ela voa com a telecinésia, e carrega os dois juntos. O robô agora concentra seus ataques neles e arma a besta, que retesada dispara uma flecha de energia, que atinge Regina em cheio fazendo com que os três caiam pesadamente no solo destruído.
— REGINA!!
Télia grita, seu primeiro impulso é correr para socorrê-la, mas no seu caminho está a criatura, prestes a atacá-la. O olho do monstro volta a brilhar e um novo raio de luz é disparado. Télia está paralisada pelo medo e fecha os olhos para não ver seu próprio fim.
Passam dois segundos. O fim não veio, na frente de Télia está Gerdon, sua espada bloqueou o raio. O garoto parece bem maior agora, como se a espada em sua mão fosse uma extensão do próprio corpo. Ele aproveita o momento e corre para um ataque frontal. Sua espada rasga o chão e levanta-se num facho de luz, mas é inútil. O monstro é revestido de um dos mais resistentes metais que existem, o golpe nem chega a arranhar. Gerdon se desequilibra, o inimigo quase o acerta, mas Hóris o salva no último momento.
Hóris arremessa Gerdon para um local seguro e se volta rapidamente para o robô. Ele faz uma meia volta em torno do monstro e golpeia espetacularmente com seu bastão de aço o flanco anterior da criatura. O inimigo emite várias vibrações graves, mas não demonstra o menor sinal de avaria, sua cabeça gira e focaliza o homem-pássaro, a espada curva do monstro faz um movimento ascendente em direção à Hóris, mas um pesado machado a intercepta. Félix faz com que a arma do rival seja enterrada no chão, mas ela só fica nesta posição um mísero segundo. No momento seguinte Félix vê que o monstro é mais forte que ele e levanta seu machado com relativa facilidade. Félix decide atacar de outro modo, e aproveita o rebote do golpe que a criatura lhe aflige para dar mais velocidade ao machado, que gira em seus poderosos braços e atinge um dos lados do robô. Um ensudecedor zumbido agudo ressoa na floresta, mas Félix só consegue criar mais um dente no fio da lâmina do seu melhor machado.
Félix se joga para trás, a tempo de se esquivar do golpe da espada. De relance ele vê Vicente, suas roupas em frangalhos, resultado da explosão, ele parece um gigante de mármore branco, nas suas mãos as adagas brilham com uma luz azul. Félix observa o amigo golpear a criatura com as adagas numa grande explosão de energia. O brilho cegante os impede de ver qualquer coisa, mas por fim só sente Vicente o carregando para longe da flecha de energia do robô. O ataque não fizera nada na criatura.
— Hóris! Regina! À mim!
Vicente chama seus companheiros que estavam mais longe. Hóris carrega Télia e Gerdon, enquanto que Regina se encarrega de Félix e Esla. Vicente atravessa a floresta com extrema rapidez, quase que seus amigos não conseguem acompanhá-lo. À mais ou menos dois quilômetros da criatura, Vicente faz uma rápida parada. Ele não demonstra qualquer sinal de fadiga, mas seus olhos denunciam a grande raiva que ele está sentindo. Atrás dele o monstro vem destruindo toda a floresta em perseguição, Vicente tem pouco tempo, seus companheiros sabem que ele quer falar, e se reúnem em volta dele.
— Nada adianta... Vamos fazer o monstro ficar parado! E, Télia! Descubra o ponto fraco dele!
— Mas Vicente...
— Nada de MAS! Regina! Atinja a junção da perna esquerda, Félix e Hóris, ajudem-na. Gerdon e eu cuidamos da direita. Conto com você, Télia! AGORA!
O inimigo acabara de chegar, seu olho brilha novamente e faz um ataque rápido e destruidor, mas agora todos estavam preparados. Félix aproveita a onda de choque para ganhar altura, e por um momento parece voar sobre a criatura. Ele levanta o machado e com as duas mãos inflige um poderoso golpe na articulação de uma das pernas do monstro. A criatura não demonstra dor, mas o local onde o machado de Félix atingiu fica avariado.
O inimigo tenta acertar Félix com a besta, este corre para escapar. A flecha de energia é lançada, o que distrai a criatura por um momento, momento suficiente para que o sabre de Vunar de Regina ataque no ponto onde Félix atingiu o monstro. A perna está cambaleando, Regina foge o mais rápido possível e ao seu lado passa um raio de imensas asas cinzas. É Hóris, que com um golpe estraçalha a perna do monstro.
Sem uma perna, a criatura fica um pouco mais lenta, mas as outras três compensam seu equilíbrio. O monstro agora procura acertar Hóris, que voa em círculos acima de sua cabeça, não vendo uma pequena sombra que sorrateiramente se prepara para lhe aplicar um golpe em outra de suas pernas. Gerdon toma o máximo cuidado para a criatura não lhe vê até que seja tarde demais, para ela, é claro. No momento proprício ele ataca, sua espada quase arrebenta a estrutura da junção da perna do monstro, que percebe que foi atacado e responde com sua espada. Gerdon bloqueia o golpe da criatura. O monstro é forte, mas Gerdon também é. Concentrando-se no garoto, o olho do monstro não vê o movimento rápido de Vicente, que numa grande explosão causada por suas adagas acaba de vez com a perna direita do monstro. Sem duas pernas, a máquina desaba de lado no chão.
O olho do robô gira enlouquecido, ele está analisando a situação, e seus alarmes internos denunciam a presença de alguém muito próximo de sua besta. É Félix, que com um vigoroso movimento de seu machado estraçalha a saída das flechas de energia, inutilizando sua arma. A atenção do robô se volta para a espada, mas ninguém está perto dela. De repente, o monstro percebe que caiu numa armadilha, e vê Hóris e Regina tentarem atacar seu olho. Mas a máquina os rechaça com um imenso raio.
O robô não vê, mas uma frágil figura está de pé diante dele. Télia sabe que tem pouco tempo antes do monstro se recuperar, mas seus amigos contam com ela. Ela dá um passo em direção à criatura e toca-a com a palma de sua mão esquerda. Imediatamente um brilho negro emerge de sua mão e passa para todo o seu corpo, eriçando seus curtos cabelos ruivos. O brilho negro se concentra na sua cabeça, e em sua mente Télia vê imagens, lembranças do passado da criatura.
Télia vê imensas fornalhas, o solo é vermelho e quente. No ar muitos gritos e lamentos, Télia já esteve aqui antes e reconhece o inferno das profundezas. Sua familiaridade com o local é tanta que sabe que está no recinto destinado aos violentos contra o próximo, aqueles que subtraíram a vida dos seus semelhantes, o antro dos assassinos. Télia vê multidões mergulhadas em pez fervente, seus gritos de lamentos quase a deixam surda. O horror que sente de estar de volta à este lugar só não é maior que a vontade de saber de onde veio o monstro que os está atacando.
De repente ela vê, enormes fileiras de máquinas iguais à que os atacou, em cada uma delas uma abertura na parte de baixo, por onde é inserida a alma de um condenado. A alma é selada no interior de uma gema, inserida dentro do robô, que passa a ser chamado de "Máquina Assassina". Ele recebe uma besta e uma espada, e a vil missão de destruir tudo o que estiver no seu caminho. Télia entende que o ponto vulnerável da criatura é a alma condenada em seu interior, e quando estava observando para saber se conseguia mais alguma informação, sente que está sendo carregada por enormes braços. É Félix, que por pouco não consegue salvá-la de mais um ataque da criatura.
Hóris, Vicente, Regina e Gerdon correm para onde está Félix. Todos estão preocupados com Télia, que parece ainda meio inconsciente. Quando ela acorda e vê todos os olhos dos seus amigos concentrados nela, não deixa de sentir um pouco de remorso por dar tanto trabalho à todos eles. Vicente lhe interroga com os olhos, Télia sabe qual é a resposta que ele quer:
— A parte de baixo, entre as pernas, atrás da criatura... Télia está falando só com um fio de voz — É a parte mais vulnerável... Acabe com a gema... Télia desmaia.
— Félix! Cuide dela! Regina! Dê cobertura pra Gerdon! Vicente dá as ordens, seu treinamento militar lhe ensinou a não perder tempo. — Hóris! Comigo!
Regina concentra agora em fazer com que Gerdon fique perto da criatura, seus olhos ficam vermelhos, suas maõs começam a brilhar com um fulgor rubro, ela faz um movimento de meia-lua com as mãos e as juntas com as palmas para frente, ao mesmo tempo que grita
— MERANI!
E um jato de fogo sai das palmas de suas mãos, indo atingir a criatura no seu lado direito. O ataque não faz o menor efeito, mas Regina já sabia disso, o que ela quer é distrair o monstro para que ele não veja Gerdon escorregando por trás dele e preparando-se para lhe atingir no ponto fraco. O garoto aproveita muito bem a chance, e desfere o mais poderoso golpe que a criatura já recebeu, o metal que reveste o local onde está a gema está acabado, todos podem ver um tênue brilho vermelho escapando pelo rombo aberto por Gerdon.
Nesta hora, Hóris voa com uma incrível velocidade, ele carrega Vicente, que sem demora arremesa uma das adagas na luz escarlate. A arma acerta seu alvo, trincando a gema. O monstro fica descontrolado, sua espada faz agora diversos círculos, acabando com tudo em volta, seu olho também ficou maluco, emitindo raios para todas as direções. A situação é complicada, mas Vicente como sempre está calmo, ele arremesa a adaga irmã e ela direciona-se sozinha para onde a primeira acertou. O encontro das adagas gêmeas é anunciado por uma enorme explosão, que destrói toda a parte inferior da criatura.
O olho não brilha mais, a criatura está imóvel, os companheiros enfim podem descansar, o monstro fora derrotado. Gerdon está com os olhos brilhando, a lâmina da espada da máquina assassina é uma das melhores que ele já viu e decide ficar com a arma para si.
— O que você pensa que está fazendo? Télia pergunta à Gerdon, pois viu ele tirando a espada do monstro. Nas mãos dela um assustado Esla procura se acomodar o máximo que pode.
— Eu acho que ele não vai mais precisar dela... Ei! Tudo bem com você?
— Mais ou menos. Vou sobreviver. Hummm... Agora fiquei com fome... Ei! Cadê minhas frutas?
— Acho que não sobrou mais nada... Regina fala num tom estranho, ela está olhando em volta.
— Como assim não sobrou mais nada!?! O que você está olhando? Oh!!
Télia vê a floresta, ela está pegando fogo em diversos pontos, árvores derrubadas, o solo arrasado, vários animais mortos, um furacão não causaria mais estragos do que sua luta contra a criatura monstro-robô.
— Que horror! Meu Deus! Como vamos consertar tudo isso? Télia está desolada. Na emoção acaba apertando Esla demais, este emite um pequeno gemido.
— Como assim consertar? Já não fizemos o bastante nos livrando daquela coisa? Eles que se virem! Gerdon lhe responde.
— Fomos nós que causamos toda esta destruição, é nossa obrigação fazer alguma coisa! Novo aperto em Esla, novo gemido.
— Ah! Não mesmo! Isto não é problema meu! Gerdon não liga a mínima para os outros, pelo menos é o que demonstra.
— Seu... Seu... INSENSÍVEL! REGINA! Diga para este INSENSÍVEL que nós vamos cuidar da floresta, fazer com ela fique de volta como estava... REGINA! Você está me ouvindo...? Esla está ouvindo, e gostaria que Regina o salvasse.
Regina ignora Télia (e o pobre Esla), sua atenção está voltada apenas para seu irmão. Ele não está muito ferido, mas três explosões foram o sufiente para deixá-lo em maus lençóis. Ela junta suas mãos no peito, uma luz branca começa a brilhar e Regina diz:
— BEHOIMI!
Luzes brancas envolvem o corpo de Vicente e cada um dos seus ferimentos começa a sarar, no lugar de cada um deles uma fina cicatriz é a única lembrança deixada. Vicente sente suas forças retornando, como se estivesse acordando. Sente que está numa cama bem confortável, num lugar bem iluminado. De repente se dá conta que não está mais na floresta, mas sim na sala circular de Phene. Na sua frente o sábio Dilax lhe observa com uma réstia de brilho verde nos olhos.
— Não há mais dúvidas! Você possui o espírito de Vicente!
— Como assim? O "espírito"? Eu não sou Vicente?
— Vicente, O velho agora está de pé, morreu há mais de 7000 anos. Você não é o grande Vicente, mas possui o espírito dele.
— Como é que é? O que significa tudo isso? Ei! Volte aqui!!
O velho deixa a sala, mas antes de fechar a porta, seus olhos se voltam para Vicente:
— Amanhã você saberá, pois amanhã você conhecerá Phene.
E Dilax vai embora, deixando para trás um mais do que confuso Vicente.
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