A última folha da árvore

Naquela noite Manoel saiu de casa muito revoltado, os filhos o afrontavam o tempo todo, não o obedeciam e a esposa não parava de persegui-lo; criticava-o por jogar futebol, por tomar uma cerveja com os amigos, por se comunicar pelo MSN, enfim eram muitas as razões da perseguição. Retirou o carro da garagem e saiu a esmo, parou em um bar na avenida para tomar uma cerveja e lá encontrou um velho conhecido:

- Pô Jorge, você por aqui?

- Mundo pequeno, héim!

- Senta aqui, vamos contar umas mentiras juntos.

Sentaram-se e realmente havia muita conversa para ser colocada em dia.

- Mané, você está mal héim...

- Dá pra notar?

- Claro que dá. Desde quando me sentei aqui, você só reclamou!

- É que a minha vida está muito difícil.

- Sei lá, encontre uma saída, homem! Alguma coisa interessante para fazer! Que tal uma diversão, pode ser até uma gatinha diferente para passar a noite.

- Não, não... Não. Eu sempre fui fiel à minha esposa e se com uma mulher já tenho muitos problemas, imagine duas ou três...

- Mas com esse humor que você tá, vai acabar tendo enfarto ou coisa pior.

- Realmente, eu preciso me controlar e arranjar uma saída. Acho que vou embora.

- Vai para onde?

- Sei lá! Vou ligar o carro, pôr a marcha e acelerar, ouvir aquele rock pesado, o resto eu não sei.

- Já que é assim... Me dá uma carona até a minha casa.

- É longe?

- É nada. Além disso, o caminho é muito tranquilo.

Passaram no caixa:

-Deixa que eu pago Mané, você já vai me dar a carona.

Saíram, foram até o carro, um gol mil cinza todo arrumadinho e cheio de detalhes de acabamento.

No caminho, Mané ligou o carro, colocou um cd de mp3, som alto e seguiu na direção que o amigo ia indicando. No caminho para a casa do amigo baixou o som para poder conversar, passaram por um bosque onde, em razão da época do ano, as árvores estavam com todas as folhas caídas, mas uma delas guardava apenas uma folha. Uma única folha, viva, presa à árvore.

- Você notou Jorge?

- Notar o quê?

- Só uma árvore tem uma única folha.

- Sinceramente, eu nunca prestei atenção nisso.

- Você não acha interessante?

- Tanta coisa pra pensar e eu vou ficar prestando atenção nas folhas que caem das árvores.

- Você não conhece aquele ditado bíblico: “nenhuma folha cai de uma árvore se não for a vontade de Deus”.

- Já ouvi falar...

- Então tem de ter uma razão lógica para isso acontecer.

A partir daí, Manoel ficou mais quieto, pois não parava de pensar naquela árvore com a folha.

Manoel deixou o amigo em casa e voltou pelo mesmo caminho. Quando chegou ao pequeno bosque, parou e foi até embaixo daquela árvore. Ficou olhando e pensando, por que só aquela folha se mantinha ali. Ficou ali durante um bom tempo e depois foi embora. Tanto tempo ficou que se esqueceu dos problemas recorrentes na família. A partir daquele momento, todo dia ele passava ali para olhar para a árvore e ver se a folha ainda estava lá. Em um sábado de manhã, passou por lá e havia um homem cuidando do bosque. Desceu do carro e foi até ele:

- Meu amigo, por que você acha que só aquela folha continua firme naquela árvore e todas as outras já caíram? Perguntou ansioso por uma resposta que lhe preenchesse o vazio.

- Foram muitos dias de chuva, frio, sol, vento. Respondeu o homem com ponderação.

- O que é que tem isso a ver com a folha?

- Os momentos difíceis aconteceram para todas as folhas, as fracas caíram todas e aquela ficou ali para provar que os fortes e persistentes resistem mais tempo a todas as adversidades da vida.

Aquela resposta bateu fundo. Tocou a alma de Manoel que foi para casa cheio de reflexões sobre a vida. No outro dia, um domingo de sol, ele voltou lá e para surpresa dele, enquanto olhava para a árvore, veio uma brisa repentina e derrubou a folha que veio a cair suavemente em suas mãos. Aquela folha havia suportado tantas adversidades, mas agora bastou uma pequena brisa para derrubá-la. Ele olhou para ela em suas mãos e a levou para casa. A partir daquele dia, sempre, quando passava por momentos difíceis, pegava a folha que estava guardada, olhava para ela e dizia para si mesmo, sou mais forte que o vento das situações inesperadas, que o frio do coração dos homens e que todas as intempéries das almas humanas perturbadas. Talvez algum dia uma pequena brisa me tire a vida também, mas até lá preciso ser forte para superar as adversidades.

Depois de alguns dias, passou pelo bosque novamente e viu que todas as árvores estavam cobertas de folhas e pensou: “quem sabe eu possa tirar disso, também, grandes lições para a minha vida”.