Corpo Veludo

Prólogo:

Com este texto homenageio a doce e irreverente morena, a quem chamarei de Maria Ivete (o nome verdadeiro é mais lindo. Parece nome de rosa). Ela possui as pernas mais perfeitas dentre os inúmeros amores errantes de minha tumultuada e malfadada existência terrena.

A musselina que lhe cobria o corpo naturalmente dourado não absorvia a temperatura morna nem o cheiro suave de hortelã que, de forma sutil, contrastava com o riso contrafeito do homem sério.

Ela aspergia o ambiente com essência de flores não apenas com seu hálito, mas principalmente com os odores insurgidos de entre as coxas morenas, tenras, mornas, capazes de desnortear o mais sensato dos homens.

Esse odor profundo, agridoce, no qual o eu sôfrego entrega-se ao desvario mais que insano, faz-me pensar na peregrina formosura exótica da mulher de olhos negros, que agora anda errante, em busca, há muito tempo, de um complemento de seu eu.

Ah! Se mais santa e virtuosa fosse dentre todos os meus malfadados, pretéritos e sofridos amores... essa morena seria aprisionada em meu castelo de rosas e flores, onde a música eterna, celestial, que se assemelha aos sons da natureza, tornaria meu bem-estar colorido, doce e perfumado, perene ou menos sofrido aos meus ouvidos que os desejo moucos para não ouvir suas súplicas.

Eu me encontrava contente, houve uma promessa feita, de forma velada, no dia anterior, no olhar sutil, num gesto apenas percebido pelo meu coração em festa, quando os lábios entreabertos foram umedecidos pela língua rósea, sugerindo pecados mil, como a dizer com a boca silente, totalmente muda:

"ter-me-ás sem limites e te darei o prazer desejado e merecido dos deuses. Quero te sentir agigantando-se dentro de mim, apossando-se do meu espírito, deixando em meu ser, com teu falo em brasa, as marcas de amor nos açoites que tua sanha infligirá ao meu corpo devassável; quero, em júbilo inexcedível, ser empalada por ti e após esse gratificante suplício, sob a vergasta impiedosa, tombará ressupino meu corpo lasso, lanhado, lânguido, desfalecido, exangue... e nessa ocasião, com a alma extenuada, considerar-me-ei a mais excelsa das criaturas; querida, útil, necessária, feliz e saciada".

Ela não é artificial, não procura dizer o que sente com palavras ensaiadas; a "adolescente Maria Ivete" possui o carisma na medida certa para agradar ao mais exigente dos homens! Extremamente feminina, entrega-se aos deleites da carne tal qual divina messalina que a todos seduz com seu corpo de veludo.

Como um insurreto teimoso e anarquista eu sempre lutara contra a crença de que a luxúria é mais danosa para o espírito do que para a matéria. Não sei, ainda, se estou certo. A dúvida persiste.

Por que eu via na morena belicosa, mais que animada para um demorado embate amoroso, numa noitada inesquecível, um complemento de mim mesmo? Como explicar a devoção e excelso zelo, até nos mais breves sonhos, que essa doce morena me proporciona?

Às vezes ela me agredia com palavras chamando-me de egoísta, frio, insensato, calculista, mas no fundo queria mesmo era testar minha agressividade, minha reação diante de uma suposta ofensa. Desejava ser agredida, talvez espancada, com a ternura de que sou capaz.

Finalmente aconteceu a realização do sonho maior. Sob o meu corpo e entre gemidos esparsos, suplicou por uma flagelação forte, impiedosa; encorajando-me, entre soluços a lhe beijar, cheirar, lamber, bater, morder, sodomizar e perambular pelo seu interior; buscando atingir sua alma com o látego que proporcionava ríspidos estalos na carne morena convulsa, no corpo veludo que se contorcia em prazeres desmedidos.

Extremamente saciado, pude sentir que seu sussurro estava rouco, sua respiração ruidosa como estertor de moribunda; seu coração disparado, em diástole crescente, parecia prestes a explodir em mil pedaços para borrifar na magia que nos envolvia a essência de nossa paz e acme do gozo mútuo alcançado.

Tendo em vista alcançarmos juntos os acmes do gozos sublimes, que merecemos pela conquista sem limites do amor sem pecados, culpas ou limites quaisquer, praticamos a extrema-unção na irreverência mútua que a rebeldia e ousadia nos permitia.

O cândido sorriso não deixava dúvida, a entrega sem limites estava prestes a ser vivenciada. O corpo veludo da mulher perfeita, no que se propunha fazer, fazia parte dos meus sonhos obsessivos porque completava o meu anseio nas madrugadas frias, quando a chuva pertinaz caia a cântaros, indiferente ao meu abandono voluntário, porém necessário para a consecução dos meus desígnios divinos.

Simples, porém muito experiente na arte do amor, a menina-mulher (ela pensa como menina e age como mulher) Maria Ivete busca há algum tempo preencher o vazio da solidão que inexoravelmente alastra-se em seu espírito vivaz. Ela não reage aos seus desígnios, às minhas loucuras!

Autofágica por opção, nutre-se de sua dor, quando em momentos fugazes mostra-se infeliz alimentando-se de seu próprio desgosto e choro convulsivo nos braços da amiga Etesile que, sendo sua confidente e parceira de infortúnios, tão ou mais sofrida do que ela, apesar da juventude, olhos negros como o azeviche e rosto oval lindo, dá-lhe o necessário conforto espiritual quando choram abraçadas exteriorizando emoções, sofrimentos recíprocos e mútuos fracassos nas relações interpessoais.

Comunicamo-nos de maneira primitiva, com o uso da expressão corporal; assanhamo-nos, flagelamo-nos; digladiamo-nos em locais apenas imaginados, em uma dança orgástica, na busca da unidade recíproca e verdadeira da felicidade dos corpos em harmonia.

Igual a virtuosa "branquinha", que me alimenta nas fantasias mais extravagantes, que foi minha mentora emocional para eu escrever o texto "somos iguais", essa morena de corpo escultural, em meus devaneios, usa a boca como voraz serpente ofiófaga, mas com uma diferença singular.

De cócoras, sobre meu corpo esquálido, emite, nesses momentos, um misto de silêncio, rumores e silvos ininteligíveis, tal qual floresta encantada, ou regougo de esfaimada raposa no cume do outeiro, quando se refestela e gorgoleja, após o jorro do néctar da vida, que lhe inunda a vagina e entranhas, ou pela boca e esôfago, à guisa de prêmio, pela ousadia da gratificante felação ansiada e demorada.

Com os olhos trêmulos e o corpo convulso, nessa ocasião, ouço sons harmoniosos, os quais um dia ouvi e escrevi, acreditando estar adentrando pelo Portal da Glória.

São os sublimes sons lastimosos, ausentes e presentes, latentes, adormecidos, agora despertos e estimulados; cálidos e frios, excitantes soluços ao luar, suspiros d´alma, eflúvios mansos e ardentes nos alegres peitos arfantes; choros estimulantes ao vento noturno, que saciam a fome da carne pecaminosa em chamas.

Ela usa tecido de Cachemir nos vestidos largos, tépidos e cariciosos; ao mesmo tempo belos de ver e agradabilíssimo de usar (tal qual religiosa devota). São essas vestes, chamas leves, tépidas que me fazem enlouquecido escrever sobre os prazeres que me proporciona a inigualável, profunda macia e incomparável garganta do "Corpo veludo" da santa qua aos poucos se solta e se rebela contra os canhestros e malfadados grilhões pessoais e sociais.