Um Conto de Natal
Noite triste e deprimente para Ana Paula, poderia ser apenas mais uma não fosse véspera de Natal e por mais uma vez não tivesse brigado com o namorado e o deixado sozinho na casa de seus familiares.
Ela e o namorado nunca viveram às mil maravilhas, no entanto ele era o único que preenchia os dias solitários dela, desde que a sua amada mãe falecera. Seu pai sempre trabalhando muito e distante, mais distante agora que conhecera uma mulher muito mais jovem que o tirara dos eixos da racionalidade.
Entrou batendo a porta e jogando o que encontrava pela frente. Sentia um misto de ciúmes, raiva, solidão. Não acreditava que mais uma vez se deixara iludir com as belas palavras do rapaz e descobrira mais tarde que ele havia mentido. As lágrimas não podiam ser contidas. Escorriam sem que ela quisesse, borravam a maquiagem e caíam no belo vestido que ela escolhera com tanto esmero para a ocasião. As palavras “Estou grávida dele”, ecoavam fazendo-na sofrer como se ainda estivesse ali presente no meio de todos e aquela menina conhecida de vista, ainda em pé na sua frente repetisse euforicamente para ela que esperava um filho do seu namorado.
Abriu a porta do seu quarto, se jogou na cama e esfregou os olhos fazendo a maquiagem borrar os olhos úmidos e inchados.
Com a cara enfiada no travesseiro, se lembrou da mãe. Se lembrou das discussões que tantas vezes tiveram e ela repetindo: “Este garoto não presta, ele vai te fazer sofrer...” entre outras tantas palavras sempre tentando alertá-la e protegê-la do sofrimento que previa.
Soluçou afogado e disse em voz alta:
- Me perdoe mãe...Mãeee, se pode me ouvir me perdoe. Me perdoe, por te deixar falando sozinha quando queria comigo conversar. Por ter batido a porta na sua cara tantas e tantas vezes quando você só queria me dar colo. Me perdoe por ter sido tão intolerante, ignorante, arrogante. Me perdoe por te magoar, te ofender....Como eu queria Mãe, só mais uma vez nos seus braços poder estar, e no seu abraço poder ficar....abraço que me neguei tantas vezes te dar. Mãe....Mãezinha...
Num impulso infantil em meio as suas lágrimas descontroladas ela se levantou pegou a agenda e começou a escrever ao Papai Noel;
“Eu nunca pedi nada à você, mas hoje eu queria a minha mãe, somente ela. Mesmo que por um instante apenas...”
Rabiscou o papel com raiva da sua infantilidade e quase insanidade. Apagou a luz se jogou na cama e se deixou abater pelo choro e cansaço, adormeceu.
Despertou suavemente com a brisa da madrugada que entrava pela janela aberta. A lua iluminava o quarto. Sentiu um abraço a envolvendo. Como que entorpecida pelo ambiente e o perfume dela, não podia acreditar, ela estava ali a lhe sorrir, a lhe velar o sono.
A garganta apertou, lágrimas brotaram sem poder ser contida novamente, ia pronunciar algo, quando a bela mulher lhe tocou suavemente a boca com o dedo delicado. Lhe sorriu o mais terno dos sorrisos, beijou-lhe a testa, lhe acariciou os cabelos e lhe afagou no abraço que ela tanto desejara. O momento era de paz, nada precisava ser dito ou ouvido.
Ana Paula se achegou no peito quente e terno da mãe e adormeceu novamente. Teve a primeira noite descansada de verdade desde que a mãe se fora. Acordou com os raios do Sol que brilhavam invadindo o seu quarto. Sorriu com lágrimas nos olhos, sabia que o presente que pedira havia sido entregue. Agradeceu.
Ao se levantar bateu o pé na agenda que caiu na página em que marcara o ginecologista e faltara porque o namorado a tinha proibido de ir. Se lembrou o porque da morte da mãe e marcou para a data mais próxima logo nas primeiras semanas do Ano Novo.
Os dias passaram rápido e já no consultório conheceu uma senhora com quem se identificou muito e que depois de relatar a morte da mãe por ter deixado de lado por anos o exame de Papanicolau, que resultou num cancêr de útero, e do seu medo de fazer o exame desde então, a aguardou na sala mesmo depois de já ter passado pela sua consulta.
Ana Paula descobriu sim um problema, mas um problema que pode ser resolvido por ter sido descoberto tão cedo através do exame.
A senhora foi sua força, e dali nasceu uma linda amizade. E a partir daí Ana Paula passou a frequentar a casa de Lucília e conheceu o seu filho. Um rapaz como a sua mãe sempre dissera que ela merecia; honesto, justo, trabalhador, um homem de bom caráter. Não demorou muito para que o namoro se tornasse noivado e casamento.
Gabriel ganhou uma esposa, Lucilia uma filha, e Ana Paula uma nova mãe.