Cap 4 - retorno para conhecer todo mundo
Depois de alguns meses afastada daquele clima que vi da ultima vez, eu retorno a South town, um bairro afastado de uma metrópole japonesa, dominada por gangues, apostadores de lutas de rua em que rolam muitas notas verdes e cabeças.
Retornei antes que tudo aquilo acontecesse. Antes daquela batalha estranha e sangrenta entre os competidores.
Eu Tinha vários motivos para me encontrar ali novamente. Alguns deles era conhecer e me apresentar de verdade para os lutadores que eu havia visto na minha ultima visita.
Parei em um pequeno local para comer algo, pois estava faminta. Olhei um daqueles típicos carrinhos de rua onde se vendem comidas japonesas. Sentei-me ao lado de um rapaz que não só me chamou a atenção pelo porte físico (pois era muito alto) como também pela aura negativa que possuía. Ele trajava uma calça extremamente alva e apenas uma jaqueta com tiras negras (como suspensórios) que deixavam aparecer seu tórax musculoso e bem trabalhado.
Olhei curiosa, devia ser mais um lutador profissional. Será que ali todo mundo vivia das brigas constantes que existiam? Afinal... não é qualquer um que conseguia manter o corpo que eu estava olhando naquele instante.
Levantei as sobrancelhas de forma irreverente reparando na forma gulosa em que ele comia um yakissoba. Pedi o mesmo prato, falando timidamente em japonês com o atendente que me encarava com sorriso malévolo no rosto.
Senti que o homem ao meu lado me olhou vagamente. Sorri, a fim de fazer amizade enquanto recebo meu prato cheio de verduras e macarrão.
- Parece bom, né? - Pego um par de hashi e pincelo a comida fumegante.
Alguns instantes depois eu ouço a resposta:
- Você não é daqui.... – ele se volta para mim com sorriso de canto de lábio
- Pareço tão forasteira assim?? - solto os palitos e puxo os meus olhos fazendo cara de japonesa corrindo.
Ele come um pouco antes de responder.
- Por fora...não... você não parece tão estrangeira assim.... de onde é? – me olha ainda com ar superior.
- Bom observador... – sorri - Só não sei te responder de onde sou realmente.... pois ando demais por ai. - suspiro com ar de saudade e volto minha atenção para o prato de alimento.
Provo a comida de forma rápida, queimando a língua e fazendo uma careta. O dono do local deve ter interpretado como um gesto de que desaprovei o sabor da comida.
Olho para o homem sentado ao meu lado com cara de catástrofe, enquanto ele me entrega um guardanapo cuidadosamente.
- Cuidado, menina...está quente...
Fico pensando no motivo de ter sentido um ar de maldade naquela pessoa que me foi tão gentil nesse instante.
“Maldita analise pessoal que eu sempre faço de todos!” – penso comigo enquanto pouso o guardanapo nos lábios.
Sempre torço para estar errada em minhas sensações.
- Obrigada... – limpei a boca - Seu nome é??
- Meu nome é Yashiro e o seu? – o olhar dele parecia profundo ao encontrar com o meu.
- Nisa Benthon... Sou uma andarilha de tempo e mundos... – começo a rir desviando o olhar dele. As coisas absurdas que me passam na mente acabam sendo mais fortes do que minha seriedade.
A mão direita dele aperta fortemente a minha e permanecemos segundos mudos.
- Posso ser indiscreta, Yashiro? - pronuncio o nome com silaba tônica errada.
- Não sei se você conseguiria ser indiscreta.... – ele faz um gesto de desdém - Mas vá em frente... pergunte!– volta a comer com a lateral do olhar fixa em meus gestos.
- Você fala isso porque você não me conhece....
Pensei em mil possibilidades de ser indiscreta com ele.... Poderia perguntar sobre suas roupas, por que seu cabelo era daquela forma desgrenhada. Mas continuo me segurando.
Neste momento forcei um pouco a minha memória na tentativa de lembrar de seu rosto em meio a confusão da outra vez em que visitei o local, na luta contra o tal demônio Orochi.
– Você é algum tipo de lutador? – perguntei afinal.
Percebi naquele instante, que não havia ocorrido a luta que eu vira há meses atras. Eu não tinha que me preocupar com isto.
- Boa pergunta....bom a resposta é sim e não! - - Na verdade, entrei com meus amigos num torneio recentemente... Mas meu negócio é a música. Tenho uma banda de rock chamada New Faces....talvez já tenha ouvido falar....
Pisquei curiosa ao ouvir a resposta, sorri com as palavras e a forma com que ele falava comigo. Parecia ironia eu ouvir falar de bandas e musicas ali. Comecei a pensar no nome da banda. Era o mesmo nome de um time de lutas que eu lera em uma pesquisa de rotina.
Agora sim vejo uma oportunidade de retirar algumas informações da mente de Yashiro, para ter mais conversa com ele.
- Sim, já ouvir falar desse nome.... – e começo a dar referencias e musicas que eles tocavam em determinados locais. Vi a cara de assustado que ele fazia enquanto eu falava e resolvi esclarecer que trabalho com produtores musicais malucos que vivem me falando coisas.
- Então, senhorita Nisa... eu gosto mais de estar num palco para tocar, do que para lutar. Esse torneio de lutas que estou participando parece bom pra mostrar a música que tocamos também ...então eu e meus amigos pretendemos dar um... – percebo que ele hesita por segundos me olhando com os olhos brilhando - pretendemos dar umshow no final do campeonato pra homenagear os vencedores...- o altivo homem faz um gesto de vitória e sorri confiante.
A alegria com que falava me deixava contagiada.
- wow!! Que empolgação!! Isso é maravilhoso!!
- E não é? – me presenteia com sorriso gentil e mais uma “palitada” final em sua tigela de comida.
- A maioria das pessoas entram em torneios para se auto afirmarem sobre sua força ou beleza... no seu caso, vejo uma legitima vontade de vencer, mas não na luta, e sim em seu talento. Parabéns ...
Provo mais um pouco de minha refeição, dessa vez me virando de frente para conversarmos mais e melhor.
Perguntei sobre qual torneio de lutas ele participaria. Em meio às descrições que ele fez, um flash de memória passou por minha mente. As imagens de golpes e raios me fizeram dar um salto da cadeira, derrubando o liquido quente da comida encima de todos.
O homem com quem eu estava conversando naquele restaurante de rua conhecia o garoto que foi possuído por um demonio.
- Ei, cuidado...! - Yashiro se assusta e pega firmemente no meu braço, me olhando de forma estranha - você está bem?
Envergonhada e assustada com o que veio a minha mente de forma espontânea, olho para ele completamente perdida. O que vejo ali é mais uma pessoa com ideais puros, que serão afetados por algo que eu não sabia explicar naquele momento.
- Desculpe... - olho para as outras pessoas ao redor. - Vejo que ele havia deixado meu braço vermelho. – Não te falei que eu sei deixar as coisas vergonhosas?? - mostrei o estrago que havia feito no local. Aquilo me deu uma imensa vontade de fazer tudo voltar ao normal usando minha telecinese, mas havia gente demais para presenciar a façanha.
- Ah, não precisa se desculpar...você está bem mesmo? Pensei que fosse desmaiar... – Yashiro me parecia muito atencioso.
- Digamos que sou sensível a certas coisas... que acontecerão daqui um certo tempo. – movimento meu indicador e aponto para a testa dele.
- Acho que não estou entendendo..... – ele fez uma cara de preocupado.
Senti a necessidade de mostrar o que eu queria dizer para ele. Ou me passaria como louca ali, daquele jeito.
Sabia que ele, como lutador, tinha certos tipos de poderes que pessoas comuns não tinham, então sua tolerância para coisas inesperadas era alta.
Fechei os olhos de leve e arrumei toda a bagunça, congelando as demais pessoas por milésimos de segundos, deixando ele acordado, consciente de tudo que eu fazia. Ao terminar me viro para Yashiro , que olhava tudo curioso e soltava uma exclamação.
- você me entende agora? – abro um sorriso amarelo. – eu sou “diferente”.
- Você é realmente... estranha...
- Explicar é mais complicado que mostrar, às vezes..... – sorrio sem graça
- Você deveria estar no torneio também ... – ele volta o olhar para tudo em seu devido lugar e limpo. Gagueja ao falar comigo - na verdade... você tinha que estar lá com certeza....
Considerando o que ele havia acabado de me falar eu respondo em seguida
- Não tenho jeito para afetar as pessoas negativamente... afinal, não é isso que se faz numa luta? Bater ou apanhar? Eu não levo jeito para bater.
- Nem sempre, nem sempre...- responde com a testa franzida - Muitas vezes se pode consertar o que não ficou bem feito....não tem jeito de se fazer isso...sem lutar....
Desisto de comer e devolvo o prato quase vazio devido ao acidente.
- Prefiro lutar desse jeito.... na surdina e sem holofotes ou dinheiro envolvido. –toco em seu ombro de leve e alguns segundos depois continuo a falar - Se bem que eu fazia apresentações de dança usando todos meus poderes, mas todos acham que são efeitos especiais.
Ele olha ao relógio e se volta para mim com ar serio.
- Olha....tenho que ir agora.... - tira um cartão do bolso da jaqueta - Mas gostaria que você participasse do show que vamos fazer na final! Vai ser bom ter alguém com talentos tão especiais lá!!! – fala entusiasmado
- Vai ser ótimo! - Estendo a mão para pegar o cartão.
- Eu ia perguntar mesmo se vocês iriam se apresentar em algum lugar! Estava curiosa para ver você tocar! Você me parece muito alegre! Qual instrumento toca?
Ele responde saindo quase correndo.
- Toco baixo....e também sou vocalista...
Já me imaginei ensaiando com eles. Seria legal!