Quetzalcóatl

- Pronto, está feito! – Pensava o artista enquanto limpava o resto de sujeira ao redor da peça. Bastava uma última conferida nos acabamentos e detalhes para que o criador e a criatura se pusessem a caminho da casa do cliente que havia encomendado a obra. Tudo havia sido feito às pressas, pois o tempo era curto. O cosmo urgia! Forças sobrenaturais clamavam pela hora que se aproximava, e o artista era o responsável pelo gran-finale dessa hora.

Fantástico! – ele pensava consigo mesmo enquanto embalava a peça, em panos resistentes – Sem dúvidas Don Hernandez muito me recompensará por tão magnífico trabalho!

O relógio indicava que o sol estava próximo de atingir o ápice de sua jornada solar. Era preciso se apressar, pois o caminho era longo e naquela época do ano a noite não tardaria a chegar.

A estrada de terra batida era longa e sinuosa. A paisagem chegava a ser maçante; uma secessão infinita de areia e cactos, que formavam uma variedade unitária que por vezes aborrecia.

O tempo... o tempo...

O artista tentava a todo custo conter sua ansiedade em forçar o cavalo a um galope mais puxado. Infelizmente todo o cuidado com a peça era pouco, de tal forma que agarrado ao objeto, como uma mãe se agarra ao filho no colo, ele empenhava ao cavalo o ritmo de uma tranqüila caminhada. Normalmente aquele trajeto não levaria mais que duas horas, porém naquele toque levara quatro.

O sol se preparava para se por, quando eles chegaram o solar de nobre, prontos a fechar o ciclo e receberem sua devidas férias. Para se ter idéia, tal a importância daquele evento, que o próprio Don Hernandez viera recepcionar o seu recém-chegado visitante.

Don Hernandez era dono de muitos acres de terra pelo oriente mexicano, Don Hernandez era tão temido quanto respeitado, e ser recepcionado pelo mesmo em pessoa era um honra sem igual. Ao serem avisados os demais convivas do solar não tardaram a aparecer à entrada.

Uma série de "vivas" foram proferidos em alto em bom tom, antes que a multidão rumasse para um dos prédios mais afastados da propriedade, onde soldados de barro guardavam as entrada. Não tardou para que o local ficasse cheio do chão ao teto, afinal todos queriam estar presentes naquele momento que se aproximava.

Apesar de sua aparência externa, o local era grandioso, porém insuficiente para a massa que lá se agrupava. Ao centro, tomando grande espaço dos presentes, uma gigantesca deidade, um amálgama entre um pássaro com uma serpente que erguia em direcção aos céus. Sua superfície branca reluzia um brilho, incapaz de ser produzido por qualquer material conhecido. Era único, um marfim sem igual.

Sem maiores anúncios o rito se iniciara, liderado por um homem que o artista reconhecera como o bispo de Teotihuacan. As longas horas daquela noite foram duramente mastigadas por fortes encantos, regados a um forte Xocóalt.

Faltavam poucos minutos para que o sol surgisse no horizonte, quando fora anunciado que a hora do artista chegara. Durante anos ele se preparara para esse momento, mas nem uma vida de treinamento o deixaria pronto para suportar a emoção daquela hora. Suas mãos tremiam. Sua testa suava. Ainda assim como passos firmes ele se aproximou da gigantesca deidade, repousando em um orifício próximo ao peito a sua obra de arte

Um rugido tomou o local. A terra tremeu. Um vento sobrenatural soprava, vindo da linha do horizonte. A superfície da estátua mudava, era como se ela não mais fosse uma simples estátua. Raios de sol vinham ao seu encontro, como limalhas de ferro atraídas por um imã, de modo que sua pele começava a ganhar um outro tom e leves movimentos podiam ser vistos em seu tórax. Não demorou para que esses movimentos fossem aos poucos se tornando mais e mais visíveis, de modo que logo todos os envolvidos logo se viram hipnotizados pela magnificência daquele ser.

O artista então caiu de joelhos ante ao titã a sua frente. Seus olhos lacrimejavam enquanto ele soluçava copiosamente. Sua mente estava em êxtase, pois ele sabia que graças ao seu dedicado trabalho seu deus estava vivo novamente. Aquele era Quetzalcóatl e graças a sua arte, ele estava vivo!

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