Eu só queria trabalhar e acabei escritora

Eu só queria trabalhar e acabei escritora

As coisas aconteciam todos os dias da mesma forma. O mesmo blá-blá-blá. Lavar, passar, cozinhar, ser dona de casa e colocar as suas ovelhinhas para a escola. Nenhuma alteração no dia-a-dia.

Como Ovelha-Mãe essa rotina na sua vida, cansava, não agüentava mais. Gostoso ter filhas como as suas – sadias, alegres – Mas Ana que era a Ovelha-Mãe estava desesperada, queria mais.

E ao ver Daniel se despedir toda manhã cheio de vida, e saindo para o trabalho, Ana ficava triste. Suspirava. Ah! Como seria bom trabalhar.

E não ficar em casa feito uma Barata-tonta.

Procurava através do hábito de cantar esquecer a dura vida que tinha como Dona de casa. Sacolejava os pelos e deseja se enfeitar penteando os pelos – gostava de se enfeitar – e cantava como uma cigarra. Até as vizinhas Ovelhas se achegavam para ouvi-la cantar.

- Canta mais Comadre Ana!

Nuvem, nuvem, nuvem cheia d´água

Chove aqui na minha rua

Porque quando chove o amor é gostoso

Ai! Deus, que coisa boa!

A voz enchia-se de ternura:

Ana cantava, cantava.

Certo dia, Ana desesperou-se:

- Daniel – disse Ana, para o marido ao voltar do trabalho. Serei cantora.

- Você ficou maluca, Muullheer? O que está acontecendo?

- Quero trabalhar e ter uma profissão.

E Ana sacolejava os pelos dourados.

- Que conversa é essa? A minha esposa tem que viver em casa, cuidando das crianças, fazendo a comida – gritou o marido, atirando a pasta em cima da mesa de jantar e levantou-se.

Irado, entrou no quarto e bateu com a porta.

Ana ficou triste. Pensou, pensou... – Ah! Esse marido! E as lágrimas desceram que molharam os seus pelos dourados. Ficou quieta e obedeceu.

Acalmou-se. Foi para a sala, Daí a pouco começou a escrever. Gostava muito. Principalmente quando estava sozinha. Começando a escrever uma canção de ninar, pensando nos seus filhinhos. Onde todas as noites dormiam com seu canto.

“Boi, ... Boi da Cara Preta

Pega essa menina,

Que tem medo de careta.”

Um dia, Ana estava a alimentar suas crias, quando Daniel chegou.

Gritando da porta:

- Ana, Ana, vem depressa!

Todos correram para a porta, um atrás do outro. Chegaram juntas, tão juntas, tão juntas que caíram ao tropeçarem uma perna na outra, e os pelos enrolaram e ambas foram ao chão. Foi um tombo Ovelhesco. Puff !...

Daniel teve que ajudar Ana a desmanchar o nó das ovelhinhas.

Logo, depois levantou Ana e levou a Ovelha-Mãe para a sala.

- E com os olhos faiscando – falou – tenho uma surpresa para você.

Abriu a porta da frente da casa. Ana viu três senhores carregar um enorme fogão. Tão grande que quase não passava na porta. Preencheu toda cozinha. Brilhando mais que as panelas. Uma coisa, realmente!

- Minha Querida – disse Daniel, colocando o braço no pescoço de Ana. O fogão – é bonito, ou não? Fale a verdade! Com seis bocas, veja só!

Ana fitou o fogão e não disse nada. As ovelhinhas rodearam o fogão admirando. Cheios de perguntas para o pai.

- Quanto custou? Que marca era? Enfim...

A mais curiosa abriu o forno tantas vezes que meteu a cabeça dentro e não conseguia tirar. Foi necessário Ana socorrer.

Daniel ficou tão feliz da vida com o presente que havia dado à mulher, que resolveu inaugurá-lo. Foi fazer café. Atrapalhado, o café derramou e, queimou-se.

Gritou, gritou...

Pra que inventei de fazer café? Ai, meu Deus!

Isso é coisa de mulher. Ui!

Daniel foi medicado. Ana começou a rabiscar no caderno, logo uns versos pularam no papel.

Fui um,

Depois dois,

Ontem fui três,

Hoje sou quarto.

A estória continuava e Ana não podia parar.

Adoro um

Venero as duas

Amo os três.

De repente bateu em mim a profissão que eu precisa para senti-me feliz – pulavam do papel os versos – Ana ia com eles. Com os versos, as estrofes e as rimas. Dançando sobre seus olhos numa ciranda tão louca que Ana não podia conter. Também não queria. Deixava que seus versos dessem vida à sua imaginação.

Daniel quando soube não gostou que a mulher andasse escrevendo. Emburrou-se. Passou dias sem falar com mulher. Nem quando ela fez um manjar dos deuses. Pudim que ele gostava tanto.

- Marido, que é que você tem?

- Nada.

Continuou de cara amarrada.

Não brincava com os filhos quando chegava em casa e trancava-se no quarto. Amuado.

Certo dia, Ana encheu. As ovelhinhas já crescidas e ela resolveram conversar com Daniel. Conversa de Esposo e Esposa.

- Olha, Daniel, há muito que pretendo falar com você.

- Falar o quê?

- Não se faça de desentendido. Desde que comecei a escrever que você emburrou comigo.

Ele não respondeu.

Ana chamou as ovelhinhas:

- Não é verdade que seu pai mudou bastante dentro de casa, quase não fala conosco?

As ovelhinhas sacudiram as cabeças.

- É sim, É sim, mãe.

Ana continuou:

- Até as crianças perceberam. Vou embora. Não suporto mais. Ou você sai de casa ou eu te largo.

- E trabalhar é escrever estórias e versos?

- É sim. Está é uma forma que encontrei de exprimir meus sentimentos e meus desejos. E não agüento mais sua implicância.

- Pode ir embora, agora não volte mais. Mulher tem que cuidar da casa e dos filhos.

- E eu não cuido, Daniel?

- Cuida. Mas eu gostaria que... Não quero uma esposa escritora!

- Pois bem, vou ser sim.

Ana ficou calada. Foi ao quarto, arrumou tudo e vestiu as filhas. E nem falou adeus. Saiu.

Atordoado, ao ver sua esposa saindo, passou por sua cabeça todo um filme da sua vida com Ana. Mas mesmo assim ficou parado. Surpreso.

Levantou a cabeça, as lágrimas desceram nos olhos, andou de um lado para o outro. De repente, caiu em si.

Ana não podia ir embora. Teria que voltar. Aí está em ser implicante com sua esposa. E Daniel desesperou-se.

Saiu correndo porta afora.

- Não se vá, Ana! Dizia angustiado, enquanto todos os vizinhos percebiam o tumulto sem entender. Porque eles eram um casal feliz.

Pensou, tinha que trazer a esposa. Ela não poderia ir.

Porém Deus estava com ele e fez Ana parar no caminho para comprar balas para as ovelhinhas. O jeito foi parar.

Daniel correu para a mulher.

- Volta, Ana, volta! Não me deixe!

E Ana, olhou para as filhas, pensou, pensou...

Enquanto todas as idéias de Daniel iam se desmoronando.

- Pode escrever à vontade, Ana. As estórias e os versos que quiser. Não consigo viver sem você. Amo-te.

Ana sentiu compaixão do marido.

Voltou. Acompanhada das suas ovelhinhas.

Só que, a partir daquele momento começou a publicar tudo que havia escrito e o próprio Daniel é que as levava para o editor.

E, é preciso que se diga: a primeira estória a ser publicada foi “Eu só queria trabalhar e acabei escritora”. Ana daquele momento em diante era uma dona de casa, mas também era uma Ovelha-Escritora. Onde versos, estrofes, rimas e contos se entrelaçam com o pudim, arroz e o feijão.

Izan Lucena Lucena
Enviado por Izan Lucena Lucena em 13/12/2008
Código do texto: T1333182
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