O bicho-da-seda ia de oco de oco, à procura de si mesmo.
Poesia esparsa, colorida, densa mas translúcida.
Costumava possui-la sem se deixar consumir como vira acontecer.
... E o bicho-da-seda tecia... Tecia fios de uma inabalável textura, de leve carícia, pontes entrevistas que rebrilhavam apenas e só em luz de feição.
Descobriu um casulo devoluto e começou a prepará-lo para si, na dúvida, com discrição.
No meio silêncio. Na subtileza macia da seda, escrevia fios de presença: a matéria mais resistente e dúctil que se conhece.
O bicho-da-seda sábio, quando achou que o casulo estaria quase pronto, foi observá-lo.
Gostou do trabalho e propôs-se conclui-lo.
Ao mesmo tempo congeminava: como entraria no casulo?
Com calma e afinco, não descuidou de envolvê-lo. E o casulo ia crescendo, preparando-se por dentro para a sua função de ninho.
Um dia o bicho-da-seda foi ver com cuidado se o casulo construído teria a forma que imaginara para ser a sua (fôrma). E achou que teria.
Falou-lhe de ninfas e de borboletas.
O casulo entendeu tudo, sabia que o seu destino seria ser desenrolado e tecido em levíssimo manto que lhe envolvesse o corpo tal um poema envolve a alma.
Mas na pungente urgência que o destino lhe ordenava, o de ser berço, deixou o bicho-da-seda aninhar-se até que a metamorfose acontecesse e ele depois voasse, deixando sem um olhar a casca vazia.
E assim se cumpriu: O bicho-da-seda continua o seu destino de insecto perfeito, criando.
A casca, que não feneceu, desenrola-se dia a dia, em fios de suavidade, estendidos no tear onde uma ninfa secreta fabrica poesia, leve como se de seda,
secretamente envolvente, sem outra função que a de vestir a alma.
Almada, 27/1/2004