Medonho - Buraco Negro
Atrás das árvores surgiu uma sombra, aos poucos foi se aproximando, se arrastando devagar. De longe Medonho, observava assombrado, mas não podia correr, ou melhor, flutuar. Não achava que poderia haver nenhum perigo, não depois de morto.
A criatura vinha resmungando palavras que pareciam ser em outra língua, de longe via-se olhos redondos e brilhantes. "Como ousa me acordar, poltergeist infernal?", aos poucos as formas lhe foram reveladas. Era um tronco de árvore mal assombrado, tinha um metro e alguns centímetros de altura, as raízes de aspecto podre lhe serviam de pernas, na sua fronte havia uma fenda escura, e dela brilhavam dois olhos grandes, redondos e amarelos.
"Eu realmente não queria te incomodar com o meu choro", disse Medonho assustado. "É tarde demais pra se desculpar, chorão", respondeu a criatura. Medonho observou que a fenda, que provavelmente seria sua face, puxava pra dentro de si, qualquer mínimo vestígio de luz, aos poucos tudo estava ficando mais escuro.
"O que você está f-fazendo?", Medonho perguntou abismado."Estou me alimetando. Ora essa", respondeu a criatura com rispidez. "Se não sabe, sou eu e todos os troncos mal assombrados, que mantemos essa floresta na escuridão", continuou, agora, com um tom menos ameaçador na voz.
De longe, via-se várias troncos fazendo o lanche noturno. "Você os acordou também pelo visto".
As criaturas eram todas muito parecidas, com diferenças mínimas, como tamanho e formato dos olhos. Medonho ficou um minuto calado, observava a escuridão absoluta chegando devagar, logo só se viam os olhos brilhantes na vasta floresta.
Medonho nunca pensou que pudesse sentir medo, depois de ter morrido. As luzes não foram o suficiente para todos os troncos famintos, e muitos estavam bastante nervosos. Percebia-se nos olhos que deixaram de ter formatos arredondados, e passaram a ser ameaçadores.
"Vejo que é novo aqui criatura arredondada", disse o primeiro tronco que dispertou, "meu nome é Buraco Negro, acho que não preciso dizer o por quê. Meus pais foram um tanto criativos, associaram o fato de um buraco negro não polpar até mesmo a luz, no meu caso isso não se aplica integralmente, visto que eu e todos da nossa espécie só podemos capturar luzes, seja lá qual for, vaga-lumes, luz do luar e etc."
"Peculiar, bem diferente de tudo que eu já vi", disse Medonho bem mais calmo. "Eu cheguei hoje nesse mundo, lugar que eu até frequentei enquanto era vivo, mas agora tudo está tão mudado, tão sombrio", continuou.
"Essa é a Floresta das Sombras, porém de uma outra dimensão, no mundo dos vivos, ela ainda é misteriosa, fria, e das árvores se podem ouvir sussurros, porém na dimensão dos mortos ela é bem mais assustadora", esclareceu o Buraco Negro.
Medonho ficou em silêncio durante alguns minutos, com todos aqueles olhos o observando, quando começou a contar sua longa tragetória infeliz. Todos ouviram muito atentos, Medonho terminou de contar e dos olhos de todos os troncos, surgiram expressões de tristeza e pezar.
"E eu agora, estou acorrentado nesse mundo, vivendo de alguma forma, sendo que eu só queria dormir pra sempre. E eu peço agora por libertação, pois sei que essa dor nunca vai passar". Buraco Negro comovido com a triste história do Medonho, se aproximou, como quem quisesse abraçar. Medonho estendeu os bracinhos, e abraçou o tronco como nunca abraçou ninguém, logo lágrimas escorreram de seu rosto, e pingaram no Buraco Negro, que fez brotar um ramo que cresceu magicamente do interior da escuridão de suas entranhas, e na ponta nasceu uma rosa negra, em formato de coração.