Lupercus e Aera
A imensa lua, esplendorosa, pairava no alto do véu de negror infinito ofuscando as pequenas e tristes estrelas. Ártemis parecia se contemplar diante do lago espelhado e derramava seu luar de prata na pele alva e suave da ninfa que se banhava à meia-noite. A água deslizava pela seda de sua pele, se escondendo pelas curvas perfumadas, na carne macia e rósea, pelos cachos, entre os seios, entre as coxas. Uma visão divina, capaz de despertar toda a fúria do demônio da libido no filho de Pã que observava, à distância, escondido nos ramos de espinhos na margem, a bela ninfa do canto, Aera. Acreditem quando digo que seus pensamentos eram os mais sórdidos possíveis; as mãos tremiam ao imaginar o toque de suas garras cravadas profundas no quadril da ninfa, puxando-a ferozmente contra si em uma curra alucinada. Ecoavam gemidos, gritos, uivos e balidos por toda a floresta noturna nas fantasias de Lupercus. A boca espumava de luxúria, os olhos ganhavam um brilho de extrema malícia, e o sexo latejava de desejo em rasgar a flor incólume de Aera.
O fauno ouvira Aera pela primeira vez após se fartar de vinho em um bacanal de Dionísio, no coração de uma floresta desconhecida e, andando a esmo, exausto e satisfeito, deixou-se apanhar por Morfeu. Seus sonhos ébrios foram varridos de repente, e a voz, leve e angelical como o cristal que tilinta ao sabor da brisa primaveril, chegou-lhe à alma, fazendo o aço do seu coração se retorcer, abrindo feridas incuráveis em seu peito. Lupercus chorou ao ouvir tal voz repleta de candura e beleza; nem Orfeu ao descer nas profundezas de Hades seria capaz de fazer isso ao devasso sátiro. Desde então, ele persegue o hálito doce no vento, a voz que o despertou dos pesadelos. Lupercus tornou-se obcecado em encontrar a única ninfa imune ao encantamento de sua flauta, siringe. Por vales, montanhas, abismos e campos o fauno passou, até encontrar o santuário onde Aera vivia, nos domínios da deusa amazona. Sua presença no lago onde Narciso se apaixonou por seu reflexo, nesse templo natural sagrado, já era motivo suficiente para que as caçadoras arqueiras soltassem os mastins farejadores contra o intruso, e o fizessem em retalhos. Se alguma guerreira descobrisse as intenções do sátiro, elas o alvejariam com suas flechas envenenadas e o arrastariam por todo o caminho de volta para jogar seu corpo aos pés de seu senhor. Talvez esse pretexto pudesse ser o começo de uma guerra entre Ártemis e Pã. Lupercus arriscava a vida sem receio, sabia que valia a pena qualquer risco o tesouro que almejava. E não se preocupava com as conseqüências de sua escolha: ninguém era imune ao desejo, muito menos os sátiros.
Nas sombras, furtivo, ele esperava próximo às vestes de Aera para apanhá-la distraída com uma rede trançada pelos fios do destino das Moiras. Para conseguir que as irmãs o ajudassem, ele abriu mão de sua longa existência encurtando sua própria vida para poder prender Aera e fazê-la submeter-se a sua volúpia. Do que lhe valeria uma vida longa se jamais pudesse ter o que mais queria? Depois de tê-la presa em sua rede, bastaria obrigá-la a beber do vinho ardente de Dionísio que Lupercus trazia em seu odre para morrer feliz, dentro do que mais amava. Finalmente, Aera parecia ter terminado seu banho de luar e prata; uma nuvem negra selou a visão de Ártemis. Então, a ninfa veio de encontro à margem buscar sua indumentária. Lupercus estava ansioso, não conseguia imaginar a felicidade perversa e pervertida de ter aquele sonho em seus braços.
Surpresa, Aera nem tentou resistir, a rede caiu sobre ela, e logo os braços e mãos vieram arrebatá-la. O odre caiu por terra quando Lupercus percebeu que Aera estava disposta a se entregar; ela retribuiu seu raptor com beijos, e suas mãos e boca procuraram o sexo do sátiro para adorá-lo. De joelhos, ela arranhava as costas do fauno que ofegava e cambaleava de excitação ante ao inesperado milagre. Aera trouxera Lupercus ao único lugar onde Ártemis jamais desconfiaria que um fauno fosse procurá-la, em sua casa; por isso ela escolheu o mais corajoso e faminto de amor dos malditos filhos de Pã e esperou até que os ventos cegassem sua mãe para poder se entregar a ele. Famintos um do outro, ele a colocou de quatro e a cavalgou usando seus cachos como rédeas. O suor escorria e pingava nas costas da ninfa que fraquejava, tendo suas forças roubadas pelo fogo que queimava dentro do seu corpo, ardendo e aumentando mais e mais. De súbito, o gozo semeou paixão pela terra, e momentaneamente aniquilados, eles derrotados, deitaram no leito de folhas e juraram não se separar mais. Cada dia, cada noite, seria único, de canto, vinho, música, poesia, uivos, gemidos e prazer.