Copos sobre a mesa

As cartas estavam colocadas sobre a mesa. A fumaça vaporizada pelos fumantes inveterados subia para o teto e formava uma nuvem à procura de uma saída de ar para se dissipar para fora. Todos fumavam; fumantes ou não.

— Sinto dor nas costas. Reclamou um copo de plástico azul colocado sobre a mesa.

— Você é mimado mesmo copo azul! Criticou o copo de vidro.

— Não sou mimado! É a terceira vez que me derrubam da mesa. Ao falar isso, um dos jogadores, pegou-o, levou à boca e bateu-o na mesa enquanto fazia a jogada.

— Sim! É a terceira vez, mas você está aí; inteiro, firme e forte! Se fosse eu, já estaria todo em pedacinhos.

— Não agüento mais essa vida de copo. Disse quase chorando.

— Não adianta reclamar copo azul! Quem nasce copo tem de viver vida de copo!

— Eu não penso assim! Um dia, quero ser muito mais do que um copo de plástico. Quem sabe fazer parte de uma tela de computador...

— Mas você é mesmo um sonhador... Dizendo isso, o jogador do lado da mesa do copo de vidro, o qual perdera a quarta partida seguida, ficou nervoso e começou a brincar de colocá-lo de quina na mesa e forçá-lo, com as mãos, a ficar girando sozinho sobre ela e quando estava quase parando segurava-o e girava-o novamente. O jogador girou-o tanto que ele começou a ficar zonzo... Zonzinho... Zonzinho...

— Não agüento mais copo azul! Socorro! Ajude-me!

—Não! Você disse que eu sou um sonhador e ademais, vida de copo é isso que você está vivendo.

— Socorro! Ao dizer isso, o jogador falhou ao girá-lo e ele caiu para fora da mesa. Só deu tempo de gritar novamente— Socorrooooooooo!!!!!!!

O copo azul olhou assustado para o amigo, o qual ficou em pedacinhos no chão e totalmente incomunicável. Aquilo doeu nele, pois agora não havia mais, sequer, para quem reclamar. Enquanto olhava, já não tendo mais líquido dentro, o jogador apagou o cigarro dentro dele.

— Ai!!!!!!!!!!!!!!! Isso dói. Não deu nem tempo de reclamar, pois uma batida de mão derrubou-o ao chão, também, mas por ser de plástico, ficou lá deitado em meio aos pedaços do ex-amigo.

De manhã, varreram o chão, lavaram-no e o colocaram novamente sobre a pia, mas o amigo foi jogado na lata de lixo, nem sequer foi levado para a reciclagem, onde poderia ter uma nova oportunidade.

— Você viu o que aconteceu com o copo de vidro ontem? Perguntou o copo azul a um outro, verde, que também estava sobre a pia.

— Ver, não vi, mas ouvi falar. Respondeu o copo verde.

— Foi muito triste vê-lo lá... No chão caído. Falou, com pena do ex-amigo.

— Pagou o preço, por ser de vidro. Disse o copo verde.

— Pagou um preço muito alto.

Nisso, entraram algumas crianças correndo na cozinha.

— Peguem crianças. Vão brincar com esses copos na areia. Disse Maria.

— Mas, vai estragar os copos! Respondeu João.

— Podem brincar com eles, pois são de plástico e já estão velhos. Retrucou Maria, que era quem realmente mandava na casa.

Os copos se entreolharam e gritaram juntos — socorrooooooooo!!!!!!!!!!!!

Ao anoitecer, as crianças já tinham ido embora e lá jaziam os dois pobres copos enterrados em meio à areia.

— Se fossemos de vidro... Será que estaríamos melhores? Questionou o copo azul.

— Só sei, que pagamos um preço muito alto por sermos de plástico.

Olharam para cima e se admiraram com a visão do céu totalmente limpo e estrelado, mas foi por pouco tempo, pois, logo passou um homem com um carrinho e levou-os para a reciclagem.