Onde ficam as flores?
Teve um dia que ela esqueceu-se de tudo. Ficou sentada assim, na cama, perplexa e se perguntando onde estava. Ou então: quem era?
Não lembrava se havia perdido a memória ou se algum dia já esteve com ela
Acabou se levantando as escuras e olhando a si mesma como se fosse cega. Tateou-se um pouco e depois também não quis mais. Achou que devia se levantar.
Foi andando pela casa silenciosa e ouviu crianças vivendo bem longe. Viu um homem de idéias amarelas e escondeu-se dele. Tornou-se ainda mais muda.
_ Onde coloco essas flores? Perguntou a moça gorda e cheia de intimidade.
_ O que? Disse ela em um susto qualquer.
_ Dona Laura, essa casa precisa de cores. E a moça torceu o nariz, com cara de desaprovação.
“Laura?” pensava ela. “Quem é Laura?”
_ Espalhe por onde quiser... respondeu falando.
“Aquele era nome de gente como ela?” Pensava sozinha.
Voltou para onde estava quando acordou . Estava agora parada em frente a um armário com roupas de tempo e de saudade. Escolheu uma:
_“ Hoje vou vestir-me de chuva” disse alto e caindo como gotas. Depois tapou a própria boca. Tinha arriscado demais. Achava ela que não era arriscada e nem faladeira. Mas não lembrava, só sentia mesmo. E o que sentiu quando falou foi como um pequeno beliscão.
Estava ficando aflita de não lembrar de nada. Então lhe veio uma idéia: para ter memória só é preciso ir vivendo. E foi mais uma vez surpreendida:
_ Mãe, queremos sair sem pentear os cabelos? Disse a criança rindo-se toda.
Seu coração chocou-se nos muros do peito. “Por que a menina dizia essas coisas para mim?”
A criança olhava para ela, em suspenso, esperando por algo: “o que?” Mas ela só fez com as mãos, o que se faz para pedir sossego. Nada respondeu. Só ouviu a criança correndo, mundo afora.
O que faria consigo? Teria que viver dia após dia, sem motivo e nem nada.
Foi até o homem para lhe oferecer decisões. Mas esqueceu-se no meio, do que havia decidido. Não lembrou-se do que tinha com ele e nem do que deveria explicar. Só reparou que ele tinha um rosto de lar.
E também, distraiu-se com aquelas cortinas vermelhas e gritantes na sala pequena. Móveis misturados, numa conversa eufórica. Borboletas. Alguém ali gostava tanto de borboletas. Não ela. Nada ali lembrava ela dela mesma.
Numa tentativa de matar sua sede, foi procurar seu rosto em algum reflexo. Um espelho hipócrita. Não mostrava nada que fizesse sentido. Estava inteira girando, em volta de um procura.
“Que busca tola.” Pensou ela finalmente. E relaxou toda. “Já me lembrei:”
_ Não sou ninguém. Disse suspirando de alívio.
Não precisaria mais arriscar em nada. Só mesmo voltar-se às decisões sensatas: flores ficam na sala e não! As crianças não podem sair despenteadas! Mas hoje, enfim, faria algo pelo homem marido. “O que?” Tinha que pensar com muito cuidado.