O Livro de Hammud

A pouco mais de cinco anos Leandro começou a se interessar muito por livros. Ele tinha uma certa vergonha por seu interesse ter vindo tão tarde. Tudo começou quando ele tinha 23 anos.

Começou lendo um livro que era muito antigo e que acabara de virar filme. A partir desse livro (que era uma trilogia) ele começou a devorar livros que iam desde suspense até ficção futurista e medieval, passando por vários livros de terror, principalmente os de H. P. Lovecraft.

Alguns amigos de Leandro também gostavam muito de ler e eles sempre se reuniam para trocar idéias sobre os vários tipos de livros que liam.

Hoje com 28 anos, Leandro e esses amigos estavam se tornando bibliófilos, alguns já com muitos títulos em seus escritórios ou quartos. O sonho deles era ter uma verdadeira biblioteca particular com prateleiras forradas de livros.

No final de 2005 Leandro e seus amigos chegaram a fundar uma espécie de sociedade que eles batizaram de “Sociedade dos Cavaleiros das Sombras”. Esse nome era uma homenagem a um livro que todos eles haviam lido, que se chamava “Os Cavaleiros das Sombras” (de autor desconhecido. O livro contava a história de um grupo de cavaleiros que se perderam durante a Santa Cruzada e foram parar em um outro mundo, só reaparecendo muitos anos depois e com menos da metade do grupo). Esse livro foi achado por um dos membros da “sociedade” que estava viajando pela Itália e por acaso foi atraído para um sebo onde acabou encontrando o livro.

Um outro membro chegou ate a encontrar uma parte do obscuro "Necronomicon"* com um contato nos Estados Unidos.

Sempre que Leandro entrava em uma biblioteca, ia direto para os fundos dela, procurar nas ultimas prateleiras algum livro raro, esquecido, abandonado ou escondido dos olhos desatentos.

Já se passavam das dez horas da noite de uma sexta-feira, quando a campainha da casa de Leandro tocou. Ele achou estranho receber uma visita aquela hora da noite, mas foi ate a porta. Quando ele a abriu, não havia ninguém. Uma chuva fina caia sobre a cidade e na porta de sua casa havia um pacote no chão. Ele olhou para os lados procurando por alguém, mas não encontrou ninguém.

Leandro pegou o pacote e entrou.

O pacote era do tamanho de um livro de médio porte. Estava embrulhado com papel pardo e estava amarado com uma espécie de corda bem fina. Na frente do embrulho estava escrito – “Para a Sociedade dos Cavaleiros das Sombras”. Ele olhou no verso do embrulho e não havia remetente.

* “Necronomicon. O Livro dos Mortos” - Diz a lenda que é um livro com rituais e magia negra que foi escrito por um árabe que foi devorado vivo por um monstro invisível em praça publica.

A principio Leandro achou que se tratava de uma brincadeira dos amigos da sociedade. Ele abriu o embrulho e viu que realmente se tratava de um livro. A capa era de um tom marrom e parecia bem velha Não havia titulo e ele estava amarado com uma pequena corda presa na capa do livro.

Antes de abri-lo Leandro pegou o telefone e ligou para os amigos da sociedade para perguntar sobre a brincadeira, mas todos disseram que não sabiam de nada.

A chuva caia mais forte agora e já se passavam das onze horas da noite. Leandro que tinha deixado o livro de lado para telefonar, voltou a pegá-lo agora no intuito de lê-lo.

Quando pegou o livro em suas mãos, ele percebeu que agora o livro tinha um titulo, mas ele podia jurar que não tinha há alguns minutos atrás.

“O Livro de Hammud”. O titulo estava escrito em vermelho e parecia que fora escrita de próprio punho. Leandro achou aquilo muito estranho. A principio ficou assustado, mas resolveu abri-lo para ler.

Quando abriu o livro ele se assustou novamente. O livro estava escrito em português!

Na primeira pagina estava escrito:

“Esse livro foi escrito por aqueles que sobreviveram

ao outro mundo e que agora protegem

as passagens para ele.

Protegemos para que ninguém vá ate lá ou pior,

que alguma coisa venha de lá.”

Quando Leandro virou a pagina levou outro susto. Uma das paginas estava escrita e a do outro lado não!

“Só faltava essa!” disse Leandro em voz alta. “Deve ser um diário! Mas pelo visto essa pessoa só conseguiu escrever a primeira pagina!”

Leandro olhou para o relógio – 23h20 – olhou de volta para o livro e depois de alguns segundos decidiu lê-lo.

“No final do século XIII eu e mais 14 cavaleiros fomos enviados para a Espanha a fim de encontrarmos um santuário que deveria ser destruído e seus sacerdotes julgados por heresia. Saímos da Itália em direção a Espanha e chegamos em alguns dias ao vilarejo de San Miguel.

Nós, os quinze cavaleiros éramos amigos já há alguns anos. Todos nós lutávamos em nome da Santa Igreja.

As pessoas nos chamavam de Cavaleiros das Sombras. Ganhamos esse titulo porque vestíamos mantos negros, nossos cavalos eram (em sua maioria) negros e sempre chegávamos aos lugares durante a noite. Nós não sabíamos, mas a noite seria nossa companheira durante muitos anos depois dessa missão.

Chegamos em San Miguel no final da tarde e resolvemos esperar na mata, na borda da cidade para ver a movimentação dos moradores.

Quando a noite já ia pelo meio, as portas das casas começaram a abrir e seus moradores começaram a sair uns atrás dos outros, e seguiram todos em direção a pequena igreja.

Dois homens, um alto e magro e outro baixo e gordo, saíram de dentro da igreja vestidos com mantos negros e capuzes que lhes cobriam a cabeça. Eles saíram e os moradores os seguiram.

Nós deixamos os cavalos amarados e seguimos aquelas pessoas que a essa altura entraram por uma trilha no meio da mata. Andamos por alguns minutos seguindo a luz das tochas que iam mais à frente e de repente elas sumiram.”

A pagina terminou e Leandro ficou decepcionado porque queria saber o que estava para acontecer. Olhou para cima inconformado soltando um suspiro longo e resignado, mas quando olhou de volta para o livro, seus olhos se arregalaram. Na pagina seguinte às palavras estavam começando a aparecer como se alguma caneta invisível estivesse continuando a historia!

As palavras surgiam umas atrás das outras e a historia estava continuando! “Meu Deus” disse Leandro colocando a mão na boca em seguida, com cara de espanto.

Leandro voltou a ler o livro e era sempre a mesma coisa. As paginas em branco iam se preenchendo conforme ele terminava cada pagina. Ele passou a noite toda lendo o livro e quando terminou a ultima pagina ele olhou para o teto soltando um grande suspiro, mas agora era um suspiro de alivio misturado com uma alegria sem explicação.

Quando voltou a olhar para o livro pronto para fechá-lo, notou que alguma coisa estava estranha acontecendo, agora as palavras estavam andando pelo livro! Elas estavam mudando de lugar! Mudando de ordem!

Já era quase seis horas da manhã. A chuva começava a cair mais forte. E Leandro percebeu que a historia não havia terminado. Pôs-se a ler novamente.

“Só seis pessoas do nosso grupo conseguiram voltar. Os que ficaram tiveram mortes horríveis e um ainda teria.

Nós deixamos um homem para trás.

Ele era aquele que nunca nos deixaria. Aquele que sempre esteve presente mesmo quando sabíamos que não iríamos sobreviver! Ele que daria sua vida pela de qualquer um do nosso grupo! Justo ele!

Todas as vezes que fecho os olhos eu o vejo e toda dia quando acordo me lembro dele. Essa será a cruz que terei que carregar comigo por toda eternidade.

Quando voltamos nossas vidas já não eram as mesmas.

Então, depois de algum tempo tentando nos adaptar a essa nova vida, decidimos que seríamos os guardiões dos portais. Aqueles portais que poderiam tanto levar, quanto enviar qualquer pessoa ou coisa para aquele mundo terrível!”

Já era oito horas da manhã quando Leandro olhou para fora e viu que ainda estava escuro e que ainda chovia muito. Ele não sentia sono e nem fome, apenas parou para ir ao banheiro.

Quando estava saindo do banheiro ele resolveu olhar para o espelho. Por um instante ele viu um lugar escuro e uma pessoa muito ao longe. Quando piscou os olhos a figura se movimentou muito rápido vindo em sua direção e só um rosto triste e com algumas cicatrizes apareceu no espelho. Piscou os olhos novamente e não havia nada além do seu próprio reflexo.

“Tudo aconteceu muito rápido. Em pouco tempo aprendemos a lutar não só com as espadas como éramos acostumados, mas também com as palavras de poder que eram muito usadas nesse mundo e que nós aprendemos como se fosse uma coisa natural, uma coisa que sempre carregamos, mas que nunca havíamos usado porque no nosso mundo elas foram esquecidas há muito tempo.

Como eu já havia dito, nós nunca sabíamos se era de manhã ou de tarde, naquele lugar a noite era eterna.

Estávamos cansados. Só restavam sete dos quinze cavaleiros. O portal estava próximo. Juramos que se fosse preciso, seis de nós ficariam lutando para que um de nós conseguisse voltar. Não sabíamos que seria o contrario.

As criaturas estavam esperando por nós.

Olhamos uns para os outros e acenamos com a cabeça. Baixamos os elmos, desembainhamos as espadas e cavalgamos como se fossemos uma tempestade de areia.

Nathanael e Willian convocaram as forças do vento para abrir caminho para o portal. Eu e Daniel usamos a terra para prendê-los no chão. Rafael e Hammiah usaram a escuridão para que não nos enxergassem.

Chegamos até o portal e quando estávamos para entrar, o mais poderoso daqueles seres apareceu e libertou seu exercito.

Eles vieram para cima de nós com força total e nesse momento, o mais forte de nós ergueu sua espada. Ele olhou para nós e disse: - Eu fiz um juramento e o manterei enquanto estiver vivo. Vão e cuidem para que ninguém saia por esse portal.

Hammud se virou para o exercito inimigo e nós nunca tínhamos ficado tão felizes, tão assustados e tão tristes na vida ao mesmo tempo. Um turbilhão de emoções que não esqueceríamos jamais.

Ouvimos Hammud murmurar alguns palavras e de repente o que era escuridão virou luz! Uma luz tão forte e tão intensa que nossos inimigos começaram a urrar, berrar e se contorcer no chão. Ele havia dito uma frase curta, mas naquele dia essa frase fez mais sentido do que nunca para nós.

De olhos fechados ele disse – No principio era Trevas – E abrindo os olhos ele completou a frase - Depois veio a Luz.

Ele nos olhou pela ultima vez e disse: - Vão! Agora! – E correu em direção ao inimigo.”

Leandro não sabia o que pensar. Ele continuou lendo e lendo ate que no final, as palavras desapareceram.

O livro ficou em branco novamente, o titulo desapareceu e aquelas palavras nunca mais foram vistas por outra pessoa.

Igor Martins
Enviado por Igor Martins em 28/10/2008
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