O Inventor

A casa de tijolos a vista da rua Kazuo Saito, escondia por trás de sua aparência inocente de casa do interior, uma pessoa com hábitos muito peculiares.

O dono da casa, quase nunca saia. E quando saia era sempre para comprar madeira, ferro, tinta, pregos, parafusos e todo tipo de materiais que são usados para uma construção.

As pessoas não sabiam seu nome. “Sr. Estranho” era como ele era conhecido pelas pessoas trabalhavam na loja de ferragens. Eles já estavam acostumados a ver, pelo menos uma vez por semana, a caminhonete D10 branca, parando na porta da loja.

* * *

Certo dia enquanto estava fazendo suas compras, um dos atendentes, encorajado pelos outros vendedores, perguntou a ele o que ele fazia com aquele material.

- Você quer mesmo saber? – Perguntou o homem.

- Sim. Eu gostaria. – Respondeu o rapaz um pouco tímido.

O homem de barba grisalha, que se vestia muito bem e parecia ter uma saúde melhor ainda para a idade que aparentava, disse se aproximando do rapaz.

- Eu sou um inventor.

- Inventor?

- Sim.

- E o que o senhor inventa com madeira e ferro?

- Você quer mesmo saber?

- Sim. Eu quero.

- Eu invento caixas, portas, e alguns aparelhos que você não compreenderia. Aquilo ali é uma bola de ferro?

“Um inventor” pensou o rapaz com um ar decepcionado.

- É ou não é?

O rapaz voltou a olhar para o senhor e viu que ele estava revirando algumas bolas de ferro em uma das prateleiras.

- Desculpe. É sim senhor.

- Eu quero quatro dessas e seis dessas menores.

- É para que servem?

- As bolas de ferro? – perguntou o senhor com uma cara de espanto.

- Não. As bolas não. As caixas, portas e esses aparelhos que o senhor acha que eu não saberia para que usa-los?

- Ah. Jovens. Como vocês são curiosos. Eu sou o que sou porque fui muito curioso sabia? Claro que não. Como você saberia, isso foi há tanto tempo que nem eu mesmo me lembro direito. Mas, você quer mesmo saber para que servem meus inventos?

- Se o senhor me permitir.

- Então venha ate a minha casa hoje quando sair do serviço e eu te mostrarei. Mas antes eu tenho que te perguntar uma coisa.

- Pode perguntar.

- Você tem certeza que quer conhecer minha oficina?

- Se não for atrapalhar o senhor, eu gostaria sim.

- Que assim seja então.

* * *

Por volta das 18hs20 a campainha da casa no final da rua Kazuo Saito tocou. O rapaz que estava parado a porta, era um jovem chamado André. Magro, cabelo curto, esperto e bem humorado. Era assim que ele se descreveria.

A porta se abriu e André viu aquele homem estranho, vestido com um avental marrom que lhe cobria da altura do peito ate os joelhos.

- Entre. – Disse o homem.

André entrou e reparou que por toda sala estavam espalhadas “coisas” de todos os tamanhos cobertas por lençóis brancos.

Ele foi seguindo o homem e viu que em todos os cômodos por onde iam passando, estavam cheios dessas “coisas” cobertas.

Eles chegaram ao fim do corredor e lá havia uma porta. O homem se virou, olhou para André e disse – Você tem certeza? A hora de desistir é agora. – André estava hipnotizado pela beleza da porta, havia entalhes por todo o batente dela e a porta era simplesmente a mais bela que já havia visto, toda entalhada, com detalhes em ferro polido. – Você tem certeza? – perguntou o homem novamente.

- Sim – respondeu André.

O homem se virou e abriu a porta.

* * *

A luz ofuscou os olhos de André quando a porta foi aberta. Aos poucos ele foi se acostumando a luminosidade, mas não conseguia acreditar no que seus olhos estavam vendo. Era uma sala enorme, toda de tijolos a vista.

Ao redor da sala, varias colunas muito grossas sustentavam um teto abobadado cheio de desenhos. Nas paredes laterais, havia enormes janelas pela qual a luz do sol entrava, e era uma luz clara linda, quase mágica – pensou André.

O homem começou a andar em direção ao centro do salão. André foi seguindo olhando para todos os lados e por toda parte havia caixas, portas e mesas com objetos que ele não conseguia definir o que eram.

- Para quem o senhor faz todas essas coisas? – Perguntou André enquanto seguia o homem.

- Para mim. – respondeu ele e continuou depois de dar uma olhada rápida para André – E para pessoas muito especiais que me procuram de vez em quando.

O homem seguiu até uma bancada e André se aproximou.

Em cima da mesa havia alguns pedaços de madeira que separados não pareciam servir para nada. Com uma rapidez que surpreendeu André, o homem começou a juntar as partes e em alguns minutos todos aqueles pedaços de madeira formaram uma pequena porta com entalhes que se juntavam e formavam figuras estranhas, mas muito bonitas.

- Isso é uma porta? – Perguntou André por achar estranho uma porta que não chegava a um metro de altura.

- O que lhe parece?

- Uma porta.

- Então e isso que ela é. Uma porta. - Disse o homem sem se virar para André.

- E porque o senhor fez uma porta tão pequena?

- Isso me parece simples meu caro. É uma porta pequena para uma pessoa pequena.

André achou estranho, mas não quis continuar aquela conversa esquisita. Começou a olhar ao redor e uma outra porta chamou sua atenção.

Era uma porta grande. Parecia a porta de um castelo, com um dragão de cada lado da porta, cada um em uma posição diferente. A madeira era escura e havia alguns detalhes na porta que pareciam ser em aço escovado. Era com certeza a porta mais bela que André já tinha visto.

- Essa porta também é do senhor ou é uma encomenda?

O homem se virou e olhou para a porta que estava chamando a atenção de André.

- Essa é uma porta para Noitanigami. – Respondeu o homem enquanto se aproximava da porta.

- Não conheço. E alguém da cidade? – Perguntou André se aproximando também da porta.

O homem olhou para André e começou a rir.

- Você não conhece Noitanigami? Mas é claro que não conhece. Noitanigami não é uma pessoa.

- E o que é então? – André perguntou se virando para o homem.

- Noitanigami é um outro mundo. Um lugar muito parecido com esse, porém muito melhor. Um dia você ira conhece-lo. – O homem respondeu e começou a andar para o outro lado do salão.

- Não abra essa porta. – Disse ele quando André se aproximou da porta.

André se afastou e ficou olhando enquanto o homem se aproximava de uma coisa no chão e começou a pensar que aquele homem estava ficando louco.

* * *

- Ajude-me aqui. – Disse o homem para André.

Quando André chegou ao lado do homem, ele viu que o ele estava na frente de uma espécie de aparelho. “Que coisa estranha” – pensou André.

- Pra que serve isso?

- Me ajude a colocá-lo na mesa e eu explico.

Os dois levantaram “a coisa” e a colocaram sobre a mesa. Para uma peça pequena ela era muito pesada. Era toda feita de ferro. A base era lisa em baixo e arredondada na parte de cima. Da base se erguia uma espécie de coluna que sustentava vários “braços”, como se fosse uma arvore sem folhas. E na ponta desses braços havia bolas de ferro de vários tamanhos.

Então o homem pegou uma caixa do chão e a abriu em cima da mesa. De dentro dessa caixa ele começou a retirar varias esferas de ferro, de tamanhos diferentes. Umas eram ovais, outras eram círculos perfeitos, umas eram mais grossas e outras mais finas.

- Pra que serve tudo isso? – Perguntou André pegando uma das argolas.

- Elas servem para meu ultimo invento. – Respondeu o homem enquanto separava as argolas.

- E pra que serve esse invento?

- Ah. Isso é uma outra historia. Nem tão curta, nem tão longa, mas que você logo descobrira.

- Como assim?

O homem separou todas as argolas e começou a colocar cada uma delas em cima das bolas que ficavam nas pontas dos braços da armação de ferro. Ele olhou para André enquanto as colocava e começou a falar.

- Você gostou daqui?

- Sim gostei.

O homem parou o que estava fazendo e olhou para ele.

- Você ira ficar no meu lugar aqui.

André olhou assustado para o homem e continuou.

- Mas eu não sou inventor. E tem mais, eu já tenho emprego. Ou o senhor esqueceu?

- Uma coisa de cada vez. – disse o homem – Você tinha um emprego há muito tempo atrás. E agora você é um inventor. Se você prestar bem atenção, irá perceber que você conhece todos os instrumentos que estão nessa bancada e sabe muito bem como usa-los.

André ficou espantado. Ele olhou para os instrumentos na bancada e ficou mais assustado ainda quando percebeu que realmente ele conhecia todos eles.

- Tudo bem que eu conheço esses aparelhos, mas eu trabalho em uma loja que vende todos eles. Por isso eu os conheço.

- Errado. – disse o homem enquanto se virava para acabar de colocar as argolas no aparelho. – Você não vendia esse tipo de material naquela loja já que esse material é único. E como eu disse você já não trabalha lá há muito tempo.

- O senhor deve estar ficando louco. Eu ainda trabalho naquela loja e eu sei que nela nós vendemos... esse... material... – André começou a ver que realmente ele nunca havia visto aquele tipo de material antes. Eram peças únicas mesmo. Pareciam ter sido feitas sob encomenda. - “Eu as encomendei! Elas são minhas!” – E pegando uma delas, ele reconheceu a letra I em alto relevo, que ele havia mandado gravar em todas. André estava confuso.

- Mas, mas eu trabalho na loja! – Disse ele tentando se afastar daquelas ferramentas.

- Não meu amigo. Você não trabalha mais.

- Como o senhor diz isso. Eu acabei de sair da loja e não faz nem uma hora que estou aqui!

- Errado de novo. Já faz anos que você esta aqui. Você é que não percebeu isso. Quando você chegou na porta de minha casa naquele dia (casa que agora é sua), já estava escurecendo certo? E como você me explica que quando nós entramos aqui estava claro como uma manhã de primavera?

André achou que o homem estava realmente louco, mas quando parou para tentar se lembrar percebeu, que era verdade esse pequeno detalhe. Ele tentava se lembrar do momento, mas só alguns flashs de sua entrada na casa vinham a sua mente.

- Isso não é possível! Foi só há alguns minutos! O senhor esta louco!

André começou a se afastar e sem se virar o homem perguntou.

- Você ainda se lembra do seu nome meu amigo?

Aquilo fez com que André parasse. “Meu nome” – pensou ele. É claro que sei meu nome!

- Meu nome é... Meu nome... – André não conseguia se lembrar do próprio nome.

- Não se preocupe meu amigo. Aqui você não precisa de um nome. Você só precisa ser hábil com as mãos.

André não conseguia entender o que estava acontecendo. Ficou parado tentando se lembrar do próprio nome e de repente enquanto estava perdido em pensamentos, ouviu o homem falar.

- Atrás daquele pilar tem um espelho. Vá ate ele e me veja.

- ...

* * *

Diante do espelho, tudo que André conseguia ver, era a imagem daquele mesmo homem que estava a alguns metros de distancia, parado em frente a uma bancada de madeira.

Por alguns instantes ele achou que iria desmaiar. Ele queria gritar, mas percebeu que não tinha porque fazer aquilo. Ele estava diante de um espelho e estava vendo sua imagem. Ele não sabia porque estava tão espantado.

Ele saiu andando em direção ao outro homem que estava na bancada e sem fazer nenhuma pergunta começou a ajudá-lo a montar aquele aparelho que estava em sua frente.

Em poucos minutos o aparelho estava pronto.

Os dois homens idênticos, trocaram um aperto de mãos e o primeiro homem que estava na bancada pegou o aparelho e saiu em direção a uma das portas que estava do outro lado do salão. Antes de passar pela porta ele olhou para o outro e disse.

- Se perguntarem por mim, diga que eu ainda estou aqui.

- Não se preocupe meu amigo. Eu sempre estou aqui.

Depois disso, o homem passou pela porta e a fechou. O outro seguiu em direção a bancada e dando uma olhada para trás pensou. – Um dia eu também passarei por aquela porta. Não agora, mas um dia eu irei. – Ele pegou suas ferramentas e começou a trabalhar em uma grande tora de madeira, que logo se transformaria em uma outra imensa porta para um outro lugar.

Igor Martins
Enviado por Igor Martins em 27/10/2008
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