Em cima do telhado
Em cima do telhado
De repente, ela viu o céu noturno, sem lua, com as estrelas piscando, piscando, no azul escuro daquela madrugada fria de junho.
Estaria sonhando? Seus olhos abertos negavam, seu cérebro ativo insistia em permanecer acordado, porém não percebia onde se encontrava.
Que lugar era aquele?
Como teria ido parar ali?
Parecia inclinado o chão que pisava. Chão? Inclinado? Onde estava?
Que frio! Que estava vestindo?
Olhou-se e olhou em volta com atenção.
Viu-se numa fina camisola de dormir.
Aos poucos, foi saindo da obnubilação, sentindo os pés nus a calcarem tijolos. Tijolos? Não, telhas!
Assombrada, compreendeu finalmente: estava em cima do telhado de uma casa, supostamente a sua.
Do enevoado confuso de memórias e percepções, pipocaram imagens confusas do passado.
Começaram a surgir lembranças do que acontecera.
“Eu vou te amar...até
a última rosa se abrir”...
Sim, a letra e a música românticas repercutiam claramente em seus ouvidos. A prova de amor que recebera por meio da música não combinava com a dor que lhe comprimia o peito.
Como foram efêmeros os momentos de ligação com Emanuel: mãos trêmulas, coração aos pulos, garganta seca, emoções indescritíveis, felicidade inexprimível! Impossível recordar com exatidão os fatos que lhe trouxeram seu sonho de amor: a certeza de estar vivenciando o momento mais importante de sua existência, de ter encontrado sua alma gêmea.
No baile, onde todos se conheciam, aparecera um jovem de belos olhos negros que, ao mirá-la, fez desaparecer os músicos, os convidados, os garçons, restando no salão apenas ela e os intensos olhos negros. Dançando, quase sem falar, ouviam seus corações, sentindo as vibrações de seus corpos.
A partir dessa noite, o mundo resumiu-se aos olhos negros de Emanuel, sua voz serena e seu largo sorriso.
Qual constelação ela deveria escolher para adquirirem? Olhando o céu, com maior atenção, reconheceu o aglomerado de estrelas que decidira “comprar” com Emanuel.
“Sempre que sorrir, uma estrela no céu brilhará”... Esse foi o jargão criado pela cumplicidade de ambos.
Logo, nada mais lógico do que “comprarem” um grande pedaço do firmamento. Lá, no espaço azul, criaram o lugar ideal para se unirem, entre nuvens e estrelas. Isso fora há muito tempo...
Agora, onde andaria Emanuel?
Sumira, nunca mais o vira, só restando a lembrança de seus intensos olhos negros e a poeira das estrelas em noites insones.
O que teria acontecido com ele?
Teria achado outro amor para o qual também “comprara” um pedacinho do céu?
Teria arrumado outro emprego em outra cidade, em outro país?
Porém, nada justificava aquele silêncio, aquele adeus sem despedida.
Em cima do telhado, recordava o amor tão lindo que não continuara e sentia o peso da solidão. E os filhos, que queriam, cujos nomes até escolheram, e os ideais de vida compartilhada com carinho e respeito, nada disso se concretizaria?
Tudo acabado!
De repente, o céu sumiu, não mais pisava as telhas duras, nem percebia o frio da noite que findava.
FINAL 1
Um raio de sol espreitou-a através de um vão da cortina e ela estendeu os braços como para espreguiçar-se e sentiu, a seu lado, a presença confortadora de Emanuel, ao mesmo tempo em que ouvia, no quarto vizinho, rumores e gritos das crianças.
Não estava em cima do telhado, mas no aconchego abençoado de seu quarto.
Felizmente, tudo não passara de um sonho mau e ela acordou disposta para um novo dia, acompanhada pela mirada profunda daqueles olhos intensamente negros.
FINAL 2
O sol batia na vidraça. Esquecera-se de fechar as cortinas, e um raio mais atrevido acordou-a. Virou para o outro lado e sentiu o vazio. Ainda meio adormecida, lembrou-se do sonho. Será que fora mesmo um sonho (ou um pesadelo)? Será que Emanuel não fazia mais parte de sua vida?
Procurou ouvir os barulhos matinais, porém tudo era silêncio. A casa não vibrava com o eco de sons e risadas...
Infelizmente, não fora apenas um sonho mau, era a terrível realidade.
Resolveu levantar-se, reagir, levar a vida adiante, mas no fundo de seu coração, a mirada profunda daqueles olhos intensamente negros continuava a acompanhá-la.