O cavaleiro solitário - Capítulo 2
Capítulo 02 - Primeiros passos.
A pequena vila ficava longe do reino. Era pacata e livre de problemas. As crianças costumavam brincar o dia todo enquanto seus pais trabalhavam. À noite, a diversão continuava nas rodas de estórias, contadas sempre pelos mais idosos do vilarejo.
As histórias fantasiavam o imaginário das crianças, dando a elas diversas opções para criarem suas brincadeiras. Sempre ouviam estórias de grandes heróis e fortes cavaleiros que lutavam em prol do rei e do povo, o que também gerava sonhos na maioria dos garotos do vilarejo: De serem grandes cavaleiros e heróis.
Como o vilarejo era realmente pequeno, todas as crianças se conheciam e, normalmente, brincavam juntas nas “aventuras contra o mal”.
Certa vez, entusiasmados com a última estória que ouviram, as crianças resolveram aventurar-se numa floresta próxima, que não representava perigo algum, pois era habitada por pequenos animais silvestres. Como os pequenos não faziam nada escondido de seus pais, pediram e tiveram a permissão para ir, mas para tanto, o irmão mais velho de Catarine foi ordenado a acompanhar as crianças para que não se perdessem.
Catarine era uma pequena garotinha de 6 anos, a mais nova dentre as crianças. Seu irmão, já com 15 anos, era um homem formado e seguia os passos do pai. Seus pais trabalhavam no campo, com plantações. Produziam o suficiente. Retiravam o necessário à própria alimentação e vendiam todo o restante. Tinham uma boa vida, sem muitos confortos, mas segura.
A aventura na floresta começou logo que o sol raiou. Era uma manhã muito fria, com uma fina camada de neblina. Todas as crianças estavam bem equipadas. Catarine tinha em sua pequena bolsa de viagem duas ombreiras de couro que ganhara de seu avô já falecido, que também fora contador de estórias no vilarejo. Usava por sobre as roupas um colete de couro bem fino e leve, mas suficiente para protegê-la do frio e de pequenos arranhões que por ventura poderiam acontecer. Por baixo do colete, um pequeno colar com tiras de couro amarrado a uma peça de metal.
Todas as crianças já estavam reunidas e preparadas, eram 12 ao todo. O irmão de Catarine começou então a dar as últimas orientações antes de saírem do pequeno vilarejo. Cada criança levava um tipo de alimento com o objetivo de juntar ao animal que o irmão de Catarine prometera caçar para o almoço.
O irmão de Catarine era o único que levava uma arma. Uma espada simples, mas muito bem afiada, ganhada de seu avô, após uma noite de histórias sobre um herói que havia desbravado toda aquela região usando a tal espada. Um herói conhecido por todos do vilarejo, mas visto por poucos ainda vivos por lá.
A viajem dos pequenos começou. Uma caminhada, não muito longa, mas suficiente para cansar os aventureiros, era o primeiro desafio. Uma pequena estrada os levaria até próximo a floresta, por uma caminhada de aproximadamente 40 minutos. Depois, teriam de chegar até a floresta atravessando pequenas trilhas, próximo ao rio. E assim foi feito, atravessaram toda a estrada, com apenas uma parada para beber água. Um desafio pequeno para os aventureiros, candidatos a cavaleiros e heróis. No caminho, cruzaram com um pequeno grupo de cavaleiros que conduziam a bandeira do castelo. Todos ficaram admirados com o brilho prateado da armadura dos cavaleiros. Os garotos fixaram o olhar no cavaleiro que vinham a frente, portando uma grande espada. Catarine fixou seus olhos num soldado que portava apenas um arco e uma aljava recheada de flechas. A passagem pelos cavaleiros rendeu muitas conversas entre os pequenos, que terminaram a viagem até a floresta em pouco tempo.
A visita a floresta fora um sucesso. Para o almoço, carne de peixe e coelho, que os baixinhos viram de perto serem capturados pelo irmão de Catarine. Todos ajudaram a limpar os animais e alguns prepararam a fogueira. Depois da refeição, um bom banho no rio foi o cardápio. Uma aventura inesquecível até ali.
Com o sol já a meia altura, o irmão de Catarine deu início a viagem de volta para o vilarejo. Todos estavam cansados e precisariam de mais tempo para a caminhada de volta para casa. Mas a euforia dos garotos em contar como foi a aventura para seus pais os fazia caminhar com boa velocidade.
Não demorou muito, já podiam avistar o vilarejo, que ficava num ponto baixo em relação à estrada. A medida que iam se aproximando, notaram que os adultos não estavam mais nos campos trabalhando, o que não era comum para o horário. O irmão de Catarine, já demonstrando sinal de preocupação, acelerou os passos e gritou aos pequenos para andarem depressa.
Quando ele chegou bem próximo ao vilarejo, ficou imóvel, sem ação. Logo o grupo das crianças o alcançou e todos puderam presenciar a cena que o deixara paralisado. Todas as mulheres do vilarejo estavam enfileiradas no chão, nuas e mortas, com vários cortes. Dos homens, dava apenas para ver alguns amarrados em troncos de madeira e outros jogados ao chão.
O irmão de Catarine, após o impacto que sentiu pelo que viu, desembainhou sua pequena espada e saiu correndo em direção ao vilarejo. As crianças, ao o verem sair correndo, saíram atrás dele, mas no tumulto, Catarine torceu o pé e caiu, ficando para trás.
Ao entrar no vilarejo, o irmão de Catarine notou que havia um cavaleiro na praça central, sentado tranquilamente numa mureta de pedras, olhando ao horizonte, com a espada cravada no peito de um homem, de costas a posição que ele se encontrava.
O irmão de Catarine ordenou as crianças que se escondessem. Com sua espada em mãos, foi caminhando cuidadosamente em direção ao cavaleiro. À medida que ia aproximando-se, ganhava visão do homem que estava ao chão.
Reconheceu as roupas do homem e, mesmo sem ver o rosto, sabia que era seu pai. O ódio subiu-lhe a cabeça, mas foi calmo o suficiente a ponto de não alarmar o cavaleiro. Deu mais dois passos em direção ao cavaleiro, empunhou a espada com as duas mãos, garantindo maior firmeza, quando ouviu:
- Você não quer tentar isso.
Seu corpo tremeu todo. Ficou sem entender como fora descoberto. Mas com a coragem de quem não tem mais nada a perder, avançou em direção ao cavaleiro e desferiu um golpe com sua pequena espada. O cavaleiro que ainda estava de costas apenas esquivou-se, sem nenhuma dificuldade, fazendo-o passar por ele. Foi quando o irmão de Catarine notou um escudo brilhante, na cor prata, encostado na parede, refletindo tudo as suas costas.
- Sinto muito garoto.
O irmão de Catarine pôde ainda ver o rosto do cavaleiro, que desferiu um golpe com o cabo da espada em sua cabeça deixando-o desacordado.
Catarine, ao ver a cena, saiu de seu esconderijo correndo em direção ao seu irmão. Sua atitude encorajou dois garotos, que foram em direção a praça logo atrás dela. Quando Catarine conseguiu se aproximar, foi golpeada pelo cavaleiro com força, sendo arremessada longe de seu irmão. Os garotos que a seguiam pararam imediatamente e, com medo, começaram a fugir.
O cavaleiro pegou o irmão de Catarine, colocou-o sobre o ombro e começou a andar em direção a saída do vilarejo. Foi só então que Catarine viu seu pai ao chão, envolto em uma poça de sangue.
- Pai! Mano!
Foram as últimas palavras que conseguiu falar antes de desmaiar.