A Criança mais Rápida que a Luz - Episódio 1

O Nascimento de um Cometa

Um brilho intenso tomou conta no amanhecer da última terça-feira. Apesar de ser sempre o mesmo sol de todas as manhãs, tardes e noites de lua cheia, ele estava mais bonito para aqueles que não o viam há muito tempo, como a pobre biodiversidade dos pólos. Não que alguém realmente pudesse distinguir alguma característica diferente no ponto luminoso que cega os teimosos, mas chega a um ponto em que não importa mais a real utilidade de algo, tornando-se simplesmente belo por falta de opção. Então quiseram que a criança viesse à noite, para os astros não ficarem ofuscados.

Uma semana antes já vieram os grandes sinais: Primeiro as folhas se tornaram tão verdes que encheram o mundo de oxigênio. Depois os animais passaram a se amar mais, multiplicando-se de forma tão terrível que passaram a sair das florestas para atacar os latifúndios, fazendo os assustados fazendeiros calcularem sua razão e constatar que se tratava de uma progressão aritmética. Após o início da inseminação artificial dos ursos e desestruturação completa de uma cadeia alimentar, o autor se arrependeu do que fez e tentou chamar atenção de outras formas.

Faltando três dias para sua chegada, finalmente concretizaram aqueles que seriam caracterizados como os sinais da grande e esperada bênção que o mundo tanto aguardava. Todos notaram que a comunhão e a sinceridade pairavam como forte odor, tão forte que as pessoas não mais conseguiam mentir, o que gerou um estado de caos generalizado. Faltando dois dias, a humanidade acordou calmamente e foi tomar café, enquanto seus animais de estimação lhe davam bom dia com uma linguagem falada cheia de sintaxes e morfologias. Entretanto, o que mais surpreendeu é que a maioria dos animaizinhos só se expressava através de palavrões e conjunções, o que resultou na conclusão de que eles armazenavam todas as maravilhosas coisas que falamos quando destroem os móveis ou urinam no taco. Felizmente para todos, vinte e quatro horas depois eles perderam essa capacidade, dando graças aos céus de não terem mais como concatenar idéias e não se sentirem mais na obrigação de delatar aos seus donos todos os seus defeitos desagradáveis.

Finalmente, faltando menos de uma volta completa em seu próprio eixo, o planeta presenciou o maior dos sinais divinos. No amanhecer da humanidade, a luz tornou-se ausente. Ninguém viu nada, nem tentou ver nada, muito menos intentou o simples ato. Na escuridão da manhã que não vinha, ninguém falou, sentiu ou ouviu. Apenas continuaram dormindo. E sonhando. Pela primeira vez até então (e até depois), todos os seres conscientes sonharam juntos o mesmo desejo, o mais lindo que alguém algum dia pretendeu desejar. Era a luz. Límpida e aquosa. A grande fonte de luz, que escorre como uma poça e desemboca sobre as pedras de sua cachoeira. E sobre a sétima pedra central, contada tanto da direita tanto para a esquerda, estava uma pequena criatura de pé. Não se via quem era, nem o que era, nem se era ou deixava de ser. Então ela pulou, quebrou a tensão superficial e afundou até a hora em que o céu se iluminou outra vez.